AKI LEMBRANU: CUMPLICIDADE FEMININA

-Teka, quem é Tereza Valsé?, pergunto-lhe quando vejo esse nome no formulário que estou preenchendo.

- Eu, a senhora não sabia?

- Não.

- Pois é, minha mãe viu esse nome em algum lugar, achou bonito, estava grávida de mim e resolveu que assim eu seria chamada. Um tempo ela ficou na dúvida se botava esse nome ou Astanilsen (Asta Nielsen) que é uma artista de cinema bem antiga que ela conheceu de ouvir falar, mas nunca assistiu um filme dela. Resolveu pela tal Valsé porque, segundo ela, evitava perguntas sobre de onde ela tirou aquele  nome esquisito. Ainda hoje, ela acha meu nome chique.

- E você, o que acha?

- Brega, muito brega. Para completar, o povo me chama de Teca. Eu não sei se gosto menos da breguice da Valsé  ou da intimidade de Teca. Teca tem cara de todo mundo.

- Entendo... Que nome você gostaria de ter?

- Talvez Anita. Acho um nome sensual. Combina mais comigo. Ou, quem sabe, Dandara que é um nome, assim, mais definitivo. É comum, mas marca presença.

- De agora em diante vou te chamar de Anita. Posso?

Ela ri toda sestrosa. Enfim, alguém captou sua mensagem e reconheceu seus méritos.

- Claro que pode, eu até gosto. Prefiro.

Como chego antes da hora na clínica que frequento,  sempre há um tempo para puxar um papo. Anita, rebatizada por mim, atendente do local, é uma mulher jovem, bonita, sempre contente, do tipo que se dá muito bem com a vida e com o seu próprio corpo, menos com nome que sua mãe lhe deu. Rechonchuda, muito vaidosa, corajosa e - por mais difíceis que as coisas possam parecer - consegue manter o seu sorriso cativante e devastador. Romântica incorrigível e muito namoradeira, como só ela sabe ser, tem mais homem no currículo do que ave maria no rosário.

- A vida é assim. Muda todo dia. Por que eu não haveria de mudar de amor? Faz parte.

Conversa vai, conversa vem, entre um bombom e outro, ficamos amigas e eu até gosto de chegar cedo no local não apenas pelo hábito da pontualidade, mas para desfrutar de sua prosa.

Ainda muito jovem teve um filho que agora tem dezesseis anos e está preparando-se para o concurso da marinha. Ela está segurando o orçamento para bancar seu tratamento de dentes porque ouviu dizer que para ser aprovado não pode ter nenhum dente cariado. Cuida do filho adolescente, preocupa-se com a mãe, ajuda a  avó e dá conta de tudo alegremente.

- Minha avó me ajudou com meu filho quando o pai dele me largou. Eu era muito jovem e ele também. Foi um tempo difícil, mas eu não sou de guardar rancor. Quando nos separamos eu namorei com o marido da sua tia. Ele soube, não disse nada e guardou segredo. Afinal, o tio me ajudava a criar o nosso filho. Coisa que ele não gostava mesmo era de preocupação. Abraçou a causa e virou cúmplice.

O tio/amante montou  para ela um lugarzinho  bem longe da família. Tiveram uma relação estável por um tempo razoável. A casinha, numa rua tranquila de um bairro popular,  tinha de um tudo. Até jardim e um pequeno terraço. Criança com escola e ela com uma vida doméstica tranquila. Uma relação típica entre um homem de meia idade que quer um romance sossegado com uma mulher jovem disposta a desapoquentar o facho por uma vida tranquila.

Tudo tem um dia e num desses dias o pai do seu filho passa-lhe a informação:

- Tua chapa tá esquentando. A mulher dele descobriu. Contou pra minha mãe que ficou horrorizada com teu procedimento. Mãe me chamou de corno descarado. Eu só escutei e não disse nada.  Tô nem aí pra esses venenos.  Tia disse que tá na tua cola e que vai te achar nem que seja embaixo da saia do papa.

- E aí ?,  pergunto eu, apreensiva.

- Achou! Descobriu onde eu morava. Aportou na frente da minha casa de megafone na mão. Me esculhambou. De tudo me chamou. Rapariga foi pouco.

- Mulher de Deus, e tu?

- Fechei a porta e aguentei o tranco. Chorei, mais com vergonha do que com medo. A senhora sabe como eu sou. Me dou bem como todo mundo. Fiquei amiga dos vizinhos. Eles me deram apoio, afinal não tinham nada a ver com isso. Tudo que eu precisava naquele momento era ser rápida e matutar um jeito para enfrentar o depois. Fiquei na minha.

Montou a cena e aguardou. Chorou, chorou, chorou. Valeu a pena. Foi consolada pelo amante que se sentiu culpado. Resolveu abstrair para não criar mais problema. Passou a borracha e, de quebra, ganhou um fim de semana em João Pessoa.

Foi bom enquanto durou. Durante aquele tempo  muitos problemas concretos foram resolvidos. O filho maiorzinho já lhe permitia trabalhar sem grandes desassossegos. A avó ficava com o bisneto e a vida continua. Entrou para valer no mercado de trabalho e ainda faz artesanato para ajudar no orçamento. Os romances efêmeros continuaram. Da última vez que a vi, logo quando anunciaram a pandemia, estava apaixonada. Como sempre. O rapaz mora sozinho, o que já facilita muita coisa. Criativa e sensual, como é do seu feitio, adora criar situações.

- A senhora não imagina o que eu aprontei essa semana!!! Foi divino. Me superei. A senhora sabe como eu sou criativa.

- Diz aí. Vai, despacha. Eu sei que tu estás doida para me contar e eu para ouvir.

Ela dá um sorriso largo e malicioso e eu antevejo o que vem mais adiante.

- Olhe, fiz uma surpresa para o meu love. Liguei para ele, eu queria me certificar se ele estava em casa. Confirmei. Me preparei toda. Cheirosa, fiz uma maquiagem caprichada, vesti uma camisola com um robe muito sensual. Combinando comigo. Chamei um moto táxi e fui bater na casa dele. Impactei. Ele ficou impressionado com minha coragem e com a minha ousadia.

Pensei comigo mesma, não só ele. Eu também. Fiquei perplexa. Imaginei a cena: ela sensualmente produzida, tarde da noite numa cidade intranquila, na garupa de um moto taxista.

- Foi uma noite e tanto!  Mas, ele tinha que sair cedo para trabalhar e eu também. Tive que voltar para casa ainda de madrugada. Como ele não tem carro não tinha como ir me deixar.

- De madrugada, sozinha?

- Ôxe, o que é que tem, mulher? Tomei banho, vesti a camisola e voltei pra casa. De uber.

MLUIZA

Recife

25.12.2020

 

MLUIZA
   

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