PERFIL: VIVALDO ALVES DE OLIVEIRA (PARTE II)


Dando continuidade ao perfil de Vivaldo Alves de Oliveira, esta etapa tem como foco a sua vida estudantil.  
VIVALDO ALVES DE OLIVEIRA
Lembro que quando terminei meu curso primário cheguei em casa e me sentei na porta entre a cozinha e a sala de jantar e fiquei conversando com minha mãe. Meu pai aproximou-se e perguntou o que eu queria fazer da minha vida. Eu respondi que queria estudar e ele me disse que eu precisava trabalhar na roça para ajudar a família. Para aliviar o clima, minha mãe interveio e disse que depois ia conversar direitinho comigo. Determinado em meu propósito, eu lhe disse que ia procurar um lugar onde poderia continuar os meus estudos.
Através de Quinco de Manuel Gomes e Zezé Cassiano que haviam estudado no SENAI de Cedro-CE onde fizeram o curso de torneiro mecânico, obtive mais detalhes sobre esta escola que além da habilitação cursada pelos conterrâneos oferecia ainda carpintaria e funilaria. Reunimos um grupo de jovens de Ipaumirim e fomos prestar o exame de seleção. Neste grupo estavam Caboclinho, Avanildo Oliveira (Peba de Neuzinha), José Gonçalves (Zé Galego), Francisco Crispim (Chiquinho de Aurélio) e eu. No fim do ano de 1957, logo após a minha conclusão do curso primário no Grupo Escolar Dom Francisco de Assis Pires, fomos a Cedro realizar o exame de seleção.  Crispim e eu fomos selecionados para habilitação em carpintaria. Avanildo foi selecionado em funilaria mas logo foi expulso da escola por indisciplina. 

Prédio do antigo SENAI
 Cedro - CE.

O curso no SENAI era excelente, mantinha uma disciplina rígida e nos preparava muito bem principalmente em matemática. Enquanto fazíamos o curso descobrimos que por ser uma formação de caráter técnico não tinha equivalência ao curso ginasial. Ainda assim, após dois anos, o concluímos e decidimos prestar exame de admissão ao ginásio na cidade de Fortaleza no fim do ano de 1959. . Por intermédio de Dr. Francisco Vasconcelos de Arruda, cerca de quinze estudantes da nossa região viajaram para Fortaleza com o intuito de prestar o exame. Apenas Crispim e eu conseguimos aprovação para o  Liceu Cearense, na época, considerado o melhor colégio da cidade. A matrícula seria em janeiro e não queríamos perder as animadas festas de Ipaumirim que aconteciam nesta época do ano.  Falamos com Dr. Arruda, ele pediu nossos documentos e disse que fôssemos tranquilos que o seu secretário faria nossa matrícula. Quando voltamos para Fortaleza para iniciar as aulas descobrimos que o tal secretário esqueceu de fazê-la. Dr. Arruda conseguiu nos instalar, como agregados, na Casa do Estudante do Ceará e resolveu nosso problema de matrícula arranjando duas vagas no Colégio Arminda de Araújo, primeiro colégio cenecista do Ceará, fundado em 25 de março de 1960, onde cursei a primeira e segunda série ginasial no período noturno. Localizado na Av. Bezerra de Menezes,  esta escola  foi desmembrada em 1966 resultando na fundação do Colégio Júlia Jorge.
Em 1962, consegui uma vaga para cursar o terceiro ano ginasial no Ginásio Municipal de Fortaleza que funcionava na Rua Barão do Rio Branco, 1594, na Praça do Carmo, mais próximo de onde eu morava. 

Ginásio Municipal de Fortaleza

Fonte da imagem: www.fortalezanobre.com.br  
 
Em 1963, Dr. Arruda conseguiu-me uma bolsa de estudos no Colégio Lourenço Filho onde fiz a quarta série ginasial.
Nesta época, eu costumava frequentar o Abrigo Central localizado na Praça do Ferreira. A edificação originalmente construída para funcionar como ponto de ônibus converteu-se também no maior ponto de encontro no centro da cidade. Ali, estavam instalados cafés, lanchonetes, uma pequena livraria e uma banca de revistas e jornais por onde circulavam pessoas de todas as classes sociais tanto da capital quanto do interior. Políticos, comerciantes, estudantes, músicos, entre outros, frequentavam o local   para rever conhecidos e participar de  acalorados debates sobre assuntos, naquele tempo, tipicamente masculinos.  O abrigo foi demolido no ano de 1966.

Abrigo Central
Fonte da Imagem: www.fortalezaemfotos.com.br
Por volta de agosto-setembro do ano de  1963, surgiu uma seleção para bolsistas na Secretaria da Fazenda do Estado do Ceará. Nesta ocasião,   estávamos reunidos naquele local alguns estudantes de Ipaumirim. Entre outros, Crispim, Vavá Felinto, Zé Galego e eu quando encontramos Dino Diniz que por ali passava. Dino trabalhava na Secretaria da Fazenda e perguntamos sobre a seleção. Ele nos informou que as vagas eram para o interior e não achava interessante que participássemos porque iríamos atrapalhar nossos estudos. Alguns estudantes logo desistiram. Zé Galego, Vavá Felinto, Crispim e eu resolvemos arriscar. Fomos fazer a prova em Iguatu. Vavá e eu fomos aprovados na seleção e designados para estagiar na coletoria estadual em Ipaumirim o que   comprometia a minha quarta série ginasial uma vez que o meu estágio começaria em outubro e a cidade havia recém começado a ofertar a primeira série do ensino ginasial no Colégio XI de Agosto.   No Colégio Lourenço Filho, onde eu estudava naquela ocasião, tinha como colega de classe o filho do diretor do colégio, Antônio,   e falei para ele da minha situação. Sensibilizado com o meu problema, o amigo expôs ao seu pai a minha preocupação.  O diretor orientou-me a falar diretamente com os professores para expor o meu problema. Compreendendo o meu dilema, eles   estabeleceram um regime especial onde eu teria que estudar sozinho todas as matérias, mas, mensalmente, eu precisava comparecer ao colégio para fazer as provas como os demais alunos. Consegui assim concluir o curso ginasial.
Após dois meses de estágio, chegou na coletoria uma portaria que nos transferia para a cidade de Barbalha. Vavá soube que a transferência foi ocasionada por uma denúncia contra nós. Viajamos a Fortaleza para obter informações e apurar a razão da denúncia junto ao diretor de recursos humanos da Secretaria da Fazenda. Ele nos encaminhou ao secretário, General Edson Amâncio Ramalho. O general que tinha fama de durão foi comandante-geral da Polícia Militar da Paraíba entre os anos de 1956-1957 e veio para o Ceará a convite do então governador, Coronel Virgílio Távora, com objetivo de moralizar a secretaria. O general nos explicou que o motivo da nossa transferência era porque nossas famílias eram comerciantes na cidade de Ipaumirim.   Assim, eu fui transferido para Barbalha e Vavá para Russas.
Em março de 1964, a Secretaria da Fazenda abriu concurso para fiscal de tributos estaduais nível 7 – iniciante. Fiz a seleção e fui aprovado sendo designado para trabalhar em Ipaumirim no dia 19.05.1964. Outra vez, fiquei contrariado porque precisaria interromper os meus estudos.  No mesmo mês em que cheguei a  Ipaumirim, por casualidade,  encontrei um amigo e expus minha situação.  Ele estudava no Colégio Diocesano de Cajazeiras e fez meu contato com o diretor do colégio, Monsenhor Vicente Freitas, que autorizou minha matrícula fora de época e eu consegui não perder o ano. Falei com o coletor de Ipaumirim para ficar trabalhando no posto de fronteira que ficava na estrada velha Ipaumirim-Cajazeiras, nas imediações da entrada de Bom Jesus. Era uma estrada com bastante movimento e à tardinha eu pegava carona e ia assistir aula em Cajazeiras. Na volta, eu fazia a mesma coisa. Consegui assim concluir o 1º ano do curso científico. 

Colégio Diocesano Padre Rolim
Cajazeiras – PB
Fonte da imagem: https://www.paraibacriativa.com.br/

No fim de 1964, fui novamente transferido. Desta vez, para Quixadá que também não oferecia o curso científico. Nesta cidade, existiam dois órgãos vinculados à Secretaria da Fazenda: a Delegacia Regional e a Coletoria Estadual. Eu falei com o delegado regional e expliquei minha situação. Ele me orientou a viajar até Fortaleza e falar diretamente com o diretor de recursos humanos da secretaria. Expus minha situação e ele me disse que só o secretário da fazenda poderia resolver meu caso. O secretário, na ocasião, era o General Francisco de Assis Bezerra que chegou ao Ceará em 1964. O general havia sido chefe de gabinete do também paraibano General Edson Ramalho e, posteriormente, assumiu a titularidade da secretaria. Expliquei minha situação e solicitei que ele me transferisse para qualquer cidade onde eu pudesse continuar estudando. Ele disse que ia pensar sobre o caso. Na saída, o diretor de recursos humanos perguntou o resultado e eu resolvi arriscar e disse que ia para Russas mesmo sem o general ter dito coisa alguma. Defronte a secretaria tinha um bar chamado Gato Preto e por lá fiquei aguardando ansioso o desdobramento da minha situação porque, na verdade, o general nada me havia prometido. O certo é que às cinco horas da tarde quando voltei para saber o resultado do meu pleito, o diretor já tinha baixado a portaria com a minha transferência para Russas. Nesta cidade, fiz o segundo científico no Colégio Estadual Governador Flávio Marcílio. 

Colégio Estadual Governador Flávio Marcílio
Russas - CE
Fonte da imagem: https://www.tvjaguar.com.br/
Na época, o coletor estadual da cidade era Nilo Castelo, parente do governador Plácido Aderaldo Castelo. No fim do ano, Nilo conseguiu minha transferência para Fortaleza e fiquei lotado na Tesouraria Geral do Estado. A tesoureira chamava-se Dona Odaléia cujo bisavô era da cidade de Umari.
Chegando a Fortaleza voltei a morar na Casa do Estudante do Ceará onde viviam muitos estudantes de Ipaumirim. Entre eles, Anchieta Nery, Avanildo Oliveira, Beni Vieira, Bosco Vieira, Chinha Vieira, Edirceu Pereira, Expedito Duarte, Fernando Pires, Francimar Maciel, Francisco Crispim, Geraldo Nery, João Crispim, Joaquim Jorge, Josélio Duarte, Teodoro Sales, Teodoro Sales, Toinho Josué, Waldemar Duarte, Waldery Vieira e eu.

 Casa do Estudante do Ceará
Fortaleza- CE
Fonte da imagem: www.fortalezanobre.com.br
Em 1967, a turma de Ipaumirim lançou minha candidatura à presidência da Casa do Estudante contando com o apoio de estudantes do Baixio, Umari, Barbalha, Missão Velha, Brejo Santo, Acopiara, Iguatu e alguns estudantes do Piaui. Entre os colegas que participaram da nossa chapa, lembro apenas de José Airton, estudante de Iguatu, como diretor social, e Josélio Duarte, como tesoureiro.  A nossa proposta era reorganizar a casa que enfrentava muitos problemas. Entre outros, a superlotação, a subutilização de espaços, o atraso constante na quitação das contas de luz e água e o consequente perigo das religações clandestinas, problemas de limpeza, indisciplina no cumprimento das normas, uso inadequado dos espaços comuns. O conjunto de problemas afetava as relações entre os moradores.
A casa estava planejada para abrigar cento e vinte estudantes e contava, na época, com cento e sessenta. A maioria deles inserida por intermédio dos deputados que os traziam das suas bases políticas interioranas.
O próprio tempo e o uso inadequado do imóvel foram degradando as condições de moradia. Como não havia subvenção oficial, a verba disponível para fazer frente as despesas era a contribuição mensal dos alunos.
Eleitos e empossados, buscamos apoio no governo estadual que não nos atendeu. Visitamos a Assembleia Legislativa buscando apoio dos deputados que lotavam a casa com seus afilhados políticos e destes nada recebemos.
Apelamos então para o prefeito de Fortaleza, José Valter Cavalcanti, prefeito indicado pela Ditadura Militar para governar a cidade entre 1967-1971. Ele nos solicitou um relatório sobre os problemas da casa para verificar o que podia ser feito. Uma vez apresentado o relatório, ele tomou uma série de medidas fundamentais para o bem estar e a segurança dos estudantes que ali residiam. Instalou um poço profundo para abastecimento da casa, o que resolveu de forma definitiva o problema da falta d’água; num espaço ocioso, instalou um gabinete dentário para atender tanto aos moradores da casa quanto aos demais estudantes carentes que necessitassem deste serviço; estabeleceu uma subvenção mensal para cobrir o salário de dois funcionários, pagar a conta de luz e comprar material de limpeza. Num terreno baldio defronte a casa construiu uma pracinha para servir como área de lazer aos estudantes que não dispunham deste espaço dentro da casa atendendo também a comunidade em geral que vivia naquela área. Assim, conseguimos reabrir o restaurante da casa que atendia tanto aos moradores quanto aos estudantes carentes que dele necessitassem. O restaurante administrado por Toinho Josué, estudante ipaumirinense, servia apenas almoço e cobrava uma quantia módica pela refeição. Para evitar desperdício, os estudantes que porventura fossem utilizar o serviço deveriam comunicar um dia antes.
Conseguimos reduzir aos poucos o número de moradores aproximando-nos do limite de lotação da casa.
Do ponto de vista político, a direção da Casa do Estudante do Ceará  alinhava-se com o Centro Estudantal Cearense, entidade de caráter assistencialista fundada nos anos trinta e voltada ao apoio de estudantes carentes. A entidade que até os anos quarenta  representava estudantes secundaristas e universitários acabou pendendo a sua hegemonia com o fim do Estado Novo. Conseguiu  sobreviver até a década de setenta, mas sem expressão política. Umas de suas  poucas ações  afirmativas foi a garantia do direito a meia entrada nas casas de diversões. O centro acabou perdendo sua importância para outras entidades estudantis que mantinham uma atuação política mais dinâmica, ousada e alinhada com os movimentos de resistência à ditadura que ocorriam em outras capitais como Rio e São Paulo.
Próximo ao término do meu mandato e com a campanha para a eleição da nova diretoria houve o acirramento das disputas internas na Casa do Estudante. Neste período, surgiu entre os estudantes a ideia de fazer a Casa do Estudante de Ipaumirim, Baixio e Umari. Os prefeitos das referidas cidades dariam uma subvenção mensal conforme a quantidade de alunos do município e os estudantes pagariam uma mensalidade para ajudar nas despesas da casa. A maioria era composta por estudantes de Ipaumirim, uns dois de Baixio e apenas um de Umari. A casa funcionava na Rua  25 de Março no centro de Fortaleza.  Seu diretor era Anchieta Nery e o tesoureiro Josélio Duarte. Os estudantes produziam um jornalzinho datilografado chamado TOCHA  que se apresentava como órgão da Sociedade Intermunicipal dos Estudantes de Ipaumirim, baixio e Umari. Além de publicar algumas notícias de interesse geral, mantinha  uma coluna social que cobria eventos sociais de interesse da comunidade das três cidades. Participaram da produção da produção do jornalzinho os seguintes estudantes:  Beni Viveira (Diretor), Anchieta Nery (Editor), Fernando Lustosa (secretário), Josélio da Silva Duarte e Francisco Vieira (supervisores). Benedito Celso Duarte Freitas, Valdemar Duarte, José Ferreira Filho e Jefferson Pires atuavam como colaboradores. O jornal teve poucas edições e  tiragem muito limitada. 


TOCHA – Órgão da Sociedade Intermunicipal dos Estudantes de Ipaumirim, Baixio e Umari
Exemplar do Arquivo de Maria Zenira Gonçalves Gomes.

A casa funcionou de 1968 a 1970 quando encerrou suas atividades. Nela vivi durante os anos de 1968 e 1969. Neste período, eu trabalhava na Secretaria da Fazenda e frequentava um cursinho no Colégio Brasil, perto da igreja do Pequeno Grande.
Em 1967, eu prestei o vestibular para o Curso de Engenharia Civil mas não fui aprovado.
Consegui dar continuidade aos meus estudos quando fui transferido para a cidade de Morada Nova  e fiz vestibular para o Curso de História na Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos vinculada à Universidade Estadual do Ceará localizada na cidade de Limoeiro do Norte. 
Faculdade Filosofia Dom Aureliano Matos – UECE
Limoeiro do Norte - CE
Fonte da imagem: https://tvj1.com.br/regional/


FOTO DE FORMATURA
Concluí meu curso em 1974 sendo escolhido para orador da turma. 
MLUIZA
Recife
18.07.2020

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