APONTAMENTOS E APROXIMAÇÕES SOBRE AS ORIGENS DE IPAUMIRIM: DE QUANDO ÉRAMOS ICÓS-PEQUENOS

MLUIZA
Sempre que vou buscar informações sobre Ipaumirim lembro do filme Narradores de Javé, produzido em 2001 e dirigido por Eliane Caffé. O filme, disponível no you tube, conta a história de um vilarejo chamado Javé que será destruído para construção de uma usina hidrelétrica. Os moradores do lugar no intuito de salva-lo decidem contar a sua história tentando buscar alguma importância para inseri-lo no circuito do patrimônio histórico e cultural do país e assim impedir sua destruição.
A nossa intenção e propósitos não são os mesmos do filme embora em algum momento a questão da busca de informações seja também o mote o nosso modestíssimo e despretensioso trabalho. São ligeiros apontamentos que podem oferecer pistas para nossas origens. É nessa perspectiva que deve ser visto.
Um tempo atrás eu tinha um projeto mais ousado mas acabei deixando de lado sem a pretensão de voltar ao tema.  Agora, esvaziando estantes e remexendo nas minhas caixas, encontro alguns apontamentos que podem ser utilizados como pistas sujeitas à verificação, discussão, debates, revisão e aprofundamentos.
Hoje, tratamos sobre as nossas origens indígenas. Sem entrar na intrincada discussão que envolve a temática indígena, vamos apenas tecer algumas informações sobre a identificação das tribos que habitavam a  área onde se localiza o município de Ipaumirim. As fontes utilizadas compõem uma bibliografia distribuída entre livros, artigos, ensaios, dissertações e teses dos quais selecionei alguns textos que considero mais importantes na produção deste post.
MLUIZA
Recife, 26.03.2018.


DE QUANDO ÉRAMOS ICÓS-PEQUENOS


Territórios indígenas do Ceará no século XVIII

O termo ‘tapuia’ que significa bárbaro foi criado pelos índios tupis e incorporado pelo discurso colonial, para designar os vários grupos indígenas de habilidade e índole guerreira que habitavam o sertão. Eram grupos distintos,  independentes, inquietos e belicosos  que tanto faziam guerra entre si como com outros povos. Entre eles, cada tribo tinha sua própria denominação.
Habitavam um território determinado e relativamente amplo onde dentro dele suas aldeias se moviam em busca de subsistência. Os seus deslocamentos poderiam também ser ocasionados em função de suas atividades guerreiras. Não seriam, entretanto, movimentos que caracterizassem nomadismo. Concebiam o conceito de propriedade coletiva quando aplicada às questões territoriais e de propriedade familiar quando se tratava sobre a casa onde residiam conjuntamente várias famílias. Cada um era dono de seus próprios objetos, sejam utensílios de uso pessoal e/ou doméstico, bem como dos seus instrumentos de trabalho. O respeito a propriedade alheia se dava no contexto da tribo, mas não em relação aos estranhos. De maneira geral, já se observa uma divisão do trabalho entre atividades consideradas femininas e/ou masculinas.
As informações disponíveis sobre suas características físicas descrevem um povo de compleição robusta, alto, cabeça grande, cabelo preto e cor moreno atrigueirada. As mulheres seriam mais baixas e tinham o mesmo tom de pele.
Entre o grande grupo de tribos que compunham o povo tapuia existiam os Icós que viviam numa área situada na região que compreende desde as margens direita dos rios Salgado e Jaguaribe e se estende até os rios do Peixe e Piranhas na Paraíba. 
No mapa abaixo a distribuição espacial dos índios na Paraíba.



No final do século XVII, o capitão-mor Francisco Carrilho, após depredações nas terras do Jaguaribe onde os índios quase dizimaram os colonizadores, teria organizado uma expedição para combatê-los sob o comando de Francisco Dias Carvalho. No início do século XVIII, o grupo que habitava a Serra do Pereiro e os sertões do Cedro impediram o capitão-mor Gabriel da Silva de povoar a região. Embora aparentemente tivessem sido pacificados por volta de 1700 pelo religioso Padre João de Matos Serra, prefeito das missões no interior da capitania, ajudado pelo Capitão Plácido de Azevedo Falcão, cabo do presídio de Jaguaribe, eles continuaram sua atividade belicosa. Hostilizavam os brancos inclusive com uma atuação armada contra o avanço colonialista.  Apesar da pacificação,  continuaram suas atividades guerreiras sendo expulsos para o Piauí ainda no primeiro quartel do século XVIII após participarem também da briga entre os Montes e Feitosas.
Os índios denominados Icozinhos ou Icós Pequenos, parente dos Icós, tem sua presença registrada entre as fronteiras do Rio Grande do Norte, Ceará e principalmente Paraíba onde sua concentração era mais significativa expandindo-se até a ribeira do rio Piranhas. Pedro Théberge registra que uma das bandeiras enviadas pela Casa da Torre teria plantado um arraial nas imediações da cidade do Icó perto de uma lagoa denominada Lagoa da Torre  e que neste local haviam encontrado índios desta tribo.
Conforme Julieta Pordeus, “ O Município de Sousa, cujo território é identificado como outrora pertencente aos Icós Pequenos – Icozinhos – habitantes da Capitania do Ceará os quais dominavam as terras que iam desde a Serra de Luiz Gomes até o Riacho Salgado, inclusive a planície do Rio do Peixe, teve como seu primeiro povoador o sargento-mor Antonio José da Cunha, que aqui chegou no ano de 1691, travando muitas batalhas com os índios do Ceará e Rio Grande do Norte para chegar à Paraíba.(GADELHA, 1986, p. 9)
Em novembro de 1708, Antônio José da Cunha, vindo de uma experiência complicada de confronto com os índios nos sertões da capitania do Rio Grande e de Ceará com grandes prejuízos pleiteia uma sesmaria em um riacho chamado do Peixe que desagua no rio Piranhas território habitado pela nação dos Icós pequenos. Com a vinda de outros sertanistas para esta área agravou-se a situação dos índios que acabaram sendo dizimados à medida que as fazendas se estabeleciam na área.  O franciscano Frei João de Matos Serra aldeou os sobreviventes dos Icozinhos, inclusive os residentes no Ceará.

POSSÍVEL LOCALIZAÇÃO DOS ALDEAMENTOS INDÍGENAS NO ESTREMO OESTE DA PARAIBA COLONIAL

Fonte: SARMENTO, Christiane Finizola. Povoações, freguesias e vilas na Paraíba colonial (1697 – 1800). UFRN/Centro de Tecnologia/Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Natal. 2007. p. 69.


Os aldeamentos implicam numa estratégia fundamentada na associação de interesses políticos, econômicos e religiosos. A escolha de sua localização fundamentava-se na proximidade dos caminhos sertanejos,  facilidade de comunicação, intercambio com outros núcleos populacionais instalados por perto e acesso ao litoral.
A bibliografia sobre o aldeamento dos icozinhos aponta divergências quanto a sua localização. Alguns autores sugerem que o aldeamento estaria localizado no núcleo urbano da atual cidade de Sousa provavelmente no centro da cidade.
Christiane Finizola Sarmento apresenta uma outra possibilidade.
“E para finalizar, chegou-se a uma provável localização da Missão dos Icozinhos, de acordo com a carta de data que concedia terras aos filhos do Coronela Manuel de Araújo Carvalho, que havia lutado na conquista do gentio. Tal carta e, e mais outras duas, que tratam de doações de terras no Sertão do Rio do Peixe, juntamente com o atual lugar chamado Icozinho, no Ceará, levam a esta possível identificação. Assim tem-se  a seguinte transcrição: 

‘terra devoluta entre o Rio do Peixe, e a Serra que corre do Nascente no lugar chamado Ipoeira, com uma légoa para o Nascente, e duas para o Sul, e para o Nascente parte com as terras que forão da Missão do Icozinho, e para o Sul com a fazenda do brejo, e para o norte com o Jaguaribe.’ (*)

Assim, provavelmente, a Missão dos Icozinhos ficaria a Noroeste da Povoação de Nossa Senhora do Bom Sucesso (Pombal), diferentemente, do que se encontra na bibliografia referente aà ocupação antiga do município de Sousa, quando tal aldeamento é localizado no núcleo central da cidade. É possível que esta Missão também tenha existido em outros locais, mas nos documentos pesquisados esta foi a referência encontrada, no entanto, no de 1752, o aldeamento dos Icozinhos não mais estava no local indicado, conforme a própria carta de data quando relaciona as confrontações do lugar chamado Ipueira: ‘e para o Nascente com as terras que forão da Missão do Icozinho’ numa clara indicação de que a Missão havia sido instalada, provavelmente em outro local, àquela época”. (**)
O povo Icó se extinguiu  no início do século XIX.
Considerando a bibliografia consultada e pela coincidência das informações, é possível que o território onde hoje fica o município de Ipaumirim tenha sido área de domínio dos Icós provavelmente do ramo dos Icós-pequenos ou Icozinhos.
 
O povo Icó se extinguiu  no início do século XIX.
Considerando a bibliografia consultada e pela coincidência das informações, é possível que o território onde hoje fica o município de Ipaumirim tenha sido área de domínio dos Icós provavelmente do ramo dos Icós-pequenos ou Icozinhos.

(*) Carta de Data de sesmaria de terras concedidas aos padres Francisco de Araújo de Carvalho e Manoel de Araujo de Carvalho, na Ribeira do Rio do Peixe. 4/10/1752. AHEP- Livros de Sesmarias. L.6106 Fl. 94V – 96F.

(**) SARMENTO, Christiane Finizola. Povoações, freguesias e vilas na Paraíba colonial (1697 – 1800). NATAL. UFRN. 2007. pp. 67-68.
BIBLIOGRAFIA

BORGES, José Elias. Indios paraibanos: classificação preliminar. In: MELO, José Octávio de Arruda & RODRIGUES, Gonzaga (org.) Paraíba: conquista, patrimônio e povo. João Pessoa: Edições GRAFSET, 1993. Pp. 21-38.
CORDEIRO, José. Os índios no Siará: massacre e resistência. Fortaleza. Ed. Hoje. 1989.
GADELHA, Julieta Pordeus. Antes que ninguém conte. João Pessoa. Ed. A União. 1986. 179p.
GUEDES, Paulo Henrique Marques de Queiroz. A colonização do sertão da Paraíba: agentes produtores de espaço e contatos Inter étnicos (1650-1730). UFPB. Programa de Pós-Graduação em Geografia. 2006. 157p. (Dissertação de Mestrado)
GIRÃO, Raimundo. Pequena história do Ceará. Fortaleza – Ceará. Imprensa Universitária. 11971.  335p.
LEITE NETO, João. Índios e terras – Ceará: 1850 -1880. UFPE. Programa de Pós-Graduação em História. 2006. 242p. (Tese de doutorado)
POMPEU SOBRINHO, Thomás. Os tapuias do Nordeste e a monografia de Elias Herckman. Revista do Instituto do Ceará. Tomo XLVIII. (1934). P. 7-28. Disponivel em: http://biblio.etnolinguística.org/pompeu_1934_tapuias.

SARMENTO, Christiane Finizola. Povoações, freguesias e vilas na Paraíba colonial (1697 – 1800). UFRN/Centro de Tecnologia/Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Natal. 2007. 163p. (Dissertação de Mestrado). Disponível em: arquivos.info.ufrn.br/.../Christiane_SARMENTO...Vilas....pdf
SOARES, Maria Simone; MOURA FILHA, Maria Bertilde de B. Villas do sertão da capitania da Paraiba setecentista. 3º Seminário Americano Arquitetura e Documentação. Belo Horizonte. 2013. 18p.
STUDART FILHO, Carlos. Notas históricas sobre os indígenas cearenses. Revista do Instituto do Ceará. T. XLV, 53-103. Anno XLV – 1931. Pp.53-103.
THÉBERGE, Pedro. Esboço histórico sobre a província do Ceará. Fortaleza: Ed. Henriqueta Galeno/Secretaria de Cultura, Desporto e Promoção Social. (Edição anotada por Mozart Soriano Aderaldo). 1973. 217p.
WIKIPEDIA. https://pt.wikipedia.org/wiki/Icó.

EDMILSON QUIRINO DE ALCÂNTARA: A LEMBRANÇA ALEGRE DE QUEM TEM APREÇO PELO TRABALHO QUE REALIZA.

Conversar com Edmilson é sempre muito agradável. Apesar da memória já comprometida ele adora falar sobre sua experiência como dono de bar....