MLUIZA |
Hoje,
vamos conhecer um pouco sobre os primórdios da educação em nosso município.
Agradecemos a José Henrique Silva sua disponibilidade e esforço para nos ajudar
a construir a memória da educação de Ipaumirim. Aos 95 anos e ainda muito
lúcido nas ocasiões em que conversamos, nos propiciou o acesso a informações
tão importantes. Agradecemos ainda a Jarismar Gonçalves de Melo que contribuiu
com importantes informações sobre este tema e a todos que de maneira direta ou
indireta ajudou-nos neste resgate. A biografia de Francisco Matias Rolim e as
informações do livro ‘Em família’, de Cineide e Mundinha Vieira, foram obras
fundamentais nessa construção.
JOSÉ HENRIQUE SILVA |
Quase
nada se sabe sobre os primórdios da educação em Alagoinha. As lembranças de
José Henrique Silva e Jarismar Gonçalves nos socorrem no resgate do que teriam
sido as primeiras escolas do povoado de Alagoinha. Além destas escolas, outras
podem haver existido mas não encontramos registros disponíveis que comprovem
sua existência.
A
primeira escola que Zé Henrique se lembra deve ter funcionado entre o fim dos
anos vinte e começo dos anos trinta do século XX. Ele não lembra exatamente a
data mas as referências de suporte remetem a este período. A escolinha localizava-se
na atual Rua Coronel Gustavo Lima nº 40, antiga Rua da Sombra, ao lado da
igreja. Ele teria, na época, mais ou menos cinco anos de idade. O professor chamava-se Sonsoni, forasteiro que
ali chegou, mas ele não lembra de onde nem quem o trouxe até Alagoinha. Na casa
vizinha existia uma outra escola cujo nome do professor ele também esqueceu mas
sabe, com certeza, que também era de fora. Estas duas escolas funcionavam nas
residências dos professores que, embora vizinhos, não se falavam entre si e nas
horas vagas viviam nas janelas de suas casas/escolas observando a rua. Uma das
escolas era paga pela prefeitura de Lavras da Mangabeira, município ao qual o
povoado pertencia naquela época mas ele não lembra qual das duas.
Na Rua
do Sol, atual Rua Alexandre Gonçalves da Silva nº 191, perto do comércio local
do povoado, funcionava a escolinha do Mestre Paulo Galvão. Ele era alto, magro
e estrábico. José Henrique também não lembra de onde ele veio. Na sua escola, o
professor criou um curioso método de disciplina para controlar a presença dos
alunos na sala de aula. Cada aluno tinha uma pedra própria que o representava.
Se não estava a pedra, não estava o aluno. Se, por acaso, o aluno precisasse
sair momentaneamente da aula, deixava a pedra no seu lugar para certificar que
ele voltaria. A escola era rudimentar, os alunos sentavam-se em cadeiras. Não
havia cartilha nem mesas. As aulas constituíam-se da aplicação de ditados, o
professor dizia letra por letra e as crianças copiavam e ainda de aulas de
aritmética básica. Aos sábados, tinham as sabatinas de aritmética e muita
palmatória para aplicar ‘bolos’ nos alunos que não conseguiam responder
corretamente as operações básicas de somar e diminuir. Os alunos eram todos
residentes no povoado. Entre eles, Zé Henrique lembra dos filhos de José
Ferreira Barros (Seu Barrim) e dos colegas Chico Mariano e Clóvis de Solón.
Depois
desse professor, surgiu, na década de trinta,
a escola da Professora Francisquinha. Ele lembra que ela era alta,
gorda, morena de cabelos compridos e usava sapatos fechados.
DONA FRANCISQUINHA E
SEUS ALUNOS.
Arquivo Socorro Sousa
(Socorro de Nair). Gentilmente cedida. Alunos identificados:
Josa de Nair, Nair
de Josa, Altair, Prato de Barro, Centor Victor e Luidio Barbosa.
|
Mostrei
a foto a Zé Henrique mas a sua limitada visão não lhe permitiu identificar os estudantes.
A escola funcionava no início da Rua Coronel Gustavo Lima, nº 10. Dona
Francisquinha também não era da localidade.
Depois,
teve uma outra escola da Professora Anamélia que ele acha que veio do Cedro mas
não lembra detalhes nem onde ficava essa escola. Acredito que ficava na
imediação das demais porque o povoado só tinha praticamente as duas ruas
principais: a Rua da Sombra e a Rua do Sol.
Zé
Henrique lembra, sem precisar a data, de um outro professor que teve escola em
Alagoinha. Chamava-se Arnoud Jaime de Medeiros, alcóolatra, boêmio e gostava de
cantar. Oriundo de Massapê-CE, ele chegou
em Baixio de trem e seguiu a pé para Alagoinha
acompanhado de um sanfoneiro e duas prostitutas. Na época, os viajantes comerciais
já frequentavam o povoado e eram hóspedes da pensão de Dona Santinha Barros
(mãe de Jáder Barros popularmente conhecido como Bereco). Nessa noite, estavam
fazendo uma serenata. Pela madrugada, o professor Arnaud entra na cidade
cantando ‘Sei que é covardia’, de Ataulfo Alves. Encontrando-se com os viajantes seresteiros o grupo amanheceu o
dia na farra. Arnaud gostou do povoado e
ali instalou a ‘Escola Modelo’ que ficava na atual Rua Coronel Gustavo Lima nº
64.
Quando
se instalou, o professor trouxe sua família, mulher e filhos, duas meninas e um
menino, que estavam em Baixio para residir em Alagoinha. Essa foi a primeira
escola da localidade que teve nome próprio. Anteriormente, as escolas eram
conhecidas pelo nome do professor.
Professor Arnaud foi sargento da marinha, sabia muito português, falava
francês e tinha um inglês fluente. Era um sujeito bem humorado, um
extraordinário orador e impressionava a comunidade pela sua eloquência onde
quer que se apresentasse. A escola
funcionava na própria casa onde morava. Embora as salas fossem multiseriadas, já
havia um conteúdo definido para casa série. Eram estudadas as seguintes
disciplinas: português, aritmética, história e geografia. Ex-militar, era um
exímio conhecedor da ordem unida e implantou na sua escola um batalhão de
meninos e meninas. A farda era similar a um traje militar. Os meninos de paletó
com botões dourados, quepe e palas. Para as meninas, o traje era basicamente
igual com a diferença do uso de saia. No pelotão, primeiro vinham os meninos e,
depois, as meninas. O professor tinha lá
suas mil e uma artes. Também era mágico e frequentador assíduo de um ponto de
jogo do bicho localizado na Rua Coronel Gustavo Lima nº 166 defronte ao antigo
largo da feira, atual Praça São Sebastião. Prof. Arnaud foi embora do povoado porque
Luiz Barbosa apaixonou-se por uma de suas filhas, Maria do Céu. Para livrar a
filha do assédio ele retirou-se com a família para a cidade de Cedro.
Nos
anos vinte, funcionou durante dois anos na residência de Vicente Felizardo
Vieira, no Sítio Pintadinho, uma escolinha de alfabetização que funcionou na
sua própria casa durante dois anos. A professora chamava-se Gabriela e veio de
Fortaleza.
Quando
veio morar em Olho d’Água do Melão, Vicente Felizardo continuou com a escolinha
e trouxe outra professora chamada Naninha, também vinda de Fortaleza, para
ministrar aulas. Posteriormente, veio substituí-la um professor de Lavras da
Mangabeira chamado Silva Ramos. Nesta escola, estudaram Luiz Antônio Gonçalves
que foi hóspede de Vicente Felizardo durante dois anos, José Joaquim Rolim
(Zuca Rolim), e Francisco Teixeira Lima oriundo do Sítio Cajazeirinha.
Fonte
da imagem: CHAGAS, Maria Flaucineide Vieira;
ROLIM, Raimunda Vieira. Em familia.
2004. Pp. 96-97
Nos
anos 40, em Alagoinha, funcionou uma escola cuja professora chamava-se Dona
Francisquinha Nunes, irmã de Maria Nunes casada com Miceno Alexandre. Elas eram
naturais de Aurora. Dona Francisquinha casou com Dr. Jorge de Sousa, advogado, que chegou em Ipaumirim na mesma época de Dr.
Arruda, na década de 40, e foi professor do antigo Colégio XI de Agosto. A
escola era pública, municipal e mista porém com turnos diferenciados para
meninos e meninas. A escola era mantida pela Prefeitura Municipal de Baixio a
quem pertencia o distrito de Ipaumirim, anterior Alagoinha.
Entre mediados
dos anos trinta e início dos anos quarenta já existiam várias e improvisadas escolinhas
rurais que funcionavam nas residências dos proprietários de terras. Geralmente ensinavam
o alfabeto, a soletrar as palavras, e
as operações aritméticas mais simples de soma e subtração. No Sítio Unha de Gato, existia uma escolinha
instalada na sala da casa de Manu Alexandre. Tinha uma mesinha e cadeiras para
os alunos que eram todos filhos de proprietários rurais naquela área. A
professora chamava-se Dona Juju, cunhada de Manu, irmã de sua mulher Maria
Bezerra. Nesta escolinha estudaram os filhos de Manu, Zita, Zenóbia e Tonhito,
Olival conhecido como ‘biroba’, filho de Cícero Saraiva, Gilson, filho de Luiz
Gonçalves, Jarismar Gonçalves, filho de Alexandre Gonçalves, e as filhas de
Luiz Antônio Gonçalves, Luizinha e Luizete. Nesta área, funcionaram também outras
improvisadas escolinhas. Uma delas no Sítio Barra onde estudaram Jarismar
Gonçalves, Alderi Gonçalves, Gessi, Maria Gecília, Dominguinhos Nery, entre
outros. Outra escolinha funcionou na
casa de Louzinha Gonçalves cuja professora se chamava Doralice, esposa de
Vicente Gouveia. Ainda no Sítio Barra,
funcionou a escolinha do Professor Norberto oriundo do Sítio Carnaúba. Aos
sábados, este professor aplicava a famosa sabatina assistida por uma
palmatória.
A
sabatina ou argumento, de maneira geral funcionava assim: o próprio mestre não
aplicava o ‘bolo’ aos alunos mas delegava esta tarefa ao seu colega mais
preparado que lhe aplicaria a punição. De palmatória na mão, o mestre ou a
mestra interrogava o primeiro aluno. A medida que os alunos iam sendo nomeados,
quem acertava livrava-se do castigo. Quando o aluno não sabia a resposta, a
pergunta era passada ao aluno seguinte. Se este acertasse, aplicava o castigo ao aluno anterior que não
soube responde-la. E assim, prosseguia o jogo da aprendizagem animando
geralmente os sábados das escolas.
No
Sítio São Pedro, na residência de Luiz Leite da Nóbrega, também existiu uma
escolinha onde Maria de Lourdes Batista
(Maurde) foi professora. Não sei se existiram outros professores na
escola do Sítio São Pedro mas considerando a data do nascimento da minha mãe,
Maria Eunice, em 1927, e que esta foi alfabetizada na escolinha do sítio indo
logo iniciar o curso primário no Colégio
Nossa Senhora de Lourdes, em Cajazeiras quando este já esta sob a administração
do Instituto Santa Doroteia, portanto, após 1928, esta escolinha deve
existido nos anos iniciais da década de
trinta.
Neste
mesmo período, funcionou no Distrito de Olho d’Água do Melão a Escola Isolada
de Felizardo no prédio conhecido como Quarto da Aliança. A professora chamava-se
Raimunda Bezerra Vieira (D. Mundosa), natural do Sítio Machado, município de
Várzea Alegre. Dona Mundosa foi a primeira esposa de Francisco Felizardo Vieira
(Chico Felizardo).
Dona Mundosa e amigas de Ipaumirim. Ao lado, sua irmã Vina.
Fonte
da imagem: CHAGAS, Maria Flaucineide Vieira
ROLIM, Raimunda Vieira. Op. cit p.87
A
escola atendia alunos na faixa etária entre sete e catorze anos de idade e
oferecia classes desde a alfabetização até o 4º ano primário. Contava com
recursos muito limitados: quadro negro, giz, mesa do professor, régua,
palmatória e algumas carteiras. Ali eram oferecidos conhecimentos básicos de
português, as quatro operações aritméticas, atividades cívico-literárias, entre
outras eventuais. A fiscalização da escola era realizada pelo Delegado Regional
de Ensino, José Militão de Albuquerque, residente na cidade de Cedro-CE.
Entre
outros, foram alunos de Dona Mundosa: Rosa Pinheiro Torres (Rosa de Babia),
Terezinha de Bárbara, Adalva Dias Vieira, Nenzinha, Maria Vieira Lustosa
(Dondon), Altamira Rolim Dias, Luiz Moreno Rolim, Chico Mangueira e Alda Vieira
Lisboa.
FICHA DE ALUNO MATRICULADO
Fonte
da imagem: CHAGAS, Maria Flaucineide Vieira
ROLIM, Raimunda Vieira. Op. cit p.114.
Francisco
Matias Rolim (Chico Rolim) conta-nos que seu pai, Matias Duarte Passos, teria
ensinado a ler aos habitantes do Sítio Melão. Pelas referências, pode-se
inferir que provavelmente isto teria acontecido no período entre a segunda
metade dos anos dez e o começo dos anos vinte. Entretanto, a obra não dá
detalhes de como funcionava essa atividade de professor. Em 1930, aos oito anos
de idade, Chico Rolim começa a frequentar uma escolinha cuja professora era sua
irmã Teté. A escola funcionava em sua própria casa. Onde nos ensina a soletrar: “bê com a bá, bê
a bá...
A
pesar de ter frequentado esta escola por apenas três meses, ele nos descreve
minuciosamente como foi o seu próprio código de entendimento do alfabeto.
“Começou
quando me disseram que o A era uma canga de porco. Daí para a frente, à medida
que eu ia individuando cada sinal gráfico, construía minha própria explicação
para não esquecê-lo nunca mais.: o B é um menino duas vezes buchudo, o C é uma
roçadeira sem cabo, o F é uma foice mal feita, o G é um sujeito que, de tão
gordo, abriu a barriga, o H é uma cancela só com a trava do meio, o I é um
mourão, o J é um anzol esperando o peixe, o O é a boca de um cachimbo, o Q é um
gato de pé com o rabo por lado, o S é uma cobra se enrolando, o T é um mourão
com a trave em cima, o V é um boi de chifre grande, O X é uma cruz em pé e de
pernas do mesmo tamanho...” (DUARTE, Sebastião Moreira. Do miolo do sertão.1998.
p. 22.)
Nos
anos vinte, funcionou durante dois anos na residência de Vicente Felizardo
Vieira, no Sítio Pintadinho, uma escolinha de alfabetização que funcionou na
sua própria casa durante dois anos. A professora chamava-se Gabriela e veio de
Fortaleza.
Quando
veio morar em Olho d’Água, Vicente Felizardo continuou com a escolinha e trouxe
outra professora chamada Naninha, também
vinda de Fortaleza, para ministrar aulas. Posteriormente, veio substituí-la um
professor de Lavras da Mangabeira chamado Silva Ramos. Nesta escola, estudaram
Luiz Antônio Gonçalves que foi hóspede de Vicente Felizardo durante dois anos,
José Joaquim Rolim (Zuca Rolim), e Francisco Teixeira Lima oriundo do Sítio
Cajazeirinha.
Na
década de quarenta existiu ainda uma escolinha rural no Sítio Baixio do Meio na
residência de Vicente Benedito.
Outras
escolinhas podem ter existido em outros sítios e mesmo no povoado funcionando
em precárias condições.
As
escolas públicas municipais que porventura tenham existido em Ipaumirim seriam
custeadas em diferentes períodos por Lavras da Mangabeira, Umari e/ou Baixio a
quem nosso município pertenceu antes de ser independente. Embora existissem em
Ipaumirim, só podemos falar em escolas públicas sob responsabilidade desta
municipalidade a partir deste momento. Vale registrar que estas escolinhas,
públicas e/ou privadas tinham muito mais semelhanças do que diferenças.
Por
volta de 1943, Luiz Barbosa, José Macedo
e Adolfo Augusto de Oliveira contrataram
uma moça chamada Elza Bernardino, filha de Seu Osório, gerente da Sousa
Fernandes, para ministrar aula aos seus filhos: Laíre e Lenira , filhas de Luiz
Barbosa, José Macedo Filho e Juarez, filhos de José Macedo, e José Gerardo, filho de Adolfo. As aulas
aconteciam no sobrado de Isidro Nery na esquina da atual Praça São Sebastião.
Na
próxima etapa deste levantamento vamos tratar do antigo Colégio XI de Agosto
fundado por Dr. Francisco Vasconcelos de Arruda, da Escola Isolada sob a
direção da Profa. Zenira Gonçalves e do Educandário Municipal de Ipaumirim.
BIBLIOGRAFIA
CHAGAS, Maria Flaucineide Vieira; ROLIM, Raimunda Vieira. Em família. Cajazeiras. Gráfica Real. 2004, 175 p.
CHAGAS, Maria Flaucineide Vieira; ROLIM, Raimunda Vieira. Em família. Cajazeiras. Gráfica Real. 2004, 175 p.
DUARTE, Sebastião Moreira. Do miolo do sertão: a história de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Rolim. João Pessoa.Grafset Editora. 1998. 261 p.
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