MLUIZA |
Eu devia ter uns seis anos e meu avô me levou pra o sítio. Estava todo mundo na rua e ninguém na casa grande. O açude sangrava e eu pedi para tomar banho no sangrador. Tomar banho sozinha no sangrador já era complicado ainda mais de tarde. Banho de açude tinha que ser de manhã para não gripar nem ter crise de garganta.
- Vá e tenha cuidado.
Ao mesmo tempo, ele me concedia a ousadia e me dava uma responsabilidade. Outros episódios dessa natureza entre meu avô e eu ajudaram a construir minha autoconfiança.
Tomei banho do jeito que eu queria sem ninguém para me fiscalizar. De repente, uma pedra afiada quase ‘degola’ meu dedão do pé. Voltei pra casa com o dedo sangrando. Para estancar o sangramento saí enfiando o dedo na areia da parede do açude. Quanto mais sangue, mais areia.
Chegando em casa, subi a calçada alta com a roupa molhada e o dedo sangrando.
Meu avô conversava com Amâncio, um negro que veio de Goiás, não sei como, e era seu morador. Usava sempre mangas compridas numa camisa parcialmente desabotoada, chinelo de sola, chapéu de palha e, entre os beiços, um cigarro de fumo brabo enrolado na palha. A parte clara dos seus olhos era amarelada e meio rajada de finíssimos raios avermelhados. Sobre as pernas cambotas andava como que bamboleando. Era casado com Rita. Rita de Amâncio, como era conhecida. Meu avô gostava dele. Eu também gostava dos seus moradores, tenho boas lembranças de todos eles.
Não tive outra alternativa a não ser mostrar o dedão empapado de sangue e areia. Meu avô nada questionou. Pegou um caneco d’água e lavou meu pé.
- Amâncio, me traz o mercúrio cromo, pediu o meu avô.
Curativo feito, problema resolvido, ele me ordena:
- Quando chegar em casa não conte nada a sua mãe.
MLUIZA
Recife
14.12.2020
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