ESCOLAS ISOLADAS DE IPAUMIRIM: APONTAMENTOS PARA CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA DO ENSINO PÚBLICO NO MUNICÍPIO

MLUIZA
No afinco de buscar informações para a construção da memória da educação em nosso município não vamos obedecer a uma cronologia embora o conjunto das informações compiladas e distribuídas em vários posts no decorrer do tempo ofereçam elementos para a construção dessa cronologia.
Neste momento, vamos tratar especificamente da Escola Isolada de Felizardo, fundada em 1934, e da Escola Isolada de Ipaumirim fundada em 1945. 

ANTECEDENTES DA INSTRUÇÃO PÚBLICA NO CEARÁ

A criação das escolas no Ceará foi regulamentada pela Carta Régia de 05/03/1755, portanto no século XVIII. (BRÍGIDO apud SOUSA PINTO, 1939)  Em 1759, instala-se na Capitania do Ceará a primeira escola de ler, escrever e contar. Eram os religiosos jesuítas os únicos encarregados do ensino oferecendo gratuitamente tanto a instrução primária quanto a secundária.  Após a reforma do Marquês de Pombal, com a expulsão dos jesuítas, é que a instituição das vilas passa a demandar, além dos cargos civis,  a criação de escolas. O Ceará descobre o ensino público a partir de 1800.
Durante o século XIX, o ensino de primeiras letras funcionava em classes multisseriadas, em escolas avulsas, na maioria das vezes em salas improvisadas na casa do próprio professor, totalmente sem material didático nem orientação pedagógica mesmo sendo os mestres nomeados e pagos pelo governo. Em 1891, no início do período republicano, o Ceará tem 10.388  distribuídos por 261 escolas, muitos problemas e pouco interesse a respeito do assunto. Na virada do século, pela lei n. 587, de 07 de julho de 1900, foram suprimidas 77 escolas e mais 13 em 1901. Das 336 que funcionavam em 1900, ficaram 246 escolas primárias.
Até o momento, não encontrei, no decorrer do século XIX, nenhum  registro  da existência de aulas e/ou professores onde estaria localizado o Sítio Lagoinha e suas imediações. Isto não significa que não haja remanescentes desta área rural que tenham tido acesso às letras nesse período. No município de Lavras, ao qual pertencíamos, há informações de nomeação de professores nos anos de  1827 (Padre Manuel da Silva Sousa), 1831 (Antonio Joaquim do Santos cujo salário era de 300$000), 1836 (Francisco Nunes Pereira), 1840 (Marciliano Lopes Benevides). Em 08.08.1856 encontra-se o registro de que foram criadas aulas de primeiras letras em São Vicente de Lavras. (SOUSA PINTO, 1939). Além disso, na vizinha Cajazeiras, Padre Rolim fundou a Escolinha da Serraria (1829) e a Escola de Cajazeiras (1836) que posteriormente, em 1843, se transformariam no Colégio Padre Rolim que se tornou referência em ensino no Nordeste. Além da Paraíba, o colégio de Padre Rolim recebia alunos de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte, Piauí e Maranhão. Mesmo mais distante, a cidade do Crato também pode ter sido uma opção de acesso ao ensino.
No século XX, os problemas da precarização do ensino continuam entre as escolas cearenses,. Entretanto, os discursos oficiais do novo apontam para um interesse ainda que incipiente sobre o tema.
Atravessam o século dois modelos básicos de escola pública remanescentes do período imperial: as escolas isoladas e as escolas reunidas. Ao pretender enfrentar os problemas, o governo republicano cearense publicaria dois documentos voltados para reorganização da educação primária no Estado: o Regulamento da Instrução Primária, de 13 de março de 1905, e o Regimento dos Grupos Escolares, de 07 de dezembro de 1906.
Em 1913, Franco Rabelo reconhece o problema da educação no Estado e sugere apresentar à Assembleia um projeto de reforma. Deposto, em 1914, foi-se o propósito da reforma e o Estado continuou com 403 escolas para atender 200.000 crianças em idade escolar.
Em 1916, existiam, no interior, 358 escolas sendo 81 em cidades, 88 em vilas e 189 em povoações e arraiais. Destas, funcionavam, de forma irregular,   apenas 196 com 7844 alunos matriculados e frequência média de 4.451. Em 1917, há um investimento na abertura de escolas que passam a ser 391 com um considerável aumento entre as localizadas em povoados e arraiais que passam a ter 223 unidades. As cidades recebem uma escola a mais e as vilas recebem duas. Esse esforço duplica o total de alunos matriculados que passa para 14.991
 mas a frequência média continua muito fraca, da ordem de 5.999. Em 1918, são 423 escolas, 89 nas cidades, 84 nas vilas e 250 nos povoados e arraiais. Com 15.293 alunos matriculados, a frequência tem um incremento considerável registrando a média de 10.824. (SOUSA PINTO,1939)
A década de 20 é marcada pelas reformas da educação no Brasil. Iniciam-se em São Paulo, seguida pelo Ceará, Bahia, Distrito Federal, Minas Gerais e Pernambuco.
O governo cearense de Justiniano Serpa traz, de São Paulo, o educador Lourenço Filho que tem importância fundamental na reforma da instrução no Ceará buscando romper o empirismo pedagógico dos métodos tradicionais de ensino. “A Reforma de 1922 teve como base a Lei 1953, que orientou a instrução pública do Estado do Ceará até 1935, trazendo uma outra concepção de ensino preocupada com as dimensões intelectuais, físicas, morais e cívicas modificando totalmente os métodos de ensino. Com o novo Regulamento da Instrução Pública do Ceará, de 02 de janeiro de 1923, inicia-se uma fase de construção de grupos escolares em Fortaleza e no interior.  Além de traçar métodos mais avançados, foram introduzidos conhecimentos de psicologia na concepção do novo modelo pedagógico. A reforma redefine toda a estrutura de suporte das escolas introduzindo conceitos e ações voltadas à organização do ensino. Foram construídas escolas de acordo com uma planta padrão fornecidas pelo governo, instalados cursos de férias inclusive com a participação de professores do interior. Houve ainda um aparelhamento da Escola Normal para atender às novas demandas.
Em 1924, com a saída de Lourenço Filho da Diretoria de Instrução Pública do Ceará, a reforma se descaracteriza e todo esforço perde o sentido.
Em 1931, a Interventoria Federal instalada no Ceará introduz novas alterações transferindo para o Estado todas as escolas municipais porventura existentes e passa a recolher 10% da renda dos municípios ao Estado para custear a educação.
No período do interventor Carneiro de Mendonça foram criados um grupo escolar na capital, seis escolas reunidas no interior, 365 escolas isoladas compreendendo, entre elas, 285 escolas rurais. Cresce em 26% o no. de escolas e, em 1933, é consignado 18,03% da receita do Estado para a instrução primária. No ano seguinte, esse percentual cai para 10,81%.
Na década de 40, a educação primária, no Brasil, ainda funciona basicamente ancorada em dois tipos de escola: escola isolada e escolas reunidas.
A escola isolada  tinha uma organização precária, multisseriada, com alunos em diversos graus de adiantamento, um só professor atendia de 40 a 50 crianças comprometendo uma expectativa ainda que mínima de qualidade de ensino. Funcionava em prédios improvisados. Faltava material, faltava fiscalização e faltava estímulo ao professor. O salário, inclusive, pago aos professores das escolas rurais era  inferior aos salários pagos nas escolas reunidas e nos grupos escolares que surgiram nas áreas urbanas. Esta modalidade de escola, popularmente conhecida como ‘escola da roça’ ou ‘escola rural’,  é típica de núcleos com pouca densidade populacional.
A escola isolada apresenta um grande diferença em relação às escolas reunidas. Os saberes ministrados eram distintos. O ensino nas escolas isoladas tinha como principal finalidade instruir, isto é, possuía como foco central aspectos intelectuais, como por exemplos, ler e escrever e realizar operações aritméticas básicas.
As escolas reunidas são escolas com poucas classes, o nº de alunos por classe é menor e os alunos se distribuem segundo o grau de adiantamento. O material é menos precário.
Pela reforma de Lourenço Filho, em 1922, as Escolas Reunidas localizam-se nas vilas ou cidades onde o número de escolas for de 2 a 6 e poderão funcionar, simultaneamente, em um ou em dois períodos, no mesmo prédio, entregando-se a direção a um professor que também é regente de classe. (OLIVEIRA, 2013)
Conforme o Regulamento da Instrução Pública proposto pela reforma de Lourenço Filho, fica clara a orientação para a abertura de grupos e/ou escolas reunidas.
“Art. 70 - Nas cidades e villas em que a população e escolar permitir o funcionamento de oito classes, ou mais, formarão ellas um grupo escolar, sob a direcção especial de um professor.
Paragrapho Único – O Governo preferirá criar os grupos ou escolas reunidas nas localidades em que já dispuzer de prédio, ou a Municipalidade o der, para o seu funcionamento, incumbindo-se esta de fazer a limpeza e a conservação do edifício, num ou noutro caso.” (OLIVEIRA, 2013)
O Grupo Escolar representa um avanço considerável na dinâmica da instrução primária sendo considerado instituição de prestigio. O prédio oferece mais condições de conforto e higiene trazendo para o aluno a noção de civilidade e progresso. O nº de alunos por classe é inferior às demais, os alunos se distribuem conforme o grau de adiantamento. Compreende, portanto, um espaço em que as crianças são distribuídas pela idade, nível de conhecimento em diferentes salas, em cada uma delas um professor diferente. O material é menos precário. Os conteúdos, métodos pedagógicos e organização escolar são superiores aos aplicados principalmente nas escolas isoladas. Se nestas o foco era instruir,  ensinar a ler, escrever e contar, nos grupos escolares, a preocupação era educar, promover comportamentos, condutas e hábitos  republicanos.
É nesse contexto que se instalam as escolas isoladas no município de Ipaumirim. 
CHAGAS, Maria Flaucineide Vieira; ROLIM, Raimunda Vieira. Em família. Cajazeiras. 2004. Edição do autor. 176p.

A primeira escola dessa categoria, entre as que dispomos de informação, é a Escola Isolada de Felizardo que funcionou entre os anos de 1934 e 1943 no Distrito de Felizardo num imóvel conhecido por ‘Quarto da Aliança’, local onde, na época, eventualmente se reuniam lideranças da região para dirimir sobre questões de interesse político. Era professora desta escola Dona Raimunda Bezerra Vieira, Dona Mundosa, esposa de Francisco Felizardo Vieira popularmente conhecido como Chico Felizardo. Nomeada por Lei Estadual para o magistério primário, Dona Mundosa lecionou entre os anos de 1934 a 1943. A instituição destinava-se a alunos na faixa etária entre 7 a 14 anos funcionando no sistema multiseriado abrangendo da alfabetização ao 4° ano primário. A escola era fiscalizada semestralmente por José Militão de Albuquerque, Delegado Regional de Ensino, residente na cidade de Cedro. A escola oferecia atividades manuais, cívico-literárias, musicais, dramáticas, entre outras iniciativas. O material didático resumia-se a um quadro negro, giz, mesa do professor, algumas carteiras escolares, régua e palmatória. Alguns alunos precisavam trazer sua cadeira porque não havia disponibilidade de assentos para todos. Na escola, ensinavam-se as quatro operações matemáticas, ler e escrever. Utilizavam-se sabatinas semanais com testes orais de soletração e também exercícios de cálculos aritméticos. Antes das aulas cantava-se o hino nacional e nas datas cívicas os seus respectivos hinos.  (CHAGAS; ROLIM, 2004).

   Zenira Gonçalves Gomes

A Escola Isolada de Ipaumirim  inicia suas atividades no ano de  1945.  Quem nos conta sobre esta escola é a sua professora, Zenira Gonçalves Gomes,  em depoimento manuscrito e aqui transcrito.  


“JOGUEI O BARCO AO MAR E ESPEREI A VOLTA. INICIEI A LUTA.”

 Foi no dia 17 de outubro de 1945 que, recebi por intermédio do saudoso Dr. Arruda, a minha nomeação de professora para a Escola Isolada de Ipaumirim. Cheguei aqui, em novembro, para assumir minha cadeira. Tudo me era estranho, desconhecido. Caía sobre meus ombros a pesada cruz da responsabilidade. Eu era jovem ainda; tinha terminado o meu curso de professora no colégio Santa Tereza de Jesus, no Crato, no ano anterior. O meu ideal estava realizado – ser professora sempre foi o meu maior desejo. Jamais pensei que ser “mestra” fosse tão duro e tão espinhosa fosse esta estrada.
Joguei o barco ao mar e esperei a volta. Iniciei a luta.
Comecei com toda coragem, entusiasmada mesmo. Procurei, desde os primeiros dias de magistério, cumprir com o meu dever.
Tomei conta da escola Isolada que me foi entregue. Nela, pouca coisa havia. Umas carteiras velhas, um quadro negro, uma mesa, um relógio de parede, também objetos usados. Lecionei vários anos na sala da minha própria residência e quando não queria que isso acontecesse, alugava salas de outras residências e pagava do meu bolso. O Estado nada oferecia; o próprio giz era comprado com o pouco dinheiro da Caixa Escolar para pelos alunos. Tudo era difícil. A coisa mais fácil naquela época era aluno. Minha matrícula atingiu vários anos a 40, 50 alunos. Parece mentira mas é uma pura verdade. Não havia outra professora do Estado e até professores municipais eram poucos. Eu tinha que atender as necessidades dos alunos. Tudo fiz para não ser grosseira com os pais que me procuravam. Atendia a todos. O meu interesse e esforço foram grandes demais em favor dos meus ex-alunos e da minha primeira escola. Comemorações cívicas, mês de maio, passeios escolares, tudo isto foram atividades feitas dentro do possível na E. Isolada de Ipaumirim, elevando assim o seu nome.
Sofri muito, trabalhei demais, mas, venci a primeira etapa do magistério, que aliás, foi também incluída nela aulas particulares no expediente da tarde com uma boa turma de alunos. Foram meus alunos naquela época: Agostinho   Ribeiro, Alaíde Barbosa, Alaíde Viana, Aldeíde Lemos, Almir dos Santos, Alzira Victor,  Amazonina Nogueira, Anginha Albuquerque,  Antonio Macedo, Atualpa Nogueira, Célia Serra, César Serra, Cira Sampaio, Ciro Crispim Sampaio, Claudenor Henrique, Crisantina Bonfim, Deusa Batista,  Diva Sobreira, Expedita Barbosa, Flávio Lúcio Bezerra de Oliveira, Francimar Gonçalves, Francisca Dantas, Francisquinha Jorge, Francisca Ribeiro, Francisco Farias, Genilda Macedo, Geraldo Neri, Gilberto Dore, Giselda Feitosa,  Gizeldina Macedo, Guiomar Feitosa, Hilda de Souza, Ilca Henrique, Ivonete Albuquerque, Jacira Saraiva, Jarismar Gonçalves, João Bosco Macedo, João Bosco Pontes, João Lourenço. José Ferreira, José Macedo Filho, José Pereira, José Ribamar, José Sílvio, Josefa Ribeiro, Letícia, Liberti Lopes, Lídia Barbosa,  Luciano Barbosa, Luiz Albuquerque, Luzanete Freitas, Maria Barbosa, Maria da Paz, Maria Dantas, Maria de Deus, Maria do Céu Batista, Maria Gessília, Maria Glaydson Araújo, Maria Gonçalves,  Maria Luiza Leite da Nóbrega,Maria Neri, Maria Ribeiro, Marinete Ribeiro, Nazaré Sampaio, Nenenzinha Cavalcanti, Nilda Almeida, Nilton Gonçalves, Odete Freitas,  Ofélia Souza,  Onivaldo Viana, Raimundo Chagas, Raimundo Paulo, Sebastião Pires, Selma Farias, Seni Farias, Silvani Ribeiro, Socorro Duarte, Dasdores Duarte, Socorro Felinto, Socorro Henrique, Socorro Jorge, Socorro Josué, Socorro Lustosa, Socorro Moreira, Socorro Nóbrega, Socorro Pires, Socorro Ribeiro, Socorro Sousa, Terezinha Ramos, Terezinha Sobreira, Valdemir Pontes, Valmiro Dantas,  Vilany Leite da Nóbrega, Zefinha Pereira, Zélia Ribeiro,  Zeneide Ferreira, Zenilda Gonçalves e muitos outros que me fogem da memória.
Foram nove anos de luta e de sacrifícios. Muitos espinhos encontrei no caminho, muitas pedras foram colocadas, na minha estrada, mas, com a graça de Deus, venci tudo. Cheguei ao fim da minha primeira fase de trabalho.
Em 1º de agosto de 1854 veio a segunda fase – criação do Grupo Escolar Dom Francisco de Assis Pires e a minha nomeação como diretora.
Zenira Gonçalves Gomes
(Excerto do depoimento Histórico da minha vida de magistério 1945 – 1973, Zenira Gonçalves Gomes)

Com certeza, outras escolas públicas existiram neste período e provavelmente eram escolas isoladas, municipais e/ou estaduais. Também é possível que tenham existido escolas particulares funcionando no mesmo padrão modelar de forma que este tema longe está de ser esgotado.
MLUIZA

Recife
03.06.2018 

BIBLIOGRAFIA
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CADERNO DE CHAMADA DA ESCOLA ISOLADA DE IPAUMIRIM

CAPA

LISTA DE CHAMADA 

LISTA DE CHAMADA, (Continuação)
 
CONTRACAPA DO CADERNO DE CHAMADA


 DEPOIMENTO ZENIRA GONÇALVES GOMES 

FOLHA 1 

FOLHA 2 

FOLHA 3 

FOLHA 4
 

 FOLHA 5

IMAGENS DE ARQUIVO PARTICULAR GENTILMENTE CEDIDAS POR ZENIRA GONÇALVES GOMES    

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