ESCOLA ISOLADA DE IPAUMIRIM: APONTAMENTOS PARA CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA DO ENSINO PÚBLICO NO MUNICÍPIO

MLUIZA
Demanda paciência e muita disponibilidade, mas é muito gratificante trabalhar recuperando memória e dando sentido a um emaranhado de informações esparsas. Cada informação é uma peça fundamental na composição do conjunto. A batalha para construir a memória do ensino em Ipaumirim é um desafio instigante. Mas, vale a pena. É possível que em determinadas fases algumas informações já não sejam recuperadas por indisponibilidade de registros e documentos. As fontes orais, testemunhas do tempo, são poucas, mas têm uma disposição de colaborar que estimula a vencer dificuldades. Hoje, vamos tratar especificamente da Escola Isolada de Ipaumirim. Quem nos  conta é a protagonista desta luta na construção de uma escola de referência em nosso município. Zenira Gonçalves Gomes, mestra querida que durante nove anos enfrentou a luta, atravessou dificuldades, mas levou a escola adiante. Dona Zenira, madrinha Zenira, comadre Zenira ou, simplesmente, Zê escreveu uma história de amizade, respeito, dedicação e se transformou na grande mestra que ensinou Ipaumirim a ler.

Demanda paciência e muita disponibilidade, mas é muito gratificante trabalhar recuperando memória e dando sentido a um emaranhado de informações esparsas. Cada informação é uma peça fundamental na composição do conjunto. A batalha para construir a memória do ensino em Ipaumirim é um desafio instigante. Mas, vale a pena. É possível que em determinadas fases algumas informações já não sejam recuperadas por indisponibilidade de registros e documentos. As fontes orais, testemunhas do tempo, são poucas, mas têm uma disposição de colaborar que estimula a vencer dificuldades. Hoje, vamos tratar especificamente da Escola Isolada de Ipaumirim. Quem nos  conta é a protagonista desta luta na construção de uma escola de referência em nosso município. Zenira Gonçalves Gomes, mestra querida que durante nove anos enfrentou a luta, atravessou dificuldades, mas levou a escola adiante. Dona Zenira, madrinha Zenira, comadre Zenira ou, simplesmente, Zê escreveu uma história de amizade, respeito, dedicação e se transformou na grande mestra que ensinou Ipaumirim a ler. 
MLUIZA
 
ANTECEDENTES DA INSTRUÇÃO PÚBLICA NO CEARÁ

Durante o século XIX, o ensino de primeiras letras funcionava em classes multisseriadas, em escolas avulsas, na maioria das vezes em salas improvisadas na casa do próprio professor, totalmente sem material didático nem orientação pedagógica mesmo quando os mestres eram nomeados e pagos pelo governo. No município de Lavras da Mangabeira, ao qual originalmente pertencíamos, há informações de nomeação de professores nos anos de  1827 (Padre Manuel da Silva Sousa), 1831 (Antônio Joaquim do Santos cujo salário era de 300$000), 1836 (Francisco Nunes Pereira), 1840 (Marciliano Lopes Benevides). Em 08.08.1856 encontra-se o registro de que foram criadas aulas de primeiras letras em São Vicente de Lavras. (SOUSA PINTO, 1939). Ao lado, na vizinha Cajazeiras, Padre Rolim fundou a Escolinha da Serraria (1829) e a Escola de Cajazeiras (1836) que posteriormente, em 1843, se transformaria no Colégio Padre Rolim que se tornou referência em ensino no Nordeste. Além de paraibanos natos, o colégio de Padre Rolim recebia alunos de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte, Piauí e Maranhão.
Na virada do século XX, pela lei n. 587, de 07 de julho de 1900, foram suprimidas, no Ceará, 77 escolas e mais 13 em 1901. Das 336 que funcionavam em 1900, ficaram apenas 246 escolas primárias.
Dois modelos básicos de escolas vindos desde o século XIX vigoraram durante um longo tempo ainda no século XX. Eram as escolas isoladas e as escolas reunidas.
Na primeira década do século XX, o governo cearense tentou reorganizar a educação primária no Estado. Em 1905, foi produzido o Regulamento da Instrução Primária e, em 1906, o Regimento dos Grupos Escolares. Em 1913, Franco Rabelo pretendia apresentar um projeto de reforma da educação mas acabou sendo deposto em 1914. Com ele, foi-se o propósito da reforma. Na ocasião, o Ceará contava com 403 escolas para atender 200.000 mil crianças em idade escolar. Em 1916, existiam, no interior, 358 escolas sendo 81 em cidades, 88 em vilas e 189 em povoações e arraiais. Por volta de 1917 houve um aumento no número de escolas e uma expansão da interiorização do ensino. Em 1918, existem no Estado do Ceará 423 escolas, 89 nas cidades, 84 nas vilas e 250 nos povoados e arraiais. (SOUSA PINTO,1939)
A década de 20 é marcada pelas reformas da educação no Brasil. Iniciam-se em São Paulo, seguida pelo Ceará, Bahia, Distrito Federal, Minas Gerais e Pernambuco. O governador do Ceará, Justiniano Serpa, trouxe o educador Lourenço Filho para elaborar a reforma da instrução no Ceará. O objetivo era romper o empirismo com o qual se tratava o assunto. Para nortear este processo foi produzido, em 1923, o novo Regimento da Instrução Pública do Ceará. Em 1924, com a saída de Lourenço Filho da Diretoria de Instrução Pública do Ceará, a reforma se descaracteriza e todo esforço perde o sentido.
Na revolução de 30, Carneiro Mendonça foi nomeado como interventor do Ceará (1931-1934). Nesse período, o Estado transferiu para sua tutela todas as escolas municipais e passou a cobrar 10% da renda dos municípios para custear a educação. O número de escolas cresceu em 26% e, a despeito da cobrança aos munícipios, o valor consignado para a educação foi reduzido de 18,03% para 10,81%.
Na década de 40 a educação primária, no Brasil, a educação continuou funcionando ainda no modelo antigos permanecendo basicamente os dois tipos de escola: escolas isoladas e escolas reunidas.  
Vale considerar que ao longo da nossa existência fomos distrito do município de Lavras da Mangabeira, Umari e Baixio. Atravessamos todas as querelas políticas e territoriais até chegarmos a nossa elevação a município independente na década de 50. É possível que nos registros dessas prefeituras ainda existam informações sobre educação que poderiam nos interessar.  
De onde temos registro até os anos 50 quando foi fundado o Grupo Escolar Dom Francisco de Assis Pires, Ipaumirim  conviveu basicamente com escolas isoladas.
A escola isolada caracterizava-se por uma organização muito precária, multisseriada, com alunos em diversos graus de adiantamento numa só sala, um só professor atendia de quarenta a cinquenta alunos. Funcionava em prédios improvisados, faltava material, a fiscalização quando porventura existia era muito precária e faltava estímulo ao professor. Eram instituições típicas de áreas rurais e de núcleos com pequena densidade populacional. Sua finalidade era ensinar a ler e a escrever e a realizar as operações matemáticas básicas. As escolinhas rurais que identificamos em nosso texto anterior sobre as nossas primeiras escolas enquadram-se nesse perfil. Aquelas que se localizavam nos sítios ainda eram mais precárias do que as que localizavam na sede dos distritos, no caso Alagoinha e Felizardo. As escolas localizadas nos sítios funcionavam a gosto do dono da propriedade que determinava quem poderia estudar. Eram escolas para parentes e amigos.
As escolas isoladas perduraram até a década de 50 no núcleo urbano do nosso município e funcionaram paralelamente ao grupo escolar instalado em 1954, algumas resistiram precariamente até os anos 60.  
Nos arquivos de Zenira Gonçalves Gomes, ela fala em algumas professoras municipais na década de 40, em Ipaumirim, mas não identifica as escolas. Sabe-se entretanto que tanto as escolas privadas e/ou públicas que porventura existiram eram escolas isoladas, não contavam com instalações próprias e funcionavam na própria casa do(a) professor(a).
Neste momento,  vamos falar exclusivamente da Escola Isolada de Ipaumirim. O texto que se segue é da lavra de Maria Zenira Gonçalves Gomes, professora desta escola.
ZENIRA GONÇALVES GOMES
 “Foi no dia 17 de outubro de 1945 que recebi por intermédio do saudoso e querido Dr. Arruda, a minha nomeação de professora para a Escola Isolada de Ipaumirim. Cheguei aqui, em novembro para assumir minha cadeira. Tudo me era estranho, desconhecido. Caía sobre os meus ombros a pesada cruz da responsabilidade. Eu era jovem ainda; tinha terminado o meu curso de professora no Colégio Santa Tereza de Jesus, no Crato, no ano anterior. O meu ideal estava realizado - ser professora sempre foi o meu maior desejo. Jamais pensei que ser “mestra” fosse tão duro e tão espinhosa esta estrada. Joguei o barco ao mar e esperei a volta. Iniciei a luta. Embora a data  da minha nomeação seja de 17 de outubro de 1945 , a minha efetivação como professora da escola só ocorreu em 23 de setembro de 1948.
Comecei com toda coragem, entusiasmada mesmo. Procurei, desde os primeiros dias do magistério, cumprir com o meu dever.
A Escola Isolada de Ipaumirim ficava na Rua Coronel Gustavo Lima, s/n. Funcionou por muito tempo na casa de uma comadre minha (Carlota Henrique), pessoa humilde que nos cedeu a sala de sua residência. A escola passou por muitas residências, todas perto da igreja, inclusive funcionou muito tempo em minha própria casa. Na sala funcionava a escola e minha mãe e eu ocupávamos o resto da casa. As salas eram muito pequenas, piso ruim e nenhum conforto. Eram poucas carteiras, uma mesa velha, um quadro negro usado e um relógio de parede. Os alunos traziam suas próprias cadeiras porque não havia carteira suficiente. O horário das aulas era 7h30m às 11h da manhã. Como as aulas funcionavam no período da manhã, durante a tarde eu dava aula particular para complementar nossa renda mensal. De início, o giz da escolinha era comprado por mim. Depois, organizei uma Caixa Escolar,  os alunos ajudavam na despesa do giz e no conserto das carteiras. Era uma média de 40 a 46 alunos matriculados distribuídos entre entre a série A, série B, série C, 2º e 3º ano. Só tinha eu de professora. A escola era mista. Com a continuação, organizei uma farda para os alunos que foi aceita pelos pais com muito boa vontade. As dificuldades eram vencidas pela amizade dos pais, pelo interesse dos alunos e com a ajuda da comunidade. Sempre procurei fazer tudo pela minha escola. Adorava meus alunos como se fossem meus filhos. Eles também me amavam, disso tenho certeza, através da sua amizade até hoje.
As dificuldades eram grandes, mas a compreensão e a boa vontade de todos ajudaram muito. Realizamos muitas festividades: cívicas, religiosas, sociais, dia das mães, dia do professor, dia dos pais, dia dos estudantes, entre  outras. Os passeios escolares  eram atividades  que agradavam muito. A cidade era pequena, sem festa e tudo era animação e novidade. O mês de maio dedicado a Nossa Senhora era um mês festivo, alegre e bonito na escola. Preparava-se um altar onde toda manhã, antes da hora do recreio, rezava-se a dezena do terço homenageando a mãe do céu. O altar era enfeitado com carneirinhos, flores e , barquinhos produzidos em papel cartolina com o nome de cada aluno. A escola era visitada pelos pais e por outras pessoas. Uma curiosidade era que durante o mês de maio os alunos se comportavam melhor e estudavam mais agradando assim a Nossa Senhora, aos pais e a mim. Essa tradição que acompanhou durante toda a existência desta escola foi transferida para o grupo escolar que absorveu a nossa escola no ano de 1954.
Foram meus alunos na Escola Isolada de Ipaumirim:   Ademir Pereira, Agostinho Ribeiro Neto, Alaíde Barbosa, Alaíde Viana,  Aldeíde Gomes Lemos, Almir dos Santos, Alzira Victor, Amazonina Nogueira, Ângela (Anjinha) Albuquerque, Antônio Macedo,  Atualpa Nogueira, Célia Serra, César Serra, Cira Crispim, Ciro Crispim, Claudenor Henrique, Crisantina Bonfim, Deusa Batista, Diva Sobreira, Expedita Pinheiro Barbosa, Flávio Lúcio Beserra de Oliveira, Francimar Gonçalves, Francisca Dantas, Francisca Jorge, Francisca Ribeiro,    Francisco Farias, Genilda Macedo, Geraldo Nery,  Gilberto Dore, Giselda Feitosa, Giseldina Macedo, Guiomar F Campos, Hilda de Souza, Ilca Henrique,  Ivonete Albuquerque, Jacira Saraiva, Jarismar Gonçalves, João Bosco Macedo, João Bosco Pontes, José Ferreira, José Ribamar, José Macedo Filho, José Nery, José Pereira,  José Sílvio, Josefa Pereira, Josefa R. Lima, Letícia, Ilca Henrique, Libertí Lopes, Lídia Barbosa, Luciano Barbosa,  Luiz Albuquerque, Luzanete Freitas, Manduca Crispim, Manoel Batista, Maria Augusta Barros, Maria Barbosa, Maria da Conceição, Maria da Paz, Maria Dantas, Maria das Dores Duarte, Maria de Deus Moura, Maria do Céu Batista, Maria do Socorro Duarte, Maria do Socorro Felinto, Maria do Socorro Henrique, Maria do Socorro Jorge, Maria do Socorro Lustosa, Maria do Socorro Moreira, Maria do Socorro Nóbrega, Maria do Socorro Pires, Maria do Socorro Ribeiro, Maria do Socorro Sousa, Maria Gessília, Maria Glaydson Araújo, Maria Gonçalves, Maria Jorge Pereira, Maria Luiza Leite da Nóbrega, Maria Nazaré Crispim, Maria Nery, Maria Ribeiro, Marinete Ribeiro, Natércia Bonfim, Nery (de Seu Isidro), Nenenzinha Cavalcanti,  Nilda Almeida Barbosa,  Nilton Gonçalves, Odete Freitas, Ofélia Sousa, Onivaldo Viana, Raimundo Chagas, Raimundo Ferreira, Raimundo Paulo, Sebastião Pires, Selma Batista, Seni Batista, Silvani Ribeiro, Terezinha Ramos, Terezinha Silva, Terezinha Sobreira, Valdemir Pontes, Valmiro Dantas, Valmiro de Souza, Vilani Leite da Nóbrega, Zefinha Pereira, Zélia Ribeiro, Zeneide Ferreira,  Zenilda Gonçalves e muitos outros que me fogem da memória.
Muitos espinhos encontrei no caminho, muitas pedras foram colocadas na minha estrada, mas, com a graça de Deus venci tudo. Atendi sempre aos alunos e aos pais com muita dedicação, consideração e respeito.
A nossa escola durou nove anos (1945-1954). Nove anos de luta , mas eu era feliz e via no olhar dos meus alunos a felicidade. Tudo fiz por eles, cumpri o meu dever de educadora, amava e era amada. Cheguei ao fim da minha 1ª fase de educadora quando a escola isolada foi absorvida pelo Grupo Escolar Dom Francisco de Assis Pires, em 1954, onde iniciei a minha 2ª fase  como diretora da nova escola. 
MARIA ZENIRA GONÇALVES GOMES
CAPA DO CADERNO DE CHAMADA
CONTRA CAPA DO CADERNO DE CHAMADA
LISTA DE CHAMADA

Zenira e os alunos da Escola Isolada de Ipaumirim. 1946.
Arquivo Zenira Gonçalves Gomes.


Zenira e os alunos da Escola Isolada de Ipaumirim. 1952.
Arquivo Zenira Gonçalves Gomes.

 CADERNO DE ANOTAÇÕES DE ZENIRA GONÇALVES GOMES. Sem data.

DEPOIMENTO DE ZENIRA A MARIA LUIZA NÓBREGA DE MORAIS. JANEIRO DE 2009
BIBLIOGRAFIA
GOMES, Maria Zenira Gonçalves. Histórico da minha vida de magistério. Arquivo particular. Manuscrito, sem data.
_____. Depoimento a Maria Luiza Nóbrega de Morais. Janeiro de 2009.
SOUSA PINTO. Instrução Pública Primária do Ceará: Regime Colonial, Regime monárquico, Regime Republicano. Revista do Instituto do Ceará, 1939. Disponível em: https://www.institutodoceara.org.br/revista/Rev-apresentacao/RevPorAno/1939/1939-Instrucao_Publica_Primaria_do_Ceara.pdf. Acesso em 08.09. 2019. 

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