MLUIZA |
Tinha fama de irresistível. Umas opinavam que era carente, outras diziam galinha e ainda outras taxavam de avoada. Eu admirava a sua vulnerabilidade inconsequente. Ela não tinha do que reclamar. A fila andava. Um olhar, um bilhete, um recado, uma dança. Tá valendo. O telefone inacessível a uma república de estudantes era a única coisa que desacelerava o ritmo da sua vida amorosa.
Naquela época não se falava em assédio. Era gentileza, cantada, galanteio ou enxerimento. Não importa. Pra ela, era tudo a mesma coisa. Vez por outra deprimia por excesso, nunca por escassez.
- Esse fim de semana vou ficar em casa. Quero paz, dizia nos seus momentos depressivos.
O nosso bairro era um canteiro de estudantes vindos do interior e de outros estados. Formávamos uma alegre comunidade onde todos se conheciam. Era um bairro sem segredos.
Na sexta feira começava a movimentação. Ninguém tinha carro e o dinheiro era curto. A melhor opção eram as festinhas nas repúblicas estudantis.
- Vocês vão pra onde mesmo? Bateu a dúvida na irresistível.
- Sei não. Vamos ver onde está melhor. Se quiser ir se arruma logo porque a gente já está de saída.
- Tá bom. Vou com vocês.
Dependendo da animação da festa trocávamos de lugar. Sem telefone celular não tinha como localizar depois. Ou ia junto ou não ia.
- Eu só sei que eu vou arrasar. Vou até usar um perfume melhor. Hoje, eu quebro a corrente, apostava uma otimista confiante.
As que tinham namorado preferiam não sair. Era mais econômico namorar em casa. Havia regras implícitas e invioláveis na nossa república. Rapazes não podiam entrar nos quartos nem usar nosso banheiro. No apuro, podiam usar o banheiro da empregada. O nosso, nunca. O namorado que chegasse primeiro ocupava o terraço. O sofá era de quem resolveu ficar em casa vendo a velha TV em branco e preto. Quem quisesse namorar no sofá tinha que compartilhar o canal escolhido pelas donas da casa. A mesa era prioridade para quem queria estudar seguido de quem decidiu jogar paciência ou buraco quando tinha parceria. Sobrava a escadaria pra quem chegava depois. Era um prédio pequeno de três pavimentos e dois lances de escada.
Quem não saía aguardava ansiosamente as novidades na volta das noitadas.
- E aí, quem tava lá? Deu paquera? Algum pedido de namoro?
- Eu mesma só dancei. Só tinha liso naquela festa, diz a irresistível.
- Mais uma vez, zerei. Não pintou ninguém. Ando azarada. Sobrei de novo. Não entendo, lastimava-se a otimista.
- Sabe por quê? Porque pegasse a fama de gabola. Todo mundo fica sabendo o que você comenta sobre as intimidades dos seus paqueras. Quem me disse foi aquele menino de Assaré que faz engenharia e mora ali junto da Praça Chora Menino. Ele está com ódio de você.
- O quê? Logo aquele magrelo desmilinguido comentou isso de mim, foi? O cara não sabe nem beijar e pensa que vai saber construir prédio. Era só o que faltava.
- Foi, sim. Você comentou com aquele menino de Barbalha que faz medicina na federal e ele disse ao próprio na frente de todo mundo na festa da turma de Juazeiro.
- Tá bom. Na próxima sexta vai ter uma tertúlia na república do pessoal da rural (UFRPE) que mora ali nos condenados da Manoel Borba. Eu nem estava pensando em ir, mas vou. Vai ser o dia dele. Me aguardem, avisou injuriada.
Muitas vezes a resenha era melhor do que a festa e a conversa varava a madrugada.
A vida nos levou por diferentes caminhos e perdi o contato com muita gente, mas a alegria que ficou em mim daquela saudável convivência é muito maior do que as distâncias que me levaram a perdê-los de vista.
MLUIZA
Recife, 17.11.2022
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