MLUIZA |
Hoje, vamos
começar uma nova série sobre o Distrito de Canauna ancorada nas memórias de
Jarismar Gonçalves de Melo. A série compõe-se de três posts. O primeiro sobre
origem e formação do Distrito de Canauna seguido de um post sobre os engenhos
de rapadura e finaliza com a genealogia de José de Melo e Silva. É preciso
dizer que este trabalho não seria possível sem a generosidade e a paciência de
Jarismar Gonçalves de Melo em compartilhar conosco as suas memórias. Iniciamos
as entrevistas no mês de janeiro e agora sai o primeiro post. Preciso agradecer
também a Mércia Gonçalves pela disposição em colaborar em todos os momentos
buscando atender demandas trabalhosas que seriam difíceis desenvolver sem a sua
colaboração e o seu empenho pessoal nesse projeto. Agradeço ainda a Hegildo
Holanda que me orienta nas minhas dúvidas fundiárias, a Federalina Quaresma, Maria Cristina Lemos Melo e
aos demais descendentes de José de Melo sempre solícitos a disponibilizarem imagens e
atenderem nossas demandas.
Como é uma
pratica deste blog, todos os textos são resultados de produção
coletiva onde construir um produto com contribuições múltiplas é o grande
desafio na tentativa de compor uma narrativa sobre temas ainda não explorados.
Sabemos que inúmeros outros olhares são possíveis para refinar ainda mais a
produção desse texto e estaremos sempre abertos a receber críticas, sugestões,
complementações que possam ajudar na construção da memória de Canauna. É só
enviar para o e-mail luizanobrega_ufpe@yahoo.com.br
JARISMAR GONÇALVES DE MELO. Imagem gentilmente cedida por Mércia Gonçalves. |
OS POVOADORES
João José de Melo vem do Icozinho para o então Município de
Umary com a missão de tomar conta de uma data de terra pertencente a um
proprietário de Icó. Assim sendo, instala-se no local que ficaria conhecido
como Sítio Velho com a mulher e três filhos: José de Melo e Silva, Maria
conhecida por Lalá e/ou Mariá e outra filha da qual não se conseguiu
identificar o nome. Posteriormente, adquire esta propriedade.
A filha de nome
não identificado casou com um rapaz de nome Vicente Pedro Crispim e o casal
migrou para o município de Pilões, na Paraiba. Portanto, a família Melo desse
município é do mesmo tronco familiar dos Melo do Sítio Velho.
Mariá casou, na
região do Sítio Velho, com Antonio Alves Sobrinho. José de Melo sempre que se
referia aos sobrinhos, filhos de Mariá, os chamava os 'meninos de Mariá'. A
partir desse apelido carinhoso, surgiu o codinome ‘Familia Menino’ embora eles assinem com o
sobrenome Alves de Melo como os demais membros da família.
José de Melo e
Silva casou com Josefa Gouveia, do Sitio Barra, e instalou-se no Sitio Velho
ampliando o patrimônio herdado do seu pai a partir da aquisição de outras terras na redondeza
tais como o Sítio Umburana, Sítio Riacho do Padre e ainda uma área considerável
do Sítio Barra.
A primeira casa
grande, de taipa, instalada no Sitio Velho era, de João José de Melo construida
no local onde atualmente funciona a Escola de Ensino Fundamental Francisco de
Melo e Silva. Quando ele faleceu, seu filho,
José de Melo, ficou morando com a família na casa de seu pai até construir sua
própria casa onde residiu até o fim dos seus dias.
EEFM FRANCISCO DE MELO E SILVA. Fonte: FB de sítio Alagoinha para Ipaumirim
|
José de Melo e Silva nasceu no município de Icó
–CE, em 15.07.1875, no Sítio Alto da Várzea na região conhecida como Fazenda da
Serra. A tradição oral da região registra que estas terras eram uma mata
desabitada e sem posseiros ocupada por um fazendeiro de Brejo das Freiras, João
Pacheco, para dar suporte a sua criação de gado em algumas épocas do ano. Com o
seu falecimento, os herdeiros foram vendendo as terras da propriedade a quem
ali chegava com o interesse de se estabelecer. Fazenda da Serra foi o primeiro
nome dado a Icozinho.
ICOZINHO. IMAGEM CAPTURADA NA INTERNET. |
Esta área integraria posteriormente o Distrito de
Santa Maria, pelo decreto estadual n° 1156 de 04.12.1933, e depois
denominado Distrito de Icozinho através do decreto estadual n° 448 de
20.12.1938. Pela lei estadual nº 6481, de 28-08-1963, o
distrito de Icozinho é desmembrado do município de Icó. Pela lei estadual nº 8339, de 14-12-1965, o
município de Icozinho teve seu território novamente anexado ao município de
Icó.
FORMAÇÃO DO POVOADO DE SÍTIO VELHO
CASA DE JOSÉ DE MELO E SILVA CONSTRUIDA EM 1933. Imagem gentilmente cedida por Magna Gonçalves. |
O ponto de referência ainda existente no Sítio
Velho a partir do qual se conhece o
povoado que viria se transformar posteriormente no Distrito de Canauna é a
residência do Coronel José de Melo construída por ele no ano de 1933, ano em
que casou sua filha Maria Licor com Alexandre Gonçalves da Silva, mãe do seu primeiro neto e
afilhado Jarismar Gonçalves. José de
Melo viveu nesta casa até o fim dos seus dias.
José de Melo casou, em 1901, com Josefa Gouveia, filha
de Pedro Gouveia Crispim e Dondon Gouveia, do Sítio Barra. O casal viveu na antiga casa de seu pai, João
José de Melo, onde nasceram seus quatro filhos: João, Licor, Francisco e Elvira.
Além da casa de José de Melo, as primeiras casas do
povoado que se conhecem a partir desta época são as casas da Família Catarina
precisamente dos irmãos Joaquim, Sebastião e Padre. Joaquim Catarina era casado
com Joana Gouveia e, em segundo matrimônio, com sua cunhada Janoca Gouveia,
ambas irmãs de Josefa Gouveia esposa de José de Melo. Padre Catarina era casado Santa Gouveia também
irmã de Josefa Gouveia. Na mesma área, existia a casa de João Menino, filho de
Mariá, irmã de José de Melo.
Posteriormente, alguns lotes foram doados por José
de Melo para construção de casas durante a formação do povoado.
FILHOS DE JOSÉ DE MELO COM JOSEFA GOUVEIA
MARIA LICOR. Foto gentilmente cedida por Jarismar Gonçalves de Melo. |
FRANCISCO DE MELO E SILVA. Foto gentilmente cedida por Jarismar Gonçalves de Melo |
JOÃO DE MELO E SILVA. Foto gentilmente cedida por Maria Cristina Lemos Melo |
Além dos filhos, o casal criou Maria Vilani
Gonçalves, sua neta, afilhados e agregados da família. Entre outros, Deoclécio,
Juarez, Luiz, Jaime Guedes, Brasilina oriunda do município de Aurora, Valdirene
Carneiro que veio para a companhia do casal aos sete anos de idade e Maria de
Lourdes Gouveia casada com Alcides, irmão de Alexandre Gonçalves e Vicente,
portanto, cunhado de suas filhas Licor e Elvira. Jaime Guedes Assumpção
era filho de Maria Anunciação Guedes e Joaquim Ferreira Assumpção. Sua mãe,
Maria Anunciação, era irmã da professora Mundosa Guedes, primeira esposa de
Francisco Felizardo Vieira. Jaime, aos dois anos, foi passar um dia com o
padrinho e não quis voltar para sua casa.
Aos 70 anos de
idade, viúvo, casou pela segunda vez com Diva Gouveia Paz, sobrinha da sua
primeira esposa. Com ela teve os filhos: Maria Vilani de Melo Silva, José de
Melo Filho e José Alberto da Silva.
DIVA E JOSÉ DE MELO. Foto gentilmente cedida por Diva Gouveia de Melo |
FILHOS DE JOSÉ DE MELO E DIVA
JOSÉ DE MELO E SILVA FILHO. Foto gentilmente cedida. |
José de Melo faleceu no Sitio Velho, em 05 de janeiro
de 1975 na casa por ele construída em 1933.
Foi sepultado no cemitério Santa Terezinha, em Ipaumirim, em cova-rasa
junto ao túmulo de sua mulher conforme pedido feito ao seu neto mais velho,
Jarismar Gonçalves.
ANOTAÇÕES SOBRE A CAPELA DO SÍTIO VELHO
CAPELA DE CANAUNA. Imagem gentilmente cedida por José Ribeiro. |
À medida que o povoado foi crescendo, a sua
população católica que frequentava os atos religiosos na capela do sítio Barra
sentia a necessidade de ter sua própria capela na comunidade de forma a atender
sua religiosidade sem necessariamente ter que se deslocar para o sítio vizinho.
Para a construção da capela foi determinado um local
na área central do povoado. No local escolhido estava construindo-se uma casa
de propriedade de Francisco de Melo e Silva popularmente conhecido como Chico de Melo e entre os íntimos como Tatim, apelido familiar dado por seu sobrinho Jarismar. Na época, Zé de Melo havia comprado duas casas
na atual Rua Coronel José de Melo, em Ipaumirim. Na negociação do local
escolhido para a construção da capela, Chico de Melo abriu mão da casa em
construção, no Sítio Velho, e recebeu
do pai, Zé de Melo, uma das duas casas que ele havia comprado em Ipaumirim.
A comissão
formada para arrecadar fundos para a construção da capela foi composta por João
de Melo, Chico de Melo, Jarismar Gonçalves e Geraldo Saraiva, filho de Pio
Saraiva e Dona Mundinha, amigo de Jarismar. Foi organizada uma tropa de burros
com caçuás e a comissão percorria várias localidades na região coletando
donativos. As ofertas geralmente eram produtos da própria região: legumes,
ovos, animais, entre outros. Eram promovidos leilões no próprio distrito para
apurar o dinheiro da construção. A comunidade ajudava no que fosse necessário para levar adiante o projeto.
A primeira missa na capela do Sitio Velho aconteceu
no ano de 1962 celebrada por Padre José Ismar Petrola de Melo Jorge, primeiro
vigário da Paróquia de Ipaumirim, que doou a imagem do padroeiro, São José.
PADRE JOSÉ ISMAR PETROLA , 1° vigário de Ipaumirim. Foto do arquivo de Zenira Gonçalves Gomes. |
Anualmente, celebra-se o
novenário do padroeiro no período do dia 10/03 a 20 /03 com novenas,
quermesse e o encerramento com missa e procissão pelas ruas do distrito.
IMAGEM DE SÃO JOSÉ DA CAPELA DE CANAUNA. Foto gentilmente cedida por Mércia Gonçalves. |
TUDO CERTO COMO DOIS E DOIS SÃO CINCO
A chegada da televisão no povoado do Sítio Velho, em 1973, revela o porão das querelas políticas locais
e suas articulações com o poder militar.
Durante o segundo governo de Osvaldo Ademar foi
instalada a energia elétrica da CHESF no município de Ipaumirim.
Com a chegada da energia elétrica e a instalação
ainda que precária de um sinal de recepção de televisão, a prefeitura municipal toma a iniciativa de
instalar televisores públicos em distritos e povoados em locais acessíveis para
a comunidade. O local privilegiado seriam as paredes externas das capelas que
geralmente estão localizadas em pontos centrais das comunidades. Esta
iniciativa acabou criando um problema entre a prefeitura e a paroquia.
O televisor da capela do Sítio Velho teria sido colocado em 24 de junho de 1973 no
contexto de um imbróglio envolvendo o poder municipal e a paróquia. Na ocasião,
o prefeito em exercício era Miguel Cairo Arruda, eleito pela ARENA II com 1.900
votos, no pleito de 1972,
substituindo Nildo Fernandes na
Prefeitura Municipal de Ipaumirim.
MIGUEL CAIRO ARRUDA |
PADRE ANTONIO ALCÂNTARA |
Padre Antônio Alcântara, vigário da Paroquia de
Ipaumirim desde 17.02.1968, expressa seu protesto junto aos órgãos de segurança
do Estado denunciando sua insatisfação com a instalação dos televisores no
Distrito de Felizardo e na Capela do Sitio Velho sem autorização da paroquia.
Em virtude do Livro de Tombo da paróquia estar
indisponível para consulta, a fonte utilizada foi o livro de Hermes Pereira – Ipaumirim 60 anos -
a partir do qual fizemos uma nova edição obedecendo a cronologia dos fatos para
dar mais inteligibilidade ao conjunto
dos documentos.
Através do of. Nº 130/73, de 03 de agosto de 1973, a
Prefeitura Municipal de Ipaumirim solicita formalmente ao vigário a permissão
para a instalação do televisor. Em relação especificamente ao caso do Sitio
Velho diz o oficio: .
“ Depois de verificado que o televisor púbico do
Sitio Velho satisfaz plenamente em matéria de imagem e som, vimos a sua honrosa
presença a fim de solicitar permissão para que o mesmo funcione na capela
daquele sítio. Ao ensejo, apresentamos a V.Sa. protestos de elevada estima e
consideração.” O documento é assinado por Mauricio Duarte da Silva , secretário
responsável pelo expediente. Este documento deve estar afixado no livro de
tombo da paróquia porque junto a ele, manuscrito, há uma observação: “Como prova de quanto é ridícula (... ilegível)
Prefeitura, arquivo também essa petição
cavilosa de um secretariozinho ad
hoc.”
O vigário responde ao oficio com o seguinte texto:
“Senhor Secretário ad Hoc
Em resposta temos a dizer o seguinte:
I° só compete ao Prefeito solicitar a licença de
funcionar um televisor numa capela pública desta Paróquia.
2° Não se trata de um funcionamento que satisfaça
“plenamente em matéria de imagem e som”, mas de liceidade jurídica para
semelhante colocação na igreja de “Sítio Velho”.
3° Para que o amigo não julgue tratar-se de
implicância pessoal, passo a citar o Direito Canônico:
“Artigo 610.(ilegível) “Os párocos
são, de direito, administradores e zeladores das igrejas e capelas de suas
paróquias e das esmolas e oblações voluntárias que nelas se fazem” (Pastoral
Coletiva II20. Direito Canônico cans: II82-II84: Concilio Plenário Brasileiro
n° 322, § I, 2, 3).
Apresento meus elevados protestos de consideração.
Paroquia de Ipaumirim, 03.08.1973.
Padre Antônio Alcântara.
No dia 18.08.1973, a querela paroquial vai à
imprensa. O jornal Correio do Ceará publica a seguinte matéria:
Fonte: Bezerra, Hermes Pereira. Ipaumirim 60 anos. |
PREFEITO DIZ QUE PADRE VAI A IGREJA UMA VEZ POR ANO
A propósito da notícia divulgada pelo CORREIO DO
CEARÁ , de responsabilidade do Vigário de Ipaumirim, o Prefeito Cairo Arruda
assim se explicou:
“No meu município, instalação de Televisor em
Capelas , não se constitui nenhuma novidade, conquanto já existem desde 1971,
dois instalados, no caso, nas Igrejas do Distrito de Felizardo e Bom Jesus,
respectivamente.
É estranhável, que somente agora o Pároco venha
considerar coisa absurda, quando não o fez antes, na Administração anterior,
certamente, porque o então Prefeito era seu correligionário político e eu não o
sou.
Quando a edilidade se propôs a instalar energia
elétrica e uma Televisão no povoado Sítio Velho primeiramente, entrou em
entendimentos com o Cel. José de Melo, que é o responsável pela capela daquele
Sitio. Este disse-me ser de pleno acordo, contanto que o aparelho fosse
instalado na parte lateral da capela. Então, com anuência do Coronel José de
Melo e dos próprios habitantes do povoado, o televisor foi instalado. O Padre, outrossim,
vai a Igreja apenas uma vez por ano.
Acrescentou ainda que já entrou em contato com o
Secretário de Polícia, Cel. José Aragão, e deixou-lhe a par da novidade.
O documento tem grafado, em manuscrito, a inscrição:
Correio do Ceará, 18.08.73. Ainda consta uma observação, também manuscrita, a
respeito da notícia.
“O prefeito, Cairo Arruda, teve o desplante, de
afirmar pela imprensa que o Vigário só ia à capela uma vez por ano, quando,
este ano, fui lá segundo está no meu diretório Litúrgico, no dia 11 e 24 de
abril, celebrando pela viúva do tal Cel José de melo, D. Josefa, segundo
comuniquei ao General Assis Bezerra do Serviço Estadual de Informação - SEI
No contexto destes embaraços, o prefeito teria se
retirado da prefeitura assumindo o cargo o seu vice, Sebastião Barbosa, que
enviou um comunicado ao vigário através do oficio 136/73 de 23.08.1973
solicitando “Pelo presente, solicito de
V. Revma. que se digne de conceder licença para que o televisor público do
Sitio Velho, neste município, continue funcionando do lado direito da capela do
citado sítio”. Assinado por Sebastião Barbosa de Albuquerque, prefeito em
exercício. Em relação a esta petição tem uma observação do vigário registrando
que este documento seria uma vitória pessoal de sua parte e que seria uma prova
de que o prefeito em exercício reconhece os direitos do vigário sobre o imóvel.
Posteriormente, o vigário deve ter recebido um novo
oficio da prefeitura de n° 146/73, de 29.08.73 ao qual responde:
Paróquia de Ipaumirim
Do Vigário
Ao vice-prefeito
Exmo. Sr. Sebastião Barbosa de Albuquerque
Atendendo ao que me solicitou no seu oficio n°
146/73 de 29 de agosto de 1973, declaro o seguinte:
I° Por ter V.Sa. a capacidade de compreender e
respeitar os sagrados direitos da Igreja de Ipaumirim,
2° pelos termos respeitados e respeitosos da
referida solicitação
Resolve
Conceder permissão para que continue a funcionar na
Capela pública do Sitio Velho um Televisor municipal.
Espero, porém, merecer a devida atenção para
conceder àquele povo os seguintes benefícios:
1° nunca permita perturbar os atos religiosos que os
fiéis ali celebrarem,
2° em sinal de generosidade para com aquele povo do
Sítio Velho, instale dentro da referida capela, pelo menos, duas lâmpadas
elétricas.
Finalmente esta autorização cessará, quer no fim do
seu mandato, quer no fim do meu Paroquiado.
Secretaria da Paroquia de Ipaumirim, 1° de setembro
de 1973.
(Abaixo da carta, manuscrito com data de 02; 09.1973
a seguinte observação:
Nota: A petição do Sr. Sebastião Barbosa tem o
mérito de uma vitória moral do vigário porque figurará como prova de que o
prefeito reconheceu os direitos do vigário sobre aquele imóvel.
No dia 09.09.1973, o prefeito anterior, José
Fernandes de Sousa (Nildo) emite uma declaração com firma reconhecida no
cartório de Amaro Farias (1° ofício):
“Declaro para os devidos fins legais, que na minha
administração à frente dos destinos deste município de Ipaumirim, pedi de Nossa
Senhora da Conceição, autorização a título precário, para instalar na capela
pública de Felizardo um televisor público ao Revmo. Vigário da paróquia de Nossa
Senhora da Conceição, autorização a título precário, para instalar na capela
pública de Felizardo um televisor público. Esta autorização devia
extingiuir-se no fim de meu mandato e
dela não ficou documento algum no arquivo da prefeitura municipal de Ipaumirim,
porque como não era uma autorização permanente, mas temporal, não requeri nada
por escrito.
Ipaumirim, 9 de setembro de 1973.
José Fernandes de Sousa.
Os detalhes registrados revelam questões mais
importantes que pautam a época e que ainda permanecem subjacentes à dinâmica
local enquanto práticas que se revelam
oportunamente em outras circunstâncias. A informalidade das relações, ainda
hoje característica dominante na cultura local, favorece a criação de impasses,
promove redes de alimentação de conflitos e alinhamentos esdrúxulos na vida
política local. Os processos de negociação e tomadas de decisão submergem à
falta de limites, normas e regras explicitas, o que favorece toda sorte de
interpretação, desgastes e impasses. A informalidade corrói a autonomia das
instituições submetidas a falta de objetivos concretos e visão de longo prazo.
Não há limites entre o público e o privado. Neste confuso e primário mundo, o
interesse coletivo nunca foi soberano. O horizonte sempre foi o interesse de
grupos no revezamento do arcaico poder local. A ‘briga’ entre a paroquia e a
prefeitura na instalação de um televisor numa comunidade rural é reveladora da
subjetividade no trato dos interesses coletivos. Se concentrarmos esforços para
compreender as contradições dos documentos observamos a ausência de sentido da
briga para além da disputa política de áreas de influência no minúsculo
município. Dentro deste, a briga politiqueira dá o tom na querela entre sub legendas da ARENA, cabrestos do poder militar, embaladas ou não pelo
beneplácito da paróquia.
Uma questão muito mais importante se sobrepõe aos impasses locais: a submissão das instituições ao poder da ditadura militar instalada e como esta dissemina seus tentáculos sobre uma comunidade predominantemente rural situada numa região dominada pelo atraso e distante dos centros de poder. É uma rede de dominação e informação com uma capilaridade extraordinária e de longo alcance. Todas as águas necessariamente precisam correr para o mesmo mar e todos os mecanismos, estratégias e canais, rudimentares ou não, estão dispostos para este objetivo. O tipo de relação que se estabelece evidencia como a periferia absorve e se conecta a um projeto maior de dominação. São as instituições de todas as ordens quem referendam este poder na periferia utilizando para isso mecanismos próprios de cada segmento e apelando eventualmente para mídia em busca de legitimação numa dimensão pública.
Uma outra questão importante que não pode ser deixada de lado é que a introdução da televisão numa comunidade rural recém favorecida pela instalação de energia representa um avanço considerável no que diz respeito à força e influência que a mídia tem na construção de modelos comportamentais. Seria, portanto, a grande estreia de um modelo de sociedade lastreada no consumo para uma comunidade ainda bastante limitada aos seus saberes e modelos tradicionais de comportamento. Se abstraímos a visão episódica e localizada deste evento podemos perceber numa visão mais ampla o assentamento de embriões do processo modernizador em várias outras instâncias num movimento constante da sociedade sempre mediado pela comunicação em suas variadas formas de expressão.
Uma questão muito mais importante se sobrepõe aos impasses locais: a submissão das instituições ao poder da ditadura militar instalada e como esta dissemina seus tentáculos sobre uma comunidade predominantemente rural situada numa região dominada pelo atraso e distante dos centros de poder. É uma rede de dominação e informação com uma capilaridade extraordinária e de longo alcance. Todas as águas necessariamente precisam correr para o mesmo mar e todos os mecanismos, estratégias e canais, rudimentares ou não, estão dispostos para este objetivo. O tipo de relação que se estabelece evidencia como a periferia absorve e se conecta a um projeto maior de dominação. São as instituições de todas as ordens quem referendam este poder na periferia utilizando para isso mecanismos próprios de cada segmento e apelando eventualmente para mídia em busca de legitimação numa dimensão pública.
Uma outra questão importante que não pode ser deixada de lado é que a introdução da televisão numa comunidade rural recém favorecida pela instalação de energia representa um avanço considerável no que diz respeito à força e influência que a mídia tem na construção de modelos comportamentais. Seria, portanto, a grande estreia de um modelo de sociedade lastreada no consumo para uma comunidade ainda bastante limitada aos seus saberes e modelos tradicionais de comportamento. Se abstraímos a visão episódica e localizada deste evento podemos perceber numa visão mais ampla o assentamento de embriões do processo modernizador em várias outras instâncias num movimento constante da sociedade sempre mediado pela comunicação em suas variadas formas de expressão.
FUNDAÇÃO DO DISTRITO DE CANAUNA
DISTRITO DE CANAUNA. Fonte: FB de Luciano Catarina |
A ideia de fundação de um distrito naquela
localidade veio de Jarismar Gonçalves,
neto e afilhado de Zé de Melo, quando ainda era estudante na Faculdade de
Direito da Universidade Federal do Ceará.
A formalização do distrito passou por etapas
político-administrativas. Em 1990, o projeto de lei complementar regulamenta o
Art. 3° da Lei Orgânica disposição transitórias, do Município de Ipaumirim, que
cria o Distrito do Sítio Velho, deste
Município.
Conforme o documento, o distrito se configura dentro
dos seguintes limites: “ponto inicial na BR 116 no Viaduto da RFFSA, no limite
intermunicipal Baixio-Ipaumirim, seguindo pela referida BR até a estrada
carroçável Ipaumirim – Aurora, passando pelos sítios Boi, Boa Vista, Olho d’água das Éguas, Açude
Velho, inclusive até o limite intermunicipal Ipaumirim-Aurora, ficando com os
seguintes limites: Sul, com o Distrito de Felizardo e o município de Aurora, ao
poente com o município de Lavras da Mangabeira e ao norte com o município de
Baixio.
Inicialmente, foi criado o Distrito do Sítio Velho
conforme documentação a seguir publicada: o projeto de Lei Complementar que
regulamenta o Art. 3° da Lei Orgânica disposições transitórias, do Município de
Ipaumirim, que cria o Distrito do Sítio Velho, deste Município aprovada pela
Câmara de Vereadores, em 18.10.1990, e a Lei Complementar nº 01/91, de
14.03.1991.
LEI COMPLEMENTAR 01/1991
PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR
ANTIGA CASA DO DISTRITO DE SÍTIO VELHO. Foto gentilmente cedida por José Ribeiro. |
Em 1997, o Distrito de Sítio Velho passa a denominar-se Distrito de Canauna. Para a escolha do nome Jarismar Gonçalves consultou Alberto Alexandre
Viana de Moura que sugeriu Canauna que, segundo ele, teria alguma relação
etimológica com cana preta, variedade de cana plantada na região.
PROJETO DE LEI PARA ALTERAÇÃO DO NOME DO DISTRITO
O
Distrito de Canauna está composto pelas propriedades abaixo relacionadas. Optamos
por referenciar os atuais proprietários e,
quando possível, proprietários anteriores conforme o Recenseamento do Brazil de
1920.
1. Sítio Bandeira – atualmente
dos herdeiros de Francisco Germano dos Santos
2. Sítio Barra –
Atualmente de Jarismar Gonçalves de Melo. No Recenseamento de 1920, no registro
das propriedades de Umary a quem pertencia na época o território que hoje é
Ipaumirim, estão registradas duas
propriedades com o nome Sítio Barra cujo proprietário é Antônio Ângelo de Melo
e Sítio Barra/Unha de Gato de propriedade de Gabriel Alves Sant’Anna. Na
relação das propriedades do município e Lavras, no mesmo documento, aparecem também
como donos da Barra Francisco Gonçalves da Costa e Cândido Salvador Dias.
3. Sítio Barreiro
4. Sítio Boa Vista – atualmente
dos herdeiros de Cícero Saraiva de Araújo. No Recenseamento de 1920, existem duas
propriedades registradas com esta denominação sendo seus donos Ignácio de
Araújo Costa e Ignácio Dias respectivamente. Neste mesmo documento, aparece no
município de Lavras como proprietário do mesmo sítio Manuel Alexandre
Gonçalves.
5. Sítio Cacimba do Meio – atualmente
dos herdeiros de Higino Diniz e de Jarismar Gonçalves de Melo. No Recenseamento
de 1920 está registrada uma propriedade
com este nome tendo como proprietário Joaquim Duarte Sant’Anna.
6. Sítio Catingueira – atualmente
de Raimundo Nazário.
7. Sitio Cerra – atualmente de
herdeiros de Ananias Saraiva.
8. Sítio Imburana – atualmente
pertence a vários proprietários: Chiquinho
Antônio, Jarismar Gonçalves, Pedro Catarina, Família Fernandes, Família Bernardo, herdeiros de
Francisco Laíre Gonçalves e José do Brinco.
9. Sítio Imburana de Cima – atualmente
de Luiz Mariano e Wilson Alves.
10. Sítio Manga da Serra – atualmente
de Jarismar Gonçalves de Melo.
11. Sítio Pau Branco
- atualmente de Gerôncio Jorge. Este
terreno foi de Luiz Leite da Nóbrega que deixou como herança para sua filha
Maria Luiza Leite da Nóbrega e posteriormente vendido ao atual dono.
12. Sítio Poço Preto – atualmente
dos herdeiros de Alexandre Gonçalves da Silva e dos herdeiros de Enéas Carlos
e de Miguel Quaresma.
13. Sítio Rancho ATN - de propriedade de Alexandre José Gonçalves Trineto.
14. Sítio Riacho do Padre – atualmente
de José Nailton e outros.
15. Sítio Santa Inêz – atualmente
a parte da propriedade que fica no município de Ipaumirim é de Jarismar Gonçalves de Melo. Essa propriedade integrou
o patrimônio de Raimundo Augusto, de
Lavras da Mangabeira.
16. Sítio São
Domingos – atualmente a parte da propriedade que fica no município de Ipaumirim é de Jarismar Gonçalves. Essa
propriedade integrou o patrimônio da Raimundo Augusto, de Lavras da Mangabeira.
17. Sítio São Pedro –
atualmente de vários donos. Essa propriedade foi de Luiz Nóbrega ficando para
seus herdeiros: Maria Vilany Leite da Nóbrega, Sebastião Leite da Nóbrega e
Luiz Leite da Nóbrega Filho. No
Recenseamento de 1920 tem como proprietários Luiz Leite da Nóbrega e seu primo
Amâncio Lacerda Leite.
18. Sítio Tabuleiro da Unha de Gato – atualmente de Jarismar Gonçalves de Melo e José Sabino.
19. Sítio Umarizeiro – atualmente
pertence a uma cooperativa de pequenos produtores rurais. Foi propriedade de
Luiz Leite da Nóbrega que ficou para
sua herdeira Maria Eunice Nóbrega de Morais. Foi vendido através do Programa de Combate à Pobreza
Rural (PCPR) no Ceará conhecido
também como Projeto São José e loteado entre os antigos moradores da localidade.
20. Sítio Unha de Gato – é distribuído
entre vários proprietários: Jarismar Gonçalves de Melo, herdeiros de Luiz
Antonio Gonçalves, herdeiros de Zeza Gonçalves,
herdeiros de Senhor Alexandre Gonçalves, herdeiros de Paulo Alexandre
Gonçalves, herdeiros de José Osório, herdeiros de João Gonçalves de Almeida.
Vale registrar que no
Recenseamento de 1920 o sítio Unha de Gato está localizado parte no município
de Umari e parte no município de Lavras da Mangabeira. No terreno que consta no
município de Umari estão os seguintes proprietários: Miguel Alexandre
Gonçalves, Maria Carolina Gonçalves, Paulo Alexandre Gonçalves, Pedro Gonçalves
Alexandre, José Alexandre Gonçalves. O terreno que consta no município de
Lavras tem os seguintes proprietários: Luiz G. Araújo, Francisco G. Ferreira,
Josepha F. Matos, Vicente A. Pequeno, José A. de Souza.
21. Sítio Velho - atualmente pertence a herdeiros de José de
Melo e Silva, herdeiros de José Geraldo da Silva conhecido como Zequinha,
herdeiros de Chico Grande, Pedro Alves Catarina e Jarismar Gonçalves de Melo.
No Recenseamento de 1920, o Sítio Velho estão
registrados como proprietários: José de Melo e Silva, Antônio Alves Sobrinho e Vicente Pedro
Crispim, herdeiros de João José de Melo.
Atualmente,
o núcleo urbano conta com três bairros: Bairro Vermelho, Bairro João de Melo e
Bairro do Cruzeiro. Apresenta ainda 185 prédios distribuídos entre residências e
prédios comerciais. Dispõe de capela, energia, água encanada nas residências,
dois chafarizes, calçamento a paralelepípedo, posto de atendimento médico, Escola
de Ensino Fundamental Francisco Melo e Silva, Creche Tia Lila e ainda um terreno reservado para o cemitério.
A mais antiga manifestação da cultura
popular no distrito são os caretas que saem na semana santa. Homens vestidos
com máscaras, utilizando chicotes, chocalhos saem em busca de esmolas. Os
caretas são uma manifestação bastante comum na zona rural e permanece viva em
vários municípios do sul Ceará e em alguns outros estados do Brasil com
variações locais. A brincadeira finaliza com a malhação de Judas mas há algum
tempo o Distrito de Canauna já não apresenta a parte da malhação.
Em 1996, para comemorar os festejos de São
João foi formada a quadrilha Pisa na
fulô por iniciativa de Janaína Érica de Melo e Adailson Alves Araújo. Posteriormente,
Joselba Maria Alencar Diniz deu continuidade ao evento. A quadrilha é formada
na perspectiva das modernas quadrilhas estilizadas.
A partir do ano 2000 começam a se instalar no
distrito, tempos evangélicos: Assembleia de Deus (2000), Igreja Batista Regular
(2009) e Igreja de Cristo (2016).
BEZERRA, Hermes Pereira. Ipaumirim 60 anos: fatos e fotos Alagoinha/Ipaumirim. Ipaumirim. Edição do autor. 2013.
MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, INDÚSTRIA E COMMERCIO. Directoria Geral de Estatística. Relação dos proprietários dos estabelecimentos ruraes recenseados no Estado do Ceará. 1920.
SANTANA, Jader. Tópicos de uma vida: a história de Jarismar Gonçalves de Melo. Fortaleza, Edição do autor. 2016.
http://jonas-icozinhomelhor.blogspot.com/2012/02/
MLUIZA
RECIFE, 20.05.2019
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