MLUIZA |
Eu gostava de sentar nos batentes da calçada da igreja nas noites calorentas do verão sertanejo, justo do lado em que a igreja é vizinha da praça. Enquanto a criançada corria na pracinha, o fórum feminino funcionava a todo vapor na calçada. Hora de atualizar a vida alheia, mas também de contar causos reais adubados pela imaginação criativa que enriquecia de detalhes fatos ocasionais do cotidiano. Não estou falando, portanto, de estória de trancoso. Falo da capacidade de criar sobre o real. O fato contado era o pretexto. Podia ser qualquer um. Nesse amálgama, o real perde a soberania e estabelece uma combinação absoluta com o irreal improvável. A narrativa é que importava. Fascinava-me a riqueza de detalhes que, libertos, tinham vida e percurso próprio. Botava-se fermento no tema e o resto crescia por conta e risco do narrador num jeito demorado de fazer render as coisas e matar o tempo que parecia não ter fim. Era impagável ouvir estórias contadas por Deusa Batista. Uma coisa puxa outra e a estória demoraaaaavaaa... A conversa se estirava até a hora de ir pra casa. Quando terminava, eu nem mais sabia o começo, já me havia perdido no meio e aguardava um final para aquela profusão de desdobramentos que - nem sei como - ela conseguia engendrar com maestria. Se, por exemplo, uma criança brincava de bola, esta adquiria vida própria carregada de detalhes e percursos inimagináveis. Não há roteiro e tudo é possível entre o começo e o fim. Impressionava-me a capacidade de amalgamar o real com situações absolutamente inverossímeis. A liga que mantinha acesa minha atenção era justamente esta possibilidade de me surpreender a cada momento pelo descompromisso com o real ou com um roteiro lógico. As narrativas populares sempre me pareceram muito interessantes. Continuam sendo. Para além do fato, vale a transfiguração do real movida pelo arranjo essencial entre a percepção e o sentimento promovendo a mediação entre o real e o imaginário que encanta. A imaginação sempre foi a estrela que guiou a minha atenção nas fascinantes narrativas que eu escutei na calçada da igreja. Fosse qual fosse o assunto. Hoje, não há mais tempo para jogar conversa fora. Urge repassar nas redes sociais as fake news e, eventualmente, os maldosos fuxicos da hora.
MLUIZA
Recife
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