MLUIZA |
Hoje, iniciamos a série sobre EDUCAÇÃO EM IPAUMIRIM. Não obedeceremos a cronologia porque é uma pesquisa bastante trabalhosa e vamos produzindo o
material conforme os dados que já temos coletados.
Eu sou uma pessoa que
acredita em contextos e processos portanto, para mim, tudo é resultado de uma construção e nada
nasce no exato momento em que se materializa. Entretanto não se pode negar a
importância fundamental de personagens que idealizam, negociam e lutam
coletivamente para que as coisas aconteçam. Sua principal habilidade é
transformar seu ideal num projeto coletivo porque só assim se torna possível
transformar a sociedade. Esta etapa que compreende a fundação do Centro Educacional XI de Agosto será subdividida em três fases. Os antecedentes a partir de onde nascerá o XI de Agosto, a criação do colégio e ainda uma galeria dos principais personagens que colaboraram de forma mais expressiva para este projeto.
Quero
dedicar esta série ao Prof. José Nery Vieira (Anchieta) um dos diretores desta
escola que já não está entre nós e que, todas as vezes que vou a Ipaumirim,
ainda me faz muita falta a sua
interlocução inteligente e os nossos acirrados embates políticos sobre as
questões locais. Escolhi especialmente esta foto de Anchieta que foi por mim tomada na calçada da nossa casa em Ipaumirim.
José Nery Vieira (Dr. Anchieta) |
ANTECEDENTES DO CENTRO EDUCACIONAL XI DE AGOSTO
Felipe Tiago Gomes |
Para
entender o que significou a fundação do Centro Educacional XI de
Agosto, em Ipaumirim, vale compreender o
processo que lhe deu origem para
situá-lo no contexto de uma
proposta coletiva que a partir dos anos 40 começou a ser discutida e, aos
poucos, implantada no Brasil.
E
como tudo tem um início, tudo começou com um estudante secundarista, Felipe
Tiago Gomes, oriundo de Picuí-PB,
residente na Casa do Estudante de Pernambuco, na cidade do Recife. De
origem humilde, Felipe Tiago morava na
Casa do Estudante de Pernambuco onde colaborava prestando serviços administrativos
para seu melhor funcionamento. O jovem assumia a função de porteiro quando foi
convidado a trabalhar na biblioteca da casa. Lá, ele tem acesso a um
livro publicado em 1943 que fala sobre uma experiência educacional desenvolvida
em Lima, capital do Perú, no ano de 1920, pelo peruano Haya de La Torre. Para alfabetizar os índios peruanos, Haya
promove a experiência inédita de criar escolas de alfabetização para índios
tendo como professores estudantes que faziam isso gratuitamente. Felipe convoca
seus colegas secundaristas para uma reunião com a finalidade de discutir a
ideia e deste encontro surge o embrião
do que seria a CNEG/CNEC. Participam desta reunião os seguintes estudantes:
Carlos Luiz de Andrade, Florisval Silvestre Neto, Joel Pontes e Eurico José
Cadengue, alunos das escolas públicas Ginásio Pernambucano e do Colégio Carneiro Leão. O grupo de
estudantes começa a efetivar sua proposta preparando alunos carentes para prestar exames de
admissão.
No
decorrer do tempo, a iniciativa teve
várias denominações: Campanha do Ginasiano Pobre (1943-1945), Campanha Nacional
de Ginásios Populares (1945), Campanha Nacional de Educandários Gratuitos –
CNEG (1946-1969) e finalmente Campanha Nacional de Escolas da Comunidade
(1970). A mudança de nomes reflete questões de natureza político-ideológicas
não apenas no sentido de lidar com a conotação depreciativa da palavra
‘pobreza’ na denominação inicial, mas
também com o sentido de desvincular politicamente a iniciativa de tendências e
linhas de pensamento específicas tornando-a mais assimilável pelo conjunto da
sociedade. O fato da campanha não ter uma proposta elitista e ter como objetivo
a população carente e ainda os interesses particulares na implantação de
colégios privados a partir da ideia do grupo foi um percalço que os jovens
estudantes tiveram que enfrentar para viabilizar a sua ousada inciativa.
Em
1944, a Campanha do Ginasiano Pobre funda seu primeiro colégio na cidade do
Recife: Ginásio Castro Alves instalado no Sindicatos dos Contabilistas funcionando no período noturno. À princípio, este colégio teve seu
reconhecimento negado pelo governo central. Os estudantes não desistiram e
seguiram, liderados por Felipe Tiago, uma longa luta para implantar sua
proposta. Usaram todas as estratégias possíveis para disseminar a ideia:
distribuíram folhetins em escolas e faculdades, usaram o teatro como aliado,
um grupo de teatro percorria bairros e cidades do Nordeste disseminando a
ideia, conseguiram espaço na imprensa, promoveram semanas de cultura, conquistaram
apoio político para a educação brasileira principalmente das classes populares sem
condições de acessar as escolas privadas.
Vale
lembrar que a campanha iniciou ainda no período do Estado Novo e desde que foi
criada foi-se ajustando às transformações políticas do país que incidiam sobre
a política educacional.
A
partir de 1946, no governo do Presidente Eurico Gaspar Dutra, ocorre uma
aproximação efetiva entre a CNEG e o poder público começando efetivamente sua expansão em vários
estados da federação com a implantação de escolas públicas no interior do país.
Anteriormente, estas escolas eram concentradas unicamente nas capitais. É neste
período que a iniciativa se firma como uma organização de ensino com estrutura
própria capaz de atender as demandas do ensino no que diz respeito à
infraestrutura, professores e funcionários e recursos públicos para financiar a
demanda.
Antes
da campanha iniciar no Ceará, Felipe Tiago Gomes esteve duas vezes em Fortaleza
em busca de apoio nos anos de 1948 e 1951. Nesta última visita buscou o apoio
do presidente da Casa do Estudante do Ceará, Aquiles Reis Mota, que aceitou o
convite mas nunca se importou com o projeto.
Em
1953, já haviam escolas da CNEG em Alagoas, Amazonas, Bahia, Distrito Federal,
Espírito Santo, Estado do Rio de Janeiro, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Paraíba,
Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Em 22 de julho de 1953, através do Projeto Nº 555
de 05.06.1951, o Congresso Nacional concede uma subvenção anual à CNEG no valor
de Cr$ 20.000,00 (vinte mil cruzeiros) por série instalada.
No
Governo de Juscelino Kubitschek, a CNEG tomou um novo impulso com maior aporte
de verbas. Entre os anos de 1956 e 1957 quando Sarah Kubistchek, esposa de
Juscelino, assumiu a presidência da
campanha intensificou-se o programa de
construção e ampliação da rede escolar.
No ano
de 1958 por iniciativa do próprio movimento no seu projeto de expansão da campanha
para os demais estados é que a CNEG chega ao Ceará. Na ocasião, foi fundada a Seção
Estadual do Ceará. Para realizar a campanha, Felipe Tiago busca apoio da Igreja
Católica através de Dom Antônio Almeida
Lustosa que, a despeito de ter seus
interesses na educação privada, apoiou o projeto, líderes estudantis, imprensa, personalidades
políticas e/ou vinculadas à cultura na cidade de Fortaleza. O comendador Luís Sucupira, diretor do jornal
O Nordeste, de estreitas ligações com a Igreja Católica foi incumbido de
representar a CNEG no Ceará. Importante registrar que a implantação da campanha em
diversas localidades teve interferência e/ou envolvimento direto dos padres. O
grupo que inicialmente se compromete com projeto da CNEG, no Ceará, é formado
por Paulo Sarasate representando a liderança estudantil, a imprensa e a
política, Luís Sucupira representando a Igreja Católica e a imprensa, Parsifal
Barroso representando a política e as lideranças estudantis e Aurimar Pontes,
jornalista e político, que cuidava da assessoria de imprensa do projeto
escrevendo artigos e disseminando ideias e informações de interesse
público.
Quando
a campanha se instalou no Ceará recebia subvenções através de verbas federais
destinadas ao setor local que distribuía um percentual por cada sala de aula.
Estas salas geralmente pertenciam aos grupos escolares que a cediam para a
campanha durante o período noturno. A
questão da ocupação dos espaços dos grupos ocasionou muitos problemas, celeumas
e atritos em vários estados ora
sacrificando a expansão do ensino primário ora desalojando praticamente os
grupos escolares para ocupação do seu espaço pelos colégios cenecistas.
A CNEG
era originalmente gratuita , mas quando chegou ao Ceará a sua receita já era
diversificada. Contava com subvenções federais, solicitação de verbas aos
estados e municípios e ajuda financeira dos próprios pais de alunos que embora
fosse simbólica ainda assim era complicada para segmentos da população que
viviam em extrema dificuldade e necessitavam oferecer aos seus filhos a chance
de estudar. É por este viés que se abre
uma nova vertente para a politicagem local chantagear e pressionar o eleitor
pobre com filhos na escola.
A CNEG
foi a principal responsável pela expansão do ensino secundarista no interior do
Ceará até então atendidos apenas por grupos escolares e/ou escolas isoladas
distribuídos pelas pequenas cidades.
Demandavam-se alguns procedimentos para a
instalação de uma escola cenecista:
a)
Criação de um setor municipal;
b)
Formação de
uma comissão que deveria se reunir com a comunidade para planejar a instalação
da escola. Esta comissão tem como objetivo negociar com as prefeituras locais o
uso de dependências de um grupo escolar onde o novo colégio passará a ocupar as
salas de aula no horário noturno e - quando for o caso - no espaço vespertino.
c)
A comissão deve conseguir a doação de um terreno
para construir sua sede própria.
d)
Preparar os alunos para o exame de admissão para
ingressarem no ensino ginasial.
Em 1960, no Ceará, existiam colégios cenecistas funcionando nas
cidades de Caucaia, Guaiuba, Iguatu, Ipueiras, Itapipoca, Mombaça, Morada Nova,
Santa Quitéria, Santana do Acaraú, Santana do Cariri, São Gonçalo do
Amarante e Várzea Alegre. Outros estavam
com seu pedido de licença em tramitação aguardando aprovação. Vale salientar
que a maioria deles por meio de reinvindicação encaminhada pela Igreja
Católica.
Em 1962, foi fundado o Centro
Educacional XI de Agosto, na cidade de Ipaumirim, pertencendo a 9ª Zona da
Seção Estadual que integrava ainda os municípios de Aurora, Baixio, Cariús,
Iguatu, Mangabeira e Várzea Alegre.
BIBLIOGRAFIA
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de. A Campanha Nacional de Educandários
Gratuitos (CNEG) e a nova organização escolar: histórias e memórias da
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FERRER,
Silvaniza Maria Vieira. A Campanha
Nacional de Escolas da Comunidade – CNEC e o “entusiasmo” pela educação
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SILVA, Ronalda Barreto;
FONSECA, Dayse da Costa Lima. A atuação
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(1953-1964). Disponível em: http://sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe2/pdfs/Tema7/0745.pdf
SILVA, Sílvia Tavares. A
Campanha Nacional das Escolas da Comunidade CNEC: sua trajetória e
alinhamento dom as políticas educacionais dos governos militares. V CONEDU.
Congresso Nacional de Educação. Olinda 1918. Disponível em: http://www.editorarealize.com.br/revistas/conedu/trabalhos/TRABALHO_EV117_MD1_SA3_ID6082_09092018212422.pdf
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