VIVÊNCIAS IPAUMIRINENSES (MIGUEL CAIRO ARRUDA)


 
MLUIZA
Há algum tempo conversei com Cairo  Arruda sobre a possibilidade dele escrever alguma coisa sobre a sua vivência em Ipaumirim. Ele aceitou a proposta e ficou de me enviar.  Na ocasião, estávamos em pleno novenário da festa de São Sebastião e esse período é sempre muito complicado para realização de longas entrevistas. Semana passada, seu texto chegou. As notas explicativas no final do texto foram por mim inseridas e não integram o texto original. Elas oferecem informações que contribuem para contextualizar o período sobre o qual tratamos.  Agradecemos a sua atenção e a gentileza em compartilhar conosco as suas experiências e amizade.
Miguel Cairo Arruda, filho de Miguel Vasconcelos de Arruda e Francisca Ferreira de Arruda, nasceu em 20 de maio de 1938. Casado com Mirian Barbosa Lima tem duas filhas e três netos. 
MIGUEL CAIRO ARRUDA
Na década de 50, eu vivi entre a casa dos meus pais na pequena cidade de Abaiara-CE  e Fortaleza onde estudava no Colégio Liceu considerado um colégio padrão naquela época.
A conselho de tio Raimundo, médico,  irmão do meu pai, tive de abandonar os estudos e passar a auxilia-lo no comércio farmacêutico, como aprendiz. Passado algum tempo nessa função, meu genitor decide instalar uma farmácia em Baixio, no ano de 1961, em sociedade entre mim e João Leite Tavares, filho de um seu amigo abaiarense. Para tanto, fechou as portas da sua farmácia em Abaiara transferindo seu estoque para uma botica no Distrito de Felizardo e para a farmácia de Baixio onde passou a residir com a família.
Ao aportarmos nesta cidade, no início daquele ano, eu e meu sócio instalamos nossa modesta botica no principal logradouro da cidade. Enfrentei sérios contratempos com os únicos comerciantes pioneiros do ramo que não aceitavam concorrência principalmente de ‘forasteiros’, como era o meu caso. Entre outras adversidades, recebi ameaças de toda sorte inclusive arrombamento encomendado do nosso estabelecimento e desvio de clientes. Contudo, com o apoio e orientação do meu pai, Miguel Arruda, não desisti do projeto embora tenha permanecido pouco tempo em Baixio.
Afora os transtornos ocasionados pelos concorrentes, os baixienses nos acolheram muito bem. Ainda hoje tenho doces recordações daquela boa terra, mormente, das tardes em que por ela transitava o trem de passageiros da antiga Rede Viação Cearense (RVC) que fazia o percurso Fortaleza-Sousa (PB). O serviço de som da Sociedade Beneficente de Baixio presidida pelo então prefeito, Coronel Cícero Henrique Brasileiro, que tinha como locutor o saudoso boêmio Luís Brasileiro animava a passagem do trem. As belas canções que ecoavam da difusora mexiam com o coração dos jovens baixienses que tinham a passagem da ‘Maria Fumaça’ como seu principal espaço de lazer e paquera. 
Tenho um sobrinho-irmão, Regynaldo Arruda Sampaio, docente da Universidade Federal de Minas Gerais no campus de Montes Claros, que nasceu em Baixio e conviveu conosco por vários anos na casa de meu pai desde a sua tenra idade.
As festividades alusivas a São Francisco, padroeiro da cidade, eram muito animadas e concorridas. Durante o pouco tempo que ali vivi participei como membro de comissão para angariar, dentro e fora do município, donativos para ajudar na realização dos festejos religiosos.
Em 1962, saí de Baixio transferindo a farmácia para Ipaumirim e me estabeleci na antiga Praça do Posto, atualmente Praça Osvaldo Ademar Barbosa,  em imóvel alugado ao próprio Ademar que, de pronto, passou a ser nosso cliente levando a tiracolo o industrial de algodão José Abrantes Sarmento.
Nessa ocasião, o meu pai resolveu mudar de ramo no comércio e instalou, em Ipaumirim, o Magazine Arruda que funcionou inicialmente em prédio alugado na Rua Coronel Gustavo Lima transferindo-se depois para um imóvel de propriedade do Sr. Diógenes Rolim onde permaneceu até a conclusão da sua sede própria em terreno localizado atrás da Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição, passando, assim,  a funcionar num mesmo prédio o magazine e a  Farmácia Arruda até o ano de 1969 quando a família se mudou para a vizinha cidade de Cajazeiras - PB onde meu pai me substituíra na direção de uma unidade da nossa farmácia localizada na Rua Tenente Sabino, centro da cidade, onde eu tinha começado a negociar no início do ano de 1968.
Quando me instalei em Cajazeiras enfrentei as dificuldades próprias de um novo comerciante no processo de inserção no mercado local.  Por ser também homem de rádio – cronista por vários anos da Difusora Rádio de Cajazeiras – A Pioneira, portanto já muito conhecido no município cajazeirense consegui, ao lado do meu parceiro Bosco Tavares, firmar-me no comércio farmacêutico e também socialmente.Como eu era correspondente do jornal O Norte, de João Pessoa, – órgão integrante dos Diários Associados que congregava jornais, rádio e televisão – fui designado por aquele veículo da imprensa pessoense para promover junto à sociedade cajazeirense a escolha da Miss Cajazeiras contando com a valiosa colaboração da socialite Iracles Brocos Pires para concorrer ao título de Miss Paraíba no ano de 1968 (salvo engano) tendo a representante local conquistado o 3º lugar.
Com a ida do meu pai para Cajazeiras, já casado com Miriam Barbosa Lima e genitor da primogênita Cairamir, retornei para Ipaumirim, ainda em 1968, ocasião em que realizamos a fusão entre a unidade da nossa farmácia em Ipaumirim com a farmácia da minha sogra, Joaninha Barbosa Lima. Administramos esta farmácia até o ano de 1979 quando passamos a residir em Fortaleza tendo em vista a educação das nossas filhas Cairamir e Kátia. 

ATUAÇÃO POLÍTICO PARTIDÁRIA EM IPAUMIRIM

Quando meu pai se decidiu a morar em Ipaumirim comunicou a decisão ao seu irmão Chico Arruda esclarecendo que o seu objetivo era trabalhar na área comercial iniciando seus filhos adultos neste ramo de negócios e que a parte política da família ficaria com o irmão que havia sido sócio há alguns anos atrás, na cidade de Baixio,  da firma Indústrias Reunidas de Baixio em sociedade com Fausto Cabral e que, posteriormente, ingressou nas lides políticas da região com o apoio de amigos da terra. O irmão concordou e assim permaneceu durante um tempo.
Com o desenrolar das coisas, nossa família passou a sofrer perseguições partidas das ‘Forças Ocultas’ visando talvez a desestruturar os nossos negócios do magazine e da farmácia e, em consequência, abandonarmos a localidade.
Com a cassação do mandato do tio Chico Arruda, deputado estadual, essas forças passaram a atuar com mais intensidade chegando inclusive a orientar alguém para afastar nossos clientes comerciais alegando a má qualidade das nossas mercadorias. Conseguimos sobreviver comercialmente e construímos a nossa residência na Rua Ponce Leon.
No pleito de 1970, já cassado, tio Chico lançou o seu correligionário, José Saraiva de Araújo, a prefeito da cidade e pediu a meu pai que, na época já morava e negociava em Cajazeiras, que concordasse com a minha candidatura a vereador para ajudar a conquistar votos para o seu candidato. Depois de muita relutância, meu pai concordou com minha candidatura. Fui eleito para um mandato de dois anos num tempo que vereador do município não recebia remuneração. Zé Saraiva foi derrotado por Nildo Fernandes que recebeu o apoio das ‘forças ocultas’.(1)
Em 1972, tio Chico voltou a bater na porta do irmão Miguel, meu pai, para que ele aceitasse a minha candidatura a prefeito de Ipaumirim alegando que dada a minha popularidade junto à população local, não via outro nome para concorrer ao pleito municipal. Meu pai aceitou e ‘contra tudo e contra todos’ fui vitorioso. Entretanto, elegemos apenas três vereadores do nosso partido ficando a oposição com ampla maioria para ‘casar e batizar’. (2)
Passei os dois primeiros anos de governo ‘no couro’ tendo que administrar em cima de um orçamento dos mais apertados elaborado por meu antecessor, Nildo Fernandes, com o propósito de que eu ficasse refém do orçamento e da Câmara dos Vereadores sem condições, portanto, de cumprir as promessas de campanha.
Ao cabo de um ano (salvo engano), o vereador Raimundo Dias Dantas, filho de Expedito Dantas Moreira, ex-prefeito e vereador em pleitos anteriores,  foi embora para São Paulo ensejando assim a posse do primeiro suplente da nossa agremiação partidária, Raimundo Ferreira de Sousa (Mano Ferreira). Certo tempo depois, faleceu o vereador Argemiro Felizardo Vieira dando lugar ao segundo suplente, também do meu partido, José Correia Gonçalves. Assim sendo, o nosso grupo passava a contar com maioria na Câmara Municipal. Com isso, passei a administrar mais aliviado e comecei a cumprir os compromissos assumidos com os munícipes dentre eles a ‘menina dos meus olhos’: a estruturação da então Maternidade Municipal Maria José dos Santos, conhecida popularmente como Dona Piquilí, avó da minha esposa, localizada na Rua Miceno Alexandre, equipando-a devidamente pois recebi do meu antecessor apenas o prédio vazio. 
Vale ressaltar que a ajuda do antigo órgão FUNRURAL foi fundamental para que a minha administração alcançasse este objetivo doando, inclusive, uma ambulância que infelizmente caiu em desuso até ser corroída pela ação do tempo.
É bom que se esclareça que o compromisso assumido por tio Chico Arruda no pleito de 1972 com o meu companheiro de chapa, Sebastião Albuquerque Barbosa (Sebasto), era de um mandato dividido: dois anos comigo e dois com ele. Ocorreu que, quando foi atingida a metade de minha gestão, reuni os nossos vereadores e demais líderes, inclusive Sebasto, para transferir oficialmente para ele a chefia da edilidade honrando assim o compromisso assumido pelo meu tio. Para surpresa dos presentes, o vice-prefeito alegou que não aceitava porque não tinha condições tendo, porém, ficado evidente que se tratava de uma farsa pois sua verdadeira intenção era ser candidato do partido à minha sucessão. Se esta proposição implícita não se firmasse como um compromisso político antecipado desde aquele momento,   Sebasto aderiria aos nossos adversários que, diga-se de passagem, souberam bem articular essa trama diabólica  ‘dando corda’ aos seus familiares e adeptos da sua candidatura  para pressioná-lo a não abrir mão de concorrer na cabeça de chapa no próximo pleito sob a alegação de que quem tinha votos  no nosso grupo político era ele e não eu.  Portanto, ele não devia continuar como subserviente ou, como se diz popularmente, como um ‘pau mandado'.(3)
As ditas ‘forças ocultas’ tentaram, também, boicotar o meu casamento com Mirian, tudo indicando para evitar que eu aprofundasse as minhas raízes na terrinha já que não sou filho dela. Para se ter ideia do trabalho malicioso de alguns, nesse sentido, uma determinada senhora bancando a boa conselheira da minha hoje esposa, assim se expressou: - ‘Mirian, é melhor chorar com jeito do que sem jeito chorar’! Enquanto eu, afirmo em contrapartida: o amor, quando verdadeiro, nada impede que os seus protagonistas o torne eterno!
Hoje, com 53 anos de casados, eu e Miri (como a trato na intimidade) somos deveras felizes ao lado das nossas queridas filhas, Cairamir e Kátia, e dos nossos netos: Pedro, Mandir e Arthur.
Politicamente falando, o que mais me gratificou enquanto exerci essa atividade e já fora dela foi, sem dúvida, ter podido intermediar a consecução de empregos efetivos para dezenas de pessoas carentes e dignas de um lugar ‘ao sol’ e que corresponderam às expectativas de seus superiores.
Quando político ainda na ativa tive, entre outras, duas frustrações que me marcaram. Saber que a política é uma arte muito difícil e complicada, e que os que a praticam precisam saber ‘engolir sapos’ e ainda que os políticos bem intencionados levam uma imensa desvantagem perante os que não o são e que defendem a tese de que na política, o feio é perder. A maior, no entanto, foi o falecimento de tio Chico, o grande patrocinador da minha candidatura, ter acontecido antes da eleição e, assim, não haver presenciado a minha vitória.
Miguel Cairo Arruda
Eusébio – CE
Janeiro de 2020.

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NOTAS
(1)    No pleito de 1970, foram eleitos prefeito e vice de Ipaumirim: José Fernandes de Sousa (Nildo) e Francisco Felizardo Vieira, pela Arena 1, com 1550 votos. A chapa adversária composta por José Saraiva de Araújo e Francisco Antônio Barbosa, pela Arena 2, recebeu 1408 votos sendo portanto derrotados no pleito. Os eleitos governaram por um período de dois anos e o pleito seguinte ocorreu em 1972. No pleito foram eleitos os seguintes vereadores, pela ARENA 1 e ARENA 2: Sebastião Barbosa de Albuquerque (347 votos), Miguel Cairo Arruda (306 votos), Maria Gonçalves Diniz (234 votos), Otacílio Josué da Costa (233 votos), José Moreno Rolim (228 votos), Luiz Antônio Gonçalves (194 votos) e Expedito Dantas Moreira (184 votos).
(2)   Em 1972, foram eleitos prefeito e vice, respectivamente, Miguel Cairo Arruda e Sebastião Barbosa Albuquerque com 1900 votos pela ARENA 2.  Os candidatos pela ARENA 1 Expedito Dantas Moreira e José Dias de Sousa obtiveram 1683 votos.  Os vereadores eleitos foram: José Leite Barros (391 votos), Francisco das Chagas Nogueira Barbosa (376 votos), Joaquim Barbosa de Albuquerque (356 votos), Argemiro Felizardo Vieira (355 votos), Higino Diniz Sobrinho (336 votos), Raimundo Dias Dantas (317 votos) e Otacílio Josué da Costa (306 votos). Acompanhavam Cairo Arruda os seguintes vereadores eleitos: Joaquim Barbosa de Albuquerque, irmão de Sebasto, José Leite Barros e, salvo engano,   Argemiro Felizardo Vieira.
(3)   Na eleição de 1976, Sebastião Barbosa Albuquerque (Sebasto) foi candidato a prefeito pela ARENA 1 tendo como vice José Leite Barros. A chapa recebeu 1966 votos. Ganhou a eleição José Fernandes de Sousa (Nildo) tendo como vice Francisco Felizardo Vieira, repetindo portanto a chapa do pleito de 1970. Na eleição de 1976, a chapa venceu com 2409 votos.
No pleito de 1982, Cairo Arruda se candidata pelo PDS 2 tendo como vice Severino Gonçalves Barbosa. A sua chapa obteve 1954 votos perdendo para a chapa do PDS 1 composta por Luiz Alves Freitas e José Nery Vieira que obteve 2706 votos. Neste pleito, Sebasto Barbosa é eleito vereador com 272 votos.
A eleição de 1982 sugere, em princípio, uma ilusória abertura de renovação da política local pela inserção de candidatos que até então não integravam as chapas majoritárias e inserindo ainda outros novatos como candidatos a vereador, incluindo eleitos e não eleitos. Entretanto, o novo desenho político que se consolida neste pleito não tem nenhuma característica de perfil renovador. Não se define como uma promessa de mudança de métodos e procedimentos na política local. Permanecem todos os vícios da velha política e outros tão danosos quanto aqueles começam a vicejar e se consolidam sem constrangimento ético, ao longo do tempo, na politicagem local.
Na eleição de 1988, Cairo Arruda reaparece no cenário político local como candidato a vice-prefeito na chapa de Maria Alda Vieira Lisboa. Essa chapa obteve 1610 votos. A chapa eleita com 3486 votos era composta por José Miraneudo Linhares Garcia, genro do ex-prefeito Nildo Fernandes, tendo como vice José Dias de Souza.  Nesta eleição, acontece um fato curioso. Dizia-se que Ipaumirim não elegeria um prefeito sem os votos do Distrito de Felizardo. Os resultados evidenciam que Miraneudo  já estava eleito mesmo antes da apuração dos votos do Felizardo. Esta constatação, por si só, redimensionaria as relações e o equilíbrio das forças políticas locais se consideradas apenas em relação aos resultados eleitorais.
Na eleição de 1992, Sebasto Barbosa ainda aparece como vereador eleito com 239 votos e no pleito de 1996 como suplente com 210 votos quando aparece pela última vez nos mapas eleitorais. 
Os resultados eleitorais registrados nas notas estão disponíveis no link: http://www.tre-ce.jus.br/eleicao/resultados
MLUIZA
RECIFE
25.01.2020

ATÉ A MORTE, TUDO É VIDA. (MIGUEL DE CERVANTES)

Jarismar e eu. Foto de Magna Gonçalves.
Desde janeiro do ano passado, estivemos reunidos, Jarismar e eu, percorrendo a  longa travessia das suas memórias. Jáder Santana já tinha escrito um livro sobre sua vida que ele muito gostava. Foi uma edição comemorativa pela passagem dos seus 80 anos. Refletindo, posteriormente, ele achava que algumas  outras informações poderiam ser incorporadas complementando assim o conjunto das suas memórias.  Como já estávamos conversando sobre outras questões de Ipaumirim, combinamos de ir avante em nosso interesse comum onde ele traria novas informações que, por um lado, retomariam algumas questões complementares a obra anterior e outras seriam acrescentadas. A partir daí, começamos nossa caminhada. Mergulhei sem pruridos metodológicos numa prosa agradável e extremamente rica. Mais do que um desfiar de informações factuais, pretendíamos fazer um livro de celebração da vida e do que ela proporciona. Falamos de ideais, desafios, lutas, afetos, equívocos, dores, conquistas e desapontamentos. Passamos um ano nessa viagem.
Foram horas de conversas presenciais e muito texto indo e voltando na rota Ipaumirim-Recife-Ipaumirim até chegarmos ao momento em que ele dava o OK. Com uma lucidez surpreendente para a idade, corrigia cuidadosamente os meus equívocos até chegarmos a um denominador comum que era exatamente o ponto em que ele considerava o texto pronto. Embora tenhamos uma diferença de idade, nossa origem de bases rurais propicia um entendimento sobre o universo comum. Saímos do roteiro todas as vezes que achamos necessário. Falamos sobre as amenidades que dão alma e sentido ao cotidiano. Confesso que às vezes caíamos em tentação e não resistíamos. Quem resiste a uma fofoca ou a uma picardia no momento preciso?   Eram intervalos de descontração e cumplicidade onde ele se permitia alguma irreverência e a gente ria bastante. Ele dizia: - Isso não pode publicar. Nesses momentos, revelava um humor especial que dava um tom jocoso a sua narrativa. Seu temperamento discreto não lhe permitia excessos. Afável no trato, claro no raciocínio, observador atento e narrador detalhista. Sei lá porquê eu sempre errava o nome de uma mesma pessoa. Ele me corrigia: – Você já errou três vezes esse nome. Foi um pesquisador incansável, buscava informações para enriquecer o texto e estava sempre preocupado em ser politicamente correto. Conversamos sobre muitas coisas, outras tantas não deu tempo.
Em nosso último encontro aprofundamos um texto que ele vinha construindo sobre a família que a vida lhe deu. Avós, pais, irmãos, agregados. Hábitos e costumes. Foi uma conversa muito amorosa onde ele revisitou afetos, o mundo lúdico da sua infância rural, brincadeiras, castigos, culpas, cafunés, sentimentos, expectativas, cobranças, essas  coisas que são o tempero essencial de qualquer cotidiano familiar. Era sobretudo um neto devotado, tinha por seu avô materno muito carinho e respeito, mas a sua avó, Josefa,  foi a grande presença na sua infância. Essa avó perpassou, de uma maneira ou de outra, todos os nossos encontros. Sempre havia um lugar para ela. Ele estava muito emocionado e eu fiquei muito comovida ao compartilhar daquele profundo mergulho afetivo de um homem de 84 anos.  Depois da notícia do seu falecimento foi como se eu tivesse finalmente apreendido o sentido da nossa última conversa.
Na etapa seguinte, falaríamos da família que construiu e das amizades que conquistou ao longo da vida. Havia a preocupação diante a possibilidade de esquecer algum nome. Deixei algumas anotações para ele revisar e corrigir com calma um texto anterior que estávamos encaminhando.  Programei para falar por último sobre política aprofundando certos aspectos que havíamos conversado rapidamente mas que precisávamos explorar com mais profundidade. Ele tinha uma larga experiência política que aponta quando estudante secundarista na cidade do Crato e uma capacidade de negociação muito expressiva na condução de projetos coletivos, era um articulador habilidoso. Tinha clareza de objetivos, paciência para viabilizar estratégias e perspicácia para se mover no jogo político das instituições.  
Eu queria que ele fizesse uma leitura própria da dinâmica da política partidária em Ipaumirim que acompanhou, direta e/ou indiretamente,  durante muito tempo desde quando foi chefe de gabinete na administração do seu pai , Alexandre Gonçalves da Silva, na Prefeitura Municipal de Ipaumirim (1958-1962).  O que motiva, o que modela,  como se dissimulam as intencionalidades e interesses privados nunca publicamente revelados mas que são a base dos acertos e alianças políticas. Sua interpretação lúcida e experiente seria fundamental na composição deste cenário que, aos poucos e sem pressa, venho pacientemente observando ao tentar desnudar e compreender como se expressam os mecanismos que movem a política e o poder em micro municípios sem expressão econômica e quase nenhuma visibilidade política um pouco além de suas fronteiras. Não houve esse tempo. Fica este vazio na interpretação da história política de Ipaumirim.
Mércia, sua filha, foi uma companheira paciente e comprometida em todo o processo. Solicita, preocupada e atenta. A distância e a sua condição de saúde dificultaram o ritmo e a conclusão do projeto, mas ficaram registros importantíssimos da sua obra, da sua vida e do nosso município.
A mim, ficou-me a lembrança querida de um amigo que chegou tarde demais e foi embora mais cedo do que eu gostaria. Ainda havia muito a conversar e mais ainda a aprender.  
MLUIZA
Recife, 21.01.2020.

EDMILSON QUIRINO DE ALCÂNTARA: A LEMBRANÇA ALEGRE DE QUEM TEM APREÇO PELO TRABALHO QUE REALIZA.

Conversar com Edmilson é sempre muito agradável. Apesar da memória já comprometida ele adora falar sobre sua experiência como dono de bar....