CANAUNA PRA QUEM É DE CANAUNA, SÍTIO VELHO PRA QUEM É DE ZÉ DE MELO

MLUIZA
Hoje, vamos começar uma nova série sobre o Distrito de Canauna ancorada nas memórias de Jarismar Gonçalves de Melo. A série compõe-se de três posts. O primeiro sobre origem e formação do Distrito de Canauna seguido de um post sobre os engenhos de rapadura e finaliza com a genealogia de José de Melo e Silva. É preciso dizer que este trabalho não seria possível sem a generosidade e a paciência de Jarismar Gonçalves de Melo em compartilhar conosco as suas memórias. Iniciamos as entrevistas no mês de janeiro e agora sai o primeiro post. Preciso agradecer também a Mércia Gonçalves pela disposição em colaborar em todos os momentos buscando atender demandas trabalhosas que seriam difíceis desenvolver sem a sua colaboração e o seu empenho pessoal nesse projeto. Agradeço ainda a Hegildo Holanda que me orienta nas minhas dúvidas fundiárias, a Federalina Quaresma, Maria Cristina Lemos Melo e aos demais descendentes de José de Melo sempre solícitos a disponibilizarem imagens e atenderem nossas demandas.
Como é uma pratica deste blog, todos os textos são resultados de  produção coletiva onde construir um produto com contribuições múltiplas é o grande desafio na tentativa de compor uma narrativa sobre temas ainda não explorados. Sabemos que inúmeros outros olhares são possíveis para refinar ainda mais a produção desse texto e estaremos sempre abertos a receber críticas, sugestões, complementações que possam ajudar na construção da memória de Canauna. É só enviar para o e-mail luizanobrega_ufpe@yahoo.com.br

JARISMAR GONÇALVES DE MELO. Imagem gentilmente cedida por Mércia Gonçalves.

OS POVOADORES

João José de Melo  vem do Icozinho para o então Município de Umary com a missão de tomar conta de uma data de terra pertencente a um proprietário de Icó. Assim sendo, instala-se no local que ficaria conhecido como Sítio Velho com a mulher e três filhos: José de Melo e Silva, Maria conhecida por Lalá e/ou Mariá e outra filha da qual não se conseguiu identificar o nome. Posteriormente, adquire esta propriedade.
A filha de nome não identificado casou com um rapaz de nome Vicente Pedro Crispim e o casal migrou para o município de Pilões, na Paraiba. Portanto, a família Melo desse município é do mesmo tronco familiar dos Melo do Sítio Velho.
Mariá casou, na região do Sítio Velho, com Antonio Alves Sobrinho. José de Melo sempre que se referia aos sobrinhos, filhos de Mariá, os chamava os 'meninos de Mariá'. A partir desse apelido carinhoso, surgiu o codinome ‘Familia Menino’ embora eles assinem com o sobrenome Alves de Melo como os demais membros da família. 
José de Melo e Silva casou com Josefa Gouveia, do Sitio Barra, e instalou-se no Sitio Velho ampliando o patrimônio herdado do seu pai a partir da aquisição de outras terras na redondeza tais como o Sítio Umburana, Sítio Riacho do Padre e ainda uma área considerável do Sítio Barra.
A primeira casa grande, de taipa, instalada no Sitio Velho era, de João José de Melo construida no local onde atualmente funciona a Escola de Ensino Fundamental Francisco de Melo e Silva. Quando ele faleceu, seu filho, José de Melo, ficou morando com a família na casa de seu pai até construir sua própria casa onde residiu até o fim dos seus dias.  

EEFM FRANCISCO DE MELO E SILVA. Fonte: FB de sítio Alagoinha para Ipaumirim
CORONEL JOSÉ DE MELO. Fonte: FB de sítio Alagoinha para Ipaumirim

José de Melo e Silva nasceu no município de Icó –CE, em 15.07.1875, no Sítio Alto da Várzea na região conhecida como Fazenda da Serra. A tradição oral da região registra que estas terras eram uma mata desabitada e sem posseiros ocupada por um fazendeiro de Brejo das Freiras, João Pacheco, para dar suporte a sua criação de gado em algumas épocas do ano. Com o seu falecimento, os herdeiros foram vendendo as terras da propriedade a quem ali chegava com o interesse de se estabelecer. Fazenda da Serra foi o primeiro nome dado a Icozinho.
 
ICOZINHO. IMAGEM CAPTURADA NA INTERNET.
Esta área integraria posteriormente o Distrito de Santa Maria, pelo decreto estadual n° 1156 de 04.12.1933, e depois denominado Distrito de Icozinho através do decreto estadual n° 448 de 20.12.1938. Pela lei estadual nº 6481, de 28-08-1963, o distrito de Icozinho é desmembrado do município de Icó.  Pela lei estadual nº 8339, de 14-12-1965, o município de Icozinho teve seu território novamente anexado ao município de Icó. 

FORMAÇÃO DO POVOADO DE SÍTIO VELHO 
CASA DE JOSÉ DE MELO E SILVA CONSTRUIDA EM 1933. Imagem gentilmente cedida por Magna Gonçalves.
O ponto de referência ainda existente no Sítio Velho a partir do qual se conhece  o povoado que viria se transformar posteriormente no Distrito de Canauna é a residência do Coronel José de Melo construída por ele no ano de 1933, ano em que casou sua filha Maria Licor com Alexandre Gonçalves da Silva, mãe do seu primeiro neto e afilhado Jarismar Gonçalves.  José de Melo viveu nesta casa até o fim dos seus dias.
José de Melo casou, em 1901, com Josefa Gouveia, filha de Pedro Gouveia Crispim e Dondon Gouveia, do Sítio Barra. O  casal viveu na antiga casa de seu pai, João José de Melo, onde nasceram seus quatro filhos: João, Licor, Francisco e Elvira.
Além da casa de José de Melo, as primeiras casas do povoado que se conhecem a partir desta época são as casas da Família Catarina precisamente dos irmãos Joaquim, Sebastião e Padre. Joaquim Catarina era casado com Joana Gouveia e, em segundo matrimônio, com sua cunhada Janoca Gouveia, ambas irmãs de Josefa Gouveia esposa de José de Melo.  Padre Catarina era casado Santa Gouveia também irmã de Josefa Gouveia. Na mesma área, existia a casa de João Menino, filho de Mariá, irmã de José de Melo. 
Posteriormente, alguns lotes foram doados por José de Melo para construção de casas durante a formação do povoado. 

FILHOS DE JOSÉ DE MELO COM JOSEFA GOUVEIA
MARIA LICOR. Foto gentilmente cedida por Jarismar Gonçalves de Melo.
FRANCISCO DE MELO E SILVA. Foto gentilmente cedida por Jarismar Gonçalves de Melo
JOÃO DE MELO E SILVA. Foto gentilmente cedida por Maria Cristina Lemos Melo
ELVIRA. Foto gentilmente cedida por Jarismar Gonçalves de Melo

Além dos filhos, o casal criou Maria Vilani Gonçalves, sua neta, afilhados e agregados da família. Entre outros, Deoclécio, Juarez, Luiz, Jaime Guedes, Brasilina oriunda do município de Aurora, Valdirene Carneiro que veio para a companhia do casal aos sete anos de idade e Maria de Lourdes Gouveia casada com Alcides, irmão de Alexandre Gonçalves e Vicente, portanto, cunhado de suas filhas Licor e Elvira. Jaime Guedes Assumpção era filho de Maria Anunciação Guedes e Joaquim Ferreira Assumpção. Sua mãe, Maria Anunciação, era irmã da professora Mundosa Guedes, primeira esposa de Francisco Felizardo Vieira. Jaime, aos dois anos, foi passar um dia com o padrinho e não quis voltar para sua casa.
Aos 70 anos de idade, viúvo, casou pela segunda vez com Diva Gouveia Paz, sobrinha da sua primeira esposa. Com ela teve os filhos: Maria Vilani de Melo Silva, José de Melo Filho e José Alberto da Silva.
DIVA E JOSÉ DE MELO. Foto gentilmente cedida por Diva Gouveia de Melo

                                          FILHOS DE JOSÉ DE MELO E DIVA

 
MARIA VILANI. Foto gentilmente cedida.
JOSÉ DE MELO E SILVA FILHO. Foto gentilmente cedida.

JOSÉ ALBERTO DE MELO. Foto gentilmente cedida.

José de Melo faleceu no Sitio Velho, em 05 de janeiro de 1975 na casa por ele construída em 1933.  Foi sepultado no cemitério Santa Terezinha, em Ipaumirim, em cova-rasa junto ao túmulo de sua mulher conforme pedido feito ao seu neto mais velho, Jarismar Gonçalves. 

ANOTAÇÕES SOBRE A CAPELA DO SÍTIO VELHO 

CAPELA DE CANAUNA. Imagem gentilmente cedida por José Ribeiro.
À medida que o povoado foi crescendo, a sua população católica que frequentava os atos religiosos na capela do sítio Barra sentia a necessidade de ter sua própria capela na comunidade de forma a atender sua religiosidade sem necessariamente ter que se deslocar para o sítio vizinho.
Para a construção da capela foi determinado um local na área central do povoado. No local escolhido estava construindo-se uma casa de propriedade de Francisco de Melo e Silva popularmente conhecido como Chico de Melo e entre os íntimos como Tatim, apelido familiar dado por seu sobrinho Jarismar.  Na época, Zé de Melo havia comprado duas casas na atual Rua Coronel José de Melo, em Ipaumirim. Na negociação do local escolhido para a construção da capela, Chico de Melo abriu mão da casa em construção, no Sítio Velho,   e recebeu do pai, Zé de Melo, uma das duas casas que ele havia comprado em Ipaumirim.
 A comissão formada para arrecadar fundos para a construção da capela foi composta por João de Melo, Chico de Melo, Jarismar Gonçalves e Geraldo Saraiva, filho de Pio Saraiva e Dona Mundinha, amigo de Jarismar. Foi organizada uma tropa de burros com caçuás e a comissão percorria várias localidades na região coletando donativos. As ofertas geralmente eram produtos da própria região: legumes, ovos, animais, entre outros. Eram promovidos leilões no próprio distrito para apurar o dinheiro da construção. A comunidade ajudava no que fosse necessário para levar adiante o projeto.
A primeira missa na capela do Sitio Velho aconteceu no ano de 1962 celebrada por Padre José Ismar Petrola de Melo Jorge, primeiro vigário da Paróquia de Ipaumirim, que doou a imagem do padroeiro, São José. 
PADRE JOSÉ ISMAR PETROLA , 1°  vigário de Ipaumirim. Foto do arquivo de Zenira Gonçalves Gomes.
Anualmente, celebra-se o novenário do padroeiro no período do dia 10/03 a 20 /03 com novenas, quermesse e o encerramento com missa e procissão pelas ruas do distrito.
 
IMAGEM DE SÃO JOSÉ DA CAPELA DE CANAUNA. Foto gentilmente cedida por Mércia Gonçalves

TUDO CERTO COMO DOIS E DOIS SÃO CINCO


A chegada da televisão no povoado  do Sítio Velho, em 1973,  revela o porão das querelas políticas locais e suas articulações  com o poder militar.
Durante o segundo governo de Osvaldo Ademar foi instalada a energia elétrica da CHESF no município de Ipaumirim.
Com a chegada da energia elétrica e a instalação ainda que precária de um sinal de recepção de televisão, a prefeitura municipal toma a iniciativa de instalar televisores públicos em distritos e povoados em locais acessíveis para a comunidade. O local privilegiado seriam as paredes externas das capelas que geralmente estão localizadas em pontos centrais das comunidades. Esta iniciativa acabou criando um problema entre a prefeitura e a paroquia.
O televisor da capela do Sítio Velho  teria sido colocado em 24 de junho de 1973 no contexto de um imbróglio envolvendo o poder municipal e a paróquia. Na ocasião, o prefeito em exercício era Miguel Cairo Arruda, eleito pela ARENA II com 1.900 votos, no pleito de 1972,  substituindo  Nildo Fernandes na Prefeitura Municipal de Ipaumirim. 
MIGUEL CAIRO ARRUDA
PADRE ANTONIO ALCÂNTARA
 Padre Antônio Alcântara, vigário da Paroquia de Ipaumirim desde 17.02.1968, expressa seu protesto junto aos órgãos de segurança do Estado denunciando sua insatisfação com a instalação dos televisores no Distrito de Felizardo e na Capela do Sitio Velho sem autorização da paroquia.

Em virtude do Livro de Tombo da paróquia estar indisponível para consulta, a fonte utilizada foi o  livro de Hermes Pereira – Ipaumirim 60 anos - a partir do qual fizemos uma nova edição obedecendo a cronologia dos fatos para dar mais inteligibilidade  ao conjunto dos documentos.
Através do of. Nº 130/73, de 03 de agosto de 1973, a Prefeitura Municipal de Ipaumirim solicita formalmente ao vigário a permissão para a instalação do televisor. Em relação especificamente ao caso do Sitio Velho diz o oficio: .
“ Depois de verificado que o televisor púbico do Sitio Velho satisfaz plenamente em matéria de imagem e som, vimos a sua honrosa presença a fim de solicitar permissão para que o mesmo funcione na capela daquele sítio. Ao ensejo, apresentamos a V.Sa. protestos de elevada estima e consideração.” O documento é assinado por Mauricio Duarte da Silva , secretário responsável pelo expediente. Este documento deve estar afixado no livro de tombo da paróquia porque junto a ele, manuscrito, há uma observação: “Como prova  de quanto é ridícula (... ilegível) Prefeitura, arquivo também essa petição  cavilosa  de um secretariozinho ad hoc.”
O vigário responde ao oficio com o seguinte texto: 
“Senhor Secretário ad Hoc
Em resposta temos a dizer o seguinte:
I° só compete ao Prefeito solicitar a licença de funcionar um televisor numa capela pública desta Paróquia.
2° Não se trata de um funcionamento que satisfaça “plenamente em matéria de imagem e som”, mas de liceidade jurídica para semelhante colocação na igreja de “Sítio Velho”.
3° Para que o amigo não julgue tratar-se de implicância pessoal, passo a citar o Direito Canônico:
“Artigo 610.(ilegível)  “Os párocos são, de direito, administradores e zeladores das igrejas e capelas de suas paróquias e das esmolas e oblações voluntárias que nelas se fazem” (Pastoral Coletiva II20. Direito Canônico cans: II82-II84: Concilio Plenário Brasileiro n° 322, § I, 2, 3).
Apresento meus elevados protestos de consideração.
Paroquia de Ipaumirim, 03.08.1973.
Padre Antônio Alcântara.
No dia 18.08.1973, a querela paroquial vai à imprensa. O jornal Correio do Ceará publica a seguinte matéria:
Fonte:  Bezerra, Hermes Pereira. Ipaumirim 60 anos.

PREFEITO DIZ QUE PADRE VAI A IGREJA UMA VEZ POR ANO
A propósito da notícia divulgada pelo CORREIO DO CEARÁ , de responsabilidade do Vigário de Ipaumirim, o Prefeito Cairo Arruda assim se explicou:
“No meu município, instalação de Televisor em Capelas , não se constitui nenhuma novidade, conquanto já existem desde 1971, dois instalados, no caso, nas Igrejas do Distrito de Felizardo e Bom Jesus, respectivamente.
É estranhável, que somente agora o Pároco venha considerar coisa absurda, quando não o fez antes, na Administração anterior, certamente, porque o então Prefeito era seu correligionário político e eu não o sou.
Quando a edilidade se propôs a instalar energia elétrica e uma Televisão no povoado Sítio Velho primeiramente, entrou em entendimentos com o Cel. José de Melo, que é o responsável pela capela daquele Sitio. Este disse-me ser de pleno acordo, contanto que o aparelho fosse instalado na parte lateral da capela. Então, com anuência do Coronel José de Melo e dos próprios habitantes do povoado, o televisor foi instalado. O Padre, outrossim, vai a Igreja apenas uma vez por ano.
Acrescentou ainda que já entrou em contato com o Secretário de Polícia, Cel. José Aragão, e deixou-lhe a par da novidade.
O documento tem grafado, em manuscrito, a inscrição: Correio do Ceará, 18.08.73. Ainda consta uma observação, também manuscrita, a respeito da notícia.
“O prefeito, Cairo Arruda, teve o desplante, de afirmar pela imprensa que o Vigário só ia à capela uma vez por ano, quando, este ano, fui lá segundo está no meu diretório Litúrgico, no dia 11 e 24 de abril, celebrando pela viúva do tal Cel José de melo, D. Josefa, segundo comuniquei ao General Assis Bezerra do Serviço Estadual de Informação - SEI
No contexto destes embaraços, o prefeito teria se retirado da prefeitura assumindo o cargo o seu vice, Sebastião Barbosa, que enviou um comunicado ao vigário através do oficio 136/73 de 23.08.1973 solicitando  “Pelo presente, solicito de V. Revma. que se digne de conceder licença para que o televisor público do Sitio Velho, neste município, continue funcionando do lado direito da capela do citado sítio”. Assinado por Sebastião Barbosa de Albuquerque, prefeito em exercício. Em relação a esta petição tem uma observação do vigário registrando que este documento seria uma vitória pessoal de sua parte e que seria uma prova de que o prefeito em exercício reconhece os direitos do vigário sobre o imóvel
Posteriormente, o vigário deve ter recebido um novo oficio da prefeitura de n° 146/73, de 29.08.73 ao qual responde:
Paróquia de Ipaumirim
Do Vigário
Ao vice-prefeito
Exmo. Sr. Sebastião Barbosa de Albuquerque
Atendendo ao que me solicitou no seu oficio n° 146/73 de 29 de agosto de 1973, declaro o seguinte:
I° Por ter V.Sa. a capacidade de compreender e respeitar os sagrados direitos da Igreja de Ipaumirim,
2° pelos termos respeitados e respeitosos da referida solicitação
Resolve
Conceder permissão para que continue a funcionar na Capela pública do Sitio Velho um Televisor municipal.
Espero, porém, merecer a devida atenção para conceder àquele povo os seguintes benefícios:
1° nunca permita perturbar os atos religiosos que os fiéis ali celebrarem,
2° em sinal de generosidade para com aquele povo do Sítio Velho, instale dentro da referida capela, pelo menos, duas lâmpadas elétricas.
Finalmente esta autorização cessará, quer no fim do seu mandato, quer no fim do meu Paroquiado.
Secretaria da Paroquia de Ipaumirim, 1° de setembro de 1973.
(Abaixo da carta, manuscrito com data de 02; 09.1973 a seguinte observação:
Nota: A petição do Sr. Sebastião Barbosa tem o mérito de uma vitória moral do vigário porque figurará como prova de que o prefeito reconheceu os direitos do vigário sobre aquele imóvel.
No dia 09.09.1973, o prefeito anterior, José Fernandes de Sousa (Nildo) emite uma declaração com firma reconhecida no cartório de Amaro Farias (1° ofício):
“Declaro para os devidos fins legais, que na minha administração à frente dos destinos deste município de Ipaumirim, pedi de Nossa Senhora da Conceição, autorização a título precário, para instalar na capela pública de Felizardo um televisor público ao Revmo. Vigário da paróquia de Nossa Senhora da Conceição, autorização a título precário, para instalar na capela pública de Felizardo um televisor público. Esta autorização devia extingiuir-se  no fim de meu mandato e dela não ficou documento algum no arquivo da prefeitura municipal de Ipaumirim, porque como não era uma autorização permanente, mas temporal, não requeri nada por escrito.
Ipaumirim, 9 de setembro de 1973.
José Fernandes de Sousa.
Os detalhes registrados revelam questões mais importantes que pautam a época e que ainda permanecem subjacentes à dinâmica local enquanto práticas que  se revelam oportunamente em outras circunstâncias. A informalidade das relações, ainda hoje característica dominante na cultura local, favorece a criação de impasses, promove redes de alimentação de conflitos e alinhamentos esdrúxulos na vida política local. Os processos de negociação e tomadas de decisão submergem à falta de limites, normas e regras explicitas, o que favorece toda sorte de interpretação, desgastes e impasses. A informalidade corrói a autonomia das instituições submetidas a falta de objetivos concretos e visão de longo prazo. Não há limites entre o público e o privado. Neste confuso e primário mundo, o interesse coletivo nunca foi soberano. O horizonte sempre foi o interesse de grupos no revezamento do arcaico poder local. A ‘briga’ entre a paroquia e a prefeitura na instalação de um televisor numa comunidade rural é reveladora da subjetividade no trato dos interesses coletivos. Se concentrarmos esforços para compreender as contradições dos documentos observamos a ausência de sentido da briga para além da disputa política de áreas de influência no minúsculo município. Dentro deste, a briga politiqueira dá o tom na querela entre sub legendas da ARENA, cabrestos do poder militar, embaladas ou não pelo beneplácito da paróquia. 
Uma questão muito mais importante se sobrepõe aos impasses locais: a submissão das instituições ao poder da ditadura militar instalada e como esta dissemina seus tentáculos sobre uma comunidade predominantemente rural situada numa região dominada pelo atraso e distante dos centros de poder. É uma rede de dominação e informação com uma capilaridade extraordinária e de longo alcance. Todas as águas necessariamente precisam correr para o mesmo mar e todos os mecanismos, estratégias e canais, rudimentares ou não, estão dispostos para este objetivo. O tipo de relação que se estabelece evidencia como a periferia absorve e se conecta a um projeto maior de dominação. São as instituições de todas as ordens quem referendam este poder na periferia utilizando para isso mecanismos próprios de cada segmento e apelando eventualmente para mídia em busca de legitimação numa dimensão pública. 
Uma outra questão importante que não pode ser deixada de lado é que a introdução da televisão numa comunidade rural recém favorecida pela instalação de energia representa um avanço considerável no que diz respeito à força e influência que a mídia tem na construção de modelos comportamentais. Seria, portanto, a grande estreia de um modelo de sociedade lastreada no consumo para uma comunidade ainda bastante limitada aos seus saberes e modelos tradicionais de comportamento. Se abstraímos a visão episódica e localizada deste evento podemos perceber numa visão mais ampla o assentamento de embriões do processo modernizador em várias outras instâncias num movimento constante da sociedade sempre mediado pela comunicação em suas variadas formas de expressão.

FUNDAÇÃO DO DISTRITO DE CANAUNA

DISTRITO DE CANAUNA. Fonte: FB de Luciano Catarina
A ideia de fundação de um distrito naquela localidade  veio de Jarismar Gonçalves, neto e afilhado de Zé de Melo, quando ainda era estudante na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará.             
A formalização do distrito passou por etapas político-administrativas. Em 1990, o projeto de lei complementar regulamenta o Art. 3° da Lei Orgânica disposição transitórias, do Município de Ipaumirim, que cria o Distrito do  Sítio Velho, deste Município.
Conforme o documento, o distrito se configura dentro dos seguintes limites: “ponto inicial na BR 116 no Viaduto da RFFSA, no limite intermunicipal Baixio-Ipaumirim, seguindo pela referida BR até a estrada carroçável Ipaumirim – Aurora, passando pelos sítios Boi,  Boa Vista, Olho d’água das Éguas, Açude Velho, inclusive até o limite intermunicipal Ipaumirim-Aurora, ficando com os seguintes limites: Sul, com o Distrito de Felizardo e o município de Aurora, ao poente com o município de Lavras da Mangabeira e ao norte com o município de Baixio.
Inicialmente, foi criado o Distrito do Sítio Velho conforme documentação a seguir publicada: o projeto de Lei Complementar que regulamenta o Art. 3° da Lei Orgânica disposições transitórias, do Município de Ipaumirim, que cria o Distrito do Sítio Velho, deste Município aprovada pela Câmara de Vereadores, em 18.10.1990, e a Lei Complementar nº 01/91, de 14.03.1991.

 
 LEI COMPLEMENTAR  01/1991


PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR

ANTIGA CASA DO DISTRITO DE SÍTIO VELHO. Foto gentilmente cedida por José Ribeiro.
Em 1997, o Distrito de Sítio Velho passa a denominar-se Distrito de Canauna. Para a escolha do nome Jarismar Gonçalves consultou Alberto Alexandre Viana de Moura que sugeriu Canauna que, segundo ele, teria alguma relação etimológica com cana preta,  variedade de cana plantada na região.
 

 
PROJETO DE LEI PARA ALTERAÇÃO DO NOME DO DISTRITO 

O Distrito de Canauna está composto pelas propriedades abaixo relacionadas. Optamos por referenciar os  atuais proprietários e, quando possível, proprietários anteriores conforme o Recenseamento do Brazil de 1920.  

1.    Sítio Bandeiraatualmente dos herdeiros de Francisco Germano dos Santos

2.    Sítio BarraAtualmente de Jarismar Gonçalves de Melo. No Recenseamento de 1920, no registro das propriedades de Umary a quem pertencia na época o território que hoje é Ipaumirim,  estão registradas duas propriedades com o nome Sítio Barra cujo proprietário é Antônio Ângelo de Melo e Sítio Barra/Unha de Gato de propriedade de Gabriel Alves Sant’Anna. Na relação das propriedades do município e Lavras, no mesmo documento, aparecem também como donos da Barra Francisco Gonçalves da Costa e Cândido Salvador Dias.

3.    Sítio  Barreiro

4.    Sítio Boa Vistaatualmente dos herdeiros de Cícero Saraiva de Araújo. No Recenseamento de 1920, existem duas propriedades registradas com esta denominação sendo seus donos Ignácio de Araújo Costa e Ignácio Dias respectivamente. Neste mesmo documento, aparece no município de Lavras como proprietário do mesmo sítio Manuel Alexandre Gonçalves.

5.    Sítio Cacimba do Meioatualmente dos herdeiros de Higino Diniz e de Jarismar Gonçalves de Melo. No Recenseamento de 1920  está registrada uma propriedade com este nome tendo como proprietário Joaquim Duarte Sant’Anna.
6.    Sítio Catingueiraatualmente de Raimundo Nazário.
7.    Sitio Cerraatualmente de herdeiros de Ananias Saraiva.
8.    Sítio Imburana atualmente pertence a vários proprietários:  Chiquinho Antônio, Jarismar Gonçalves, Pedro Catarina, Família  Fernandes, Família Bernardo, herdeiros de Francisco Laíre Gonçalves e José do Brinco.
9.    Sítio Imburana de Cima atualmente de Luiz Mariano e Wilson Alves.
10. Sítio Manga da Serra atualmente de Jarismar Gonçalves de Melo.
11. Sítio Pau Branco -  atualmente de Gerôncio Jorge. Este terreno foi de Luiz Leite da Nóbrega que deixou como herança para sua filha Maria Luiza Leite da Nóbrega e posteriormente  vendido ao atual dono.
12. Sítio Poço Preto atualmente dos herdeiros de Alexandre Gonçalves da Silva e dos herdeiros de Enéas Carlos e de  Miguel Quaresma.
13. Sítio Rancho ATN -  de propriedade de Alexandre José Gonçalves Trineto.
14. Sítio Riacho do Padreatualmente de José Nailton e outros.
15. Sítio Santa Inêz atualmente a parte da propriedade que fica no município de Ipaumirim é de Jarismar Gonçalves de Melo. Essa propriedade integrou o patrimônio  de Raimundo Augusto, de Lavras da Mangabeira.
16.  Sítio São Domingosatualmente a parte da propriedade que fica no município de Ipaumirim é de Jarismar Gonçalves. Essa propriedade integrou o patrimônio da Raimundo  Augusto, de Lavras da Mangabeira.
17. Sítio São Pedroatualmente de vários donos. Essa propriedade foi de Luiz Nóbrega ficando para seus herdeiros: Maria Vilany Leite da Nóbrega, Sebastião Leite da Nóbrega e Luiz Leite da Nóbrega Filho.  No Recenseamento de 1920 tem como proprietários Luiz Leite da Nóbrega e seu primo Amâncio Lacerda Leite.
18. Sítio Tabuleiro da Unha de Gato –  atualmente de Jarismar Gonçalves de Melo e José Sabino.
19. Sítio Umarizeiro – atualmente pertence a uma cooperativa de pequenos produtores rurais. Foi propriedade de Luiz Leite da Nóbrega que ficou para sua herdeira Maria Eunice Nóbrega de Morais. Foi vendido através do Programa de Combate à Pobreza Rural (PCPR) no Ceará conhecido também como Projeto São José e loteado entre os antigos moradores da localidade. 
20. Sítio Unha de Gatoé distribuído entre vários proprietários: Jarismar Gonçalves de Melo, herdeiros de Luiz Antonio Gonçalves, herdeiros de Zeza Gonçalves,  herdeiros de Senhor Alexandre Gonçalves, herdeiros de Paulo Alexandre Gonçalves, herdeiros de José Osório, herdeiros de João Gonçalves de Almeida.

Vale registrar que no Recenseamento de 1920 o sítio Unha de Gato está localizado parte no município de Umari e parte no município de Lavras da Mangabeira. No terreno que consta no município de Umari estão os seguintes proprietários: Miguel Alexandre Gonçalves, Maria Carolina Gonçalves, Paulo Alexandre Gonçalves, Pedro Gonçalves Alexandre, José Alexandre Gonçalves. O terreno que consta no município de Lavras tem os seguintes proprietários: Luiz G. Araújo, Francisco G. Ferreira, Josepha F. Matos, Vicente A. Pequeno, José A. de Souza.

21. Sítio Velho -  atualmente pertence a herdeiros de José de Melo e Silva, herdeiros de José Geraldo da Silva conhecido como Zequinha, herdeiros de Chico Grande, Pedro Alves Catarina e Jarismar Gonçalves de Melo. No Recenseamento de 1920, o Sítio Velho  estão registrados como proprietários: José de Melo e Silva, Antônio Alves Sobrinho e Vicente Pedro Crispim, herdeiros de João José de Melo. 


Atualmente, o núcleo urbano conta com três bairros: Bairro Vermelho, Bairro João de Melo e Bairro do Cruzeiro. Apresenta ainda 185  prédios distribuídos entre residências e prédios comerciais. Dispõe de capela, energia, água encanada nas residências, dois chafarizes, calçamento a paralelepípedo, posto de atendimento médico, Escola de Ensino Fundamental Francisco Melo e Silva, Creche Tia Lila e  ainda um terreno reservado para o cemitério.
A mais antiga manifestação da cultura popular no distrito são os caretas que saem na semana santa. Homens vestidos com máscaras, utilizando chicotes, chocalhos saem em busca de esmolas. Os caretas são uma manifestação bastante comum na zona rural e permanece viva em vários municípios do sul Ceará e em alguns outros estados do Brasil com variações locais. A brincadeira finaliza com a malhação de Judas mas há algum tempo o Distrito de Canauna já não apresenta a parte da malhação.
Em 1996, para comemorar os festejos de São João foi formada a  quadrilha Pisa na fulô por iniciativa de Janaína Érica de Melo e Adailson Alves Araújo. Posteriormente, Joselba Maria Alencar Diniz deu continuidade ao evento. A quadrilha é formada na perspectiva das modernas quadrilhas estilizadas.
A partir do ano 2000 começam a se instalar no distrito, tempos evangélicos: Assembleia de Deus (2000), Igreja Batista Regular (2009) e Igreja de Cristo (2016).

BIBLIOGRAFIA
BEZERRA, Hermes Pereira. Ipaumirim 60 anos: fatos e fotos Alagoinha/Ipaumirim. Ipaumirim. Edição do autor. 2013.
MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, INDÚSTRIA E COMMERCIO.  Directoria Geral de Estatística. Relação dos proprietários dos estabelecimentos ruraes recenseados no Estado do Ceará. 1920.
SANTANA, Jader. Tópicos de uma vida: a história de Jarismar Gonçalves de Melo. Fortaleza, Edição do autor. 2016. 
http://jonas-icozinhomelhor.blogspot.com/2012/02/
MLUIZA

RECIFE, 20.05.2019

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Respeitar sempre.

EDMILSON QUIRINO DE ALCÂNTARA: A LEMBRANÇA ALEGRE DE QUEM TEM APREÇO PELO TRABALHO QUE REALIZA.

Conversar com Edmilson é sempre muito agradável. Apesar da memória já comprometida ele adora falar sobre sua experiência como dono de bar....