MLUIZA |
RELATOS DO COTIDIANO: SORORIDADE FEMININA
E como eu sou toda ouvidos e gosto de puxar papo, sempre estou disponível a uma boa prosa nos largos percursos de busão que se multiplicam em horas intermináveis no trânsito infernal.
Ontem, peguei os pacotes de uma senhora que vinha carregada de macaxeira e banana trazidas do interior.
Vestida com uma blusa de renda azul royal e uma leg de oncinha, minha companheira de viagem é absolutamente convencida que ela é ela e ninguém mais. Simpática e conversadeira, o assunto ‘homem’ entra na pauta. E quando resvala pra ex-marido pode se preparar que a conversa rende. Invariavelmente tem chifre no enredo. Chifre e corrupção são dois temas absolutamente ‘demodês’ . Demasiado vulgarizados foram excluídos do meu roteiro, mas a sororidade feminina demanda acolhimento ainda mais agora que ando bastante atenta a essa questão por conta da oficina de teatro que participo. Ando tão sensível que até beijo de novela me comove.
Ela é uma senhora de mais de 60 anos. Foi casada durante 32 anos com o mesmo homem. Até deixou que ele botasse um bar na sala de casa. Aguentou toda sorte de chifre quando descobriu que ele levava as clientes do bar para sua cama. Aí, já era demais. Separou, ele se mudou, mas não largou o bar e deu pra ter ciúme dela com um dos seus clientes.
A nova dupla fez uma amizade muito forte. Humilhada e ofendida, o novo amigo era um poço de compreensão e delicadeza. Todos os dias lhe trazia um agrado, uma maçã, umas uvinhas, uma saladinha. Era tudo que ela precisava. Um ano depois a amizade vira namoro. O ex não gostou e atirou um copo de cerveja na cara do rival. Ele aguentou firme mas mudou de bar e o romance desandou. O novo amor que até tinha feito com ela uma linda viagem ao interior, o melhor passeio de sua vida, foi passar um fim de semana em João Pessoa e sumiu. Não ligou mais nem atendeu o telefone.
- Eu fiquei roendo mas não dei o braço a torcer. Eu sou difícil, visse? Penso nele dia e noite, mas sou difícil. Tu não imagina o tanto de homem que tem atrás de mim, mas eu sou firme, difícil.
Vislumbro nessa dureza uma estratégia de autossugestão. Sabe quando vc está doidinha para fazer uma coisa que acha errada e tudo o que quer é alguém que seja simpático à transgressão das suas frágeis convicções? Pronto, é isso, pensei.
Outro dia, se encontraram numa barraca de praia. Foi um encontro emocionante, ele beijou, abraçou, adulou, botou-a no colo e a convidou para seu apê. Ela resistiu bravamente e voltou para casa chorando.
- Resistiu por quê? Não era isso que vc queria, mulher? A vida é curta, digo-lhe eu.
- Mas eu sou uma mulher de opinião.
Pensa um pouco e se derrete.
- Me acabo, tô doidinha pra voltar. Ele até deixou lá em casa uma cômoda velha de madeira preta e uma cadeira do papai. A mulher só deixou-lhe isso e uma geladeira esbagaçada quando se separaram. A geladeira não prestava e eu mandei ele jogar fora.
- Chama ele na tua casa pra vir buscar os troços que deixou contigo, quem sabe assim rola alguma coisa...., sugiro eu.
- Pois é... será?, responde-me já em dúvida se vale a pena ser difícil.
Desço na minha parada e deixo-a com seu dilema.
MLUIZA
12.08.2019.
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