A
pedagogia de mamãe sempre foi absolutamente objetiva, do tipo escreveu,
não leu, o pau comeu. Os seus métodos severos incluíam advertências
tenebrosas que projetavam o resultado de qualquer desvio fora do padrão
esperado. Eu já conhecia as etapas do processo. Para prevenir, começava
com ameaças. Depois, entrávamos nas vias de fato. Era a educação pelo
não. De antemão, eu tinha que saber a lista do que não podia fazer. Não
pode e pronto. O que podia fazer eu não lembro.
-Se
você fizer.... (essa pausa era providencial pois que conferia
expectativa ao anteclímax do desfecho)... vai se arrepender da hora em
que nasceu, era o mote da ameaça.
Uma
vez feita a transgressão, a promessa era cumprida. Um elenco de
alternativas alternava-se entre o castigo inibidor de pequenos prazeres,
uns bolos com uma escova de limpar roupas – essa era a que mais doía – e
uma meia dúzia de palmadas geralmente com a chinela que, na época, era
de sola. Levei tanto bolo que, às vezes, penso que é por conta disso que
eu não gosto de bater palmas. Minha forma preferencial de aplaudir é
reconhecer o mérito do feito. Palmas não é comigo. Se eu tivesse
anotado as palmadas que levei talvez estivesse no guiness.
O
nosso cardápio doméstico até que era restrito considerando outros
métodos disponíveis tais como o puxão de orelhas, o cocorote, a corda, o
cipó, a cadeira suspensa no armador, entre outros que não lembro no
momento. . Mas, ‘peia’ nunca faltou lá em casa. Mamãe nunca foi uma foi
uma mulher de sutilezas.
Eu
sempre tive afã pelo desafio de quebrar regras. A minha estratégia de
enfrentamento era não mentir, não negar e encarar. Apanhava olhando pra
ela. Chorava, mas encarava.
- Baixe a cabeça, ordenava.
Eu
não baixava. Mesmo sem ter consciência eu percebia o ato de encarar
como uma forma de dizer não à submissão. Apanhava mais por conta disso
do que pelo feito, mas não arredava um passo.
Quando
chegaram as havaianas, a coisa ficou mais frouxa. Apanhar de havaiana
era uma desmoralização. Não doía. Mamãe não aderiu à novidade. Continuou
adepta da escova e da sandália de sola.
Tínhamos
um vizinho com uma família numerosa que aplicava um método preventivo
infalível. Quando alguém fazia uma transgressão, todas as crianças
apanhavam. O que errou, como punição, e os demais para aprender de
antemão que não poderiam fazer o mesmo.
Uma
amiga me contou que levou uma surra porque teve a ousadia de se
esconder embaixo da cama para ler o livro que a irmã mais velha estava
lendo. Ela lembra até o nome. Era ‘Manon Lescaut’, do Abade Prévost, um
romance do século XVIII. Revistas em quadrinhos eram extremamente
proibidas lá em casa. Era gibi. Gibi não pode. Não existia a explicação,
o convencimento, a compreensão. Não pode. Fim. A censura para ser bem
assimilada começa em casa.
Sou
de uma geração educada pela obediência cega à experiência alheia. Hoje,
entendo porque tanta gente perdeu o bonde e ficou aprisionada à
submissão que acabou expressando-se de várias formas nas suas vidas.
Obedecer,
acostumar-se tem preço. E pode ser muito alto. Obedecer regras,
respeitar limites é fundamental para a vida em sociedade. Obedecer
cegamente é abrir mão da possibilidade de mudança de rumos.
Eu faço parte dos que resolveram quebrar a corrente e pagar pra ver. Até hoje não me arrependi da hora em que nasci.
MLUIZA
Recife, 06.10.2021
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