ANOTAÇÕES SOBRE OS PRIMÓRDIOS DO FUTEBOL EM ALAGOINHA


Hoje, iniciamos a série FUTEBOL EM IPAUMIRIM: DÉCADAS 1940-1970 sobre as memórias do futebol desde Alagoinha. Chico Farias generosamente compartilha conosco as suas lembranças e os registros que conseguiu entrevistando antigos jogadores de futebol desta época. Agradecemos a generosidade de Chico e se você tem alguma informação sobre o tema e quiser compartilhar conosco é só enviar seu texto para o e-mail luizanóbrega_ufpe@yahoo.com.br.
MLUIZA


As informações que dispomos sobre a prática de futebol em Alagoinha/Ipaumirim, conforme o relato de José Henrique Silva,  remetem aos anos 1945/46. É possível que antes tenha acontecido alguma experiência nesse sentido mas, até o momento, não dispomos de informações sobre a existência da prática desse esporte no município em período anterior.

Zé Henrique que aos 96 anos ainda guarda detalhes desta época compartilha generosamente conosco as suas lembranças.

A temida e respeitada seleção de Alagoinha, naqueles distantes anos da década de 1940 jogava num improvisado campo de futebol localizado detrás da antiga fábrica de beneficiamento de algodão (caroço) do Sr. Luiz Barbosa,  onde também já funcionou um concorrido campo de vaquejadas. A fábrica era instalada na antiga Rua do Sol, atualmente Rua Prefeito Alexandre Gonçalves, nas imediações da atual praça Padre Cícero.  O campo, atrás da fábrica, ficava entre o antigo Beco de Custódio e a Rua das Flores.

O time contava com os atletas Neném; Buziga e Jairim; Vicente, Zé Pinheiro e Evilázio; Vicente Victor, Chico Santo, Jáder, Prato e Hilário.

Do elenco acima, identificamos nove  atletas, aqueles que são do município, ou vieram a ali se estabelecer:

JOSÉ HENRIQUE SILVA: conhecido como NENÉM, carinhoso apelido familiar, pelo qual ficou conhecido durante muito tempo na pequena localidade.  Filho de Cícero Bento e Dona Nena e casado com Dona Ivone Souza, o goleiro NENÉM, além do selecionado de Ipaumirim, atuou, também, em diversas oportunidades, nas duas equipes mais importantes de Cajazeiras-PB, o Clube Atlético Cajazeirense de Desporto e o União Futebol Clube, tendo este último, por diretor, o Sr. Eutrópio Cartaxo Sobreira, conhecido na década de 60 por ser o dono de um cinema na cidade de Ipaumirim chamado Cine São Sebastião, situado próximo ao antigo chafariz, num dos antigos armazéns da algodoeira de Luiz Barbosa nas imediações da Praça Padre Cícero. Neste mesmo prédio funcionou o Cine Rex de propriedade de Wilson Barros, também sobrinho do patriarca Barrim e irmão de Jairo e Jáder Barros, que integraram a equipe futebolística de que ora cuidamos. Wilson Barros foi casado com Jandira, sobrinha de Adolfo Augusto de Oliveira. O Atlético Cajazeirense de Desporto, conhecido como Trovão Azul do Sertão, foi fundado em 21.07.1948 sob o comando de  Higino Pires Ferreira. O time foi fundado a partir da fusão entre as equipes do Botafogo Futebol Clube, de Emi Maciel, e o clube Oratório Festivo Salesiano, importante clube social da época. Este time representa uma importante fase do futebol amador de Cajazeiras, que tem início com essa fusão e vai até os fins dos anos 50. Nesta época, Zé Henrique, entre outras atividades,  atuava também como rábula na região e eventualmente, na condição de convidado, jogou pela seleção de futebol de Cajazeiras.

BUZIGA: Da vizinha cidade de Baixio, era o único que não residia em Ipaumirim. Zagueiro de área pelo lado direito, foi um jogador totalmente diferenciado, pois, atuando numa posição, onde, até hoje, é comum a quem ali atua, na última linha de defesa, dar chutões para frente, ele nunca usou desse expediente. Sempre dominava as situações de perigo em sua área com uma incrível habilidade, com a bola no chão, nunca dando balões, saía trocando passes tranquilamente, como se fora, na verdade, um clássico meia de armação. Possuía ainda um enorme senso instintivo de colocação, estando sempre no lugar correto de posicionamento, de onde cortava as tentativas de ataque do adversário, e, ali mesmo, na zona próxima ao seu goleiro, já exibia sua enorme categoria para fazer a bola chegar, redondinha, sempre no chão, aos pés de um dos três jogadores de sua equipe que normalmente estavam posicionados para dar continuidade às jogadas: Zé Pinheiro, Chico Santo e Vicente Victor. Centor Victor, apesar de ponteiro, não tinha características de atacante agressivo como, por exemplo, Hilário, seu companheiro de equipe que atuava pelo outro lado do campo. Buziga acompanhou, em várias oportunidades, o goleiro Neném que o solicitava quando requisitado para jogar em outras equipes da região.

JAIRIM: Jairo Barros, era sobrinho de um dos primeiros a chegar ao município, o lendário Barrim. Jairim era um zagueiro seguro, discreto e bastante eficiente, com estilo de jogo que casava perfeitamente com o clássico companheiro Buziga, formando uma dupla de zagueiros afiada.

VICENTE PIRES: filho de Joaquim Pires e D. Belinha Lustosa. Trabalhando como fiscal do Estado do Ceará, anos  depois foi transferido para a cidade de Juazeiro do Norte. Dele, lembra Zé Henrique ter sido um jogador com algumas limitações, porém dotado de muita seriedade e aplicação na marcação dos ponteiros esquerdos adversários. Tinha o hábito de ficar durante o jogo cochichando aos ouvidos desses, invariavelmente, ameaçando-os quebrar-lhes as pernas caso tentassem alguma graça por aquele lado do campo.

ZÉ PINHEIRO: Forasteiro, não se tem referência de origem, ou destino. Jogava  um pouco à frente da grande área, sempre com muita eficiência e regularidade, demonstrando profundo conhecimento da sua posição.

EVILÁZIO: Primo de Jairim e Jáder, Evilázio era o filho mais velho de Barrim. Era outro jogador de estilo simples, discreto, que atuava sempre com produção regular, participando de forma positiva para o desempenho coletivo da equipe.

VICENTE VICTOR: filho de Cícero Victor e Etelvina conhecido como Centor, foi casado com Dona Ivone Brasileiro, filha do chefe político de Baixio, Cícero Henrique Brasileiro. Residiu por muito tempo na Travessa 14 de dezembro  na casa que antes dele pertenceu a Zé Macedo e que hoje pertence aos herdeiros  de Dr. Anchieta Nery.  Centor participava bastante do jogo coletivo da equipe, com ajuda permanente ao setor de meio de campo.

CHICO SANTO: forasteiro, não se tem referência sobre sua origem.  Meia direita, o atleta era considerado um jogador cerebral que recuava até a linha intermediária de seu próprio campo de forma centralizada. Chico Santo, que fazia a armação de jogadas da equipe, era um atleta de  técnica refinada e elegância no estilo. De seus pés, partiam os principais lançamentos para os gols dos atacantes.

JÁDER BARROS: na época conhecido pelo  jocoso apelido de BERECA, vindo, com o passar dos tempos, a ser alterado para BERECO. Jáder Barros, funcionário do Departamento de Expansão do Estado, que tratava de estatísticas e demais controles da produção da cultura algodoeira, era irmão de Jairim e primo de Evilázio, que, também, integravam a equipe. O centerfour Jáder era o infatigável goleador da equipe. Não possuía grande velocidade, nem um forte chute, o que facilita sobremaneira a quem se propõe a atuar como homem de referência do ataque de um time de futebol. Compensava, entretanto, com um inteligente posicionamento, que sempre o fazia aparecer no espaço e no tempo certo para fazer o gol. Jáder sempre chegava à frente em qualquer bola que sobrasse ali na zona de gol do adversário. Foi o maior goleador da equipe, fazendo seus muitos gols sempre com chutes sem potência, porém, colocados, fatais, tirando a bola com categoria do alcance dos goleiros. A força de definição da equipe, no ataque, ficava por conta dos atacantes Jáder, Prato e Hilário, que, à exceção de Jáder, sempre posicionado próximo ao goleiro adversário, eram extremamente velozes, destemidos e dribladores.

FRANCISCO DE ASSIS FERREIRA conhecido popularmente como PRATO DE BARRO, notável jogador da equipe local reconhecido em toda a região. Atacante forte, com bastante velocidade, potente chute com os dois pés, habilidoso para o drible e notável cabeceador, eram as características desse jogador.  Anos depois seria carinhosamente chamado pelos antigos companheiros como Prato-Pelé. Edson Arantes do Nascimento, Pelé,  estreou no futebol em 1957.   Prato era irmão de Altair e Josa de Nair.  Altair teve quatro filhos que foram notáveis jogadores profissionais do  Estado do Ceará:  Nena, Bodó, Zenon e Geraldinho, sendo este último, o atleta que maior número de gols marcou nos Estádios Romeirão, em Juazeiro do Norte, e Castelão, em Fortaleza. Geraldino Saravá, como ficou gravado nos anais do futebol cearense, é, também, o jogador que marcou mais gols na gloriosa história do futebol profissional do Fortaleza Esporte Clube.

HILÁRIO: Filho de Custódio, que dá nome ao tradicional Beco onde residia e mantinha seu comércio de carnes, ficou conhecido por seus conterrâneos como LAURO DE CUSTÓDIO. Hilário era o jogador de maior empatia com a torcida, tendo sido, na verdade, o grande xodó da galera, aquele que levava a alegria pelos dribles desconcertantes nos adversários, pela extraordinária velocidade com que conduzia a bola, sempre muito aberto pelo lado esquerdo do campo onde tinha preferência de atuar, bem próximo à marcação da linha lateral, buscando inteligentemente mais espaços para fazer o que mais apreciava, entortar os beques deixando-os, muitas vezes, estatelados no chão para delírio dos torcedores. Com dribles executados em alta velocidade, era um ponteiro praticamente impossível de ser marcado pelas defesas adversárias.

Na próxima etapa da série vamos falar da geração seguinte de Ipaumirim que atuou não apenas no município, mas nos campos da região, alguns deles profissionalizando-se em times maior.

FRANCISCO FARIAS
FORTALEZA
26.08.2019

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