MLUIZA |
Amanheci com as galinhas. Seis horas e
eu já estava em ponto de bala. Acordei destemida. Deus ajuda a quem madruga. Tomei
uma decisão: vou ao centro da cidade. Hoje! Vamos à guerra. Venci a primeira
batalha. Consegui uma vaga de estacionamento. Estacionar no centro da cidade, aos
sábados, é um evento. Quase tudo ainda
fechado. Vai dar sete da matina e uma
trilha sonora já anima a Rua de Santa Rita. O centrão desabrochando ao lado da minha excelentíssima companhia. Eita que a autoestima foi longe. Além de mim, havia o jovem com o serviço de som
tocando funk e os pedintes que se instalam na calçada da igreja de Santa Rita.
Chegam cedo pra garantir o posto. Do jeito que as coisas andam já está faltando
calçada para abrigar tanta miséria. Só a
propaganda do governo diz que a crise não chegou aqui. É preciso muito zóião para abrigar tamanha
miopia. Logo, começam a abrir os pequenos comércios instalados em barracas. As
mulheres limpam as caixas para exposição dos produtos. Preparam-se para competir
com as lojas instaladas. Precisam ter preço, simpatia e apresentação. Mais adiante, abrem as lojas de bolsas. As
bolsas asiáticas movimentam o mercado também, aqui, na rua de Santa Rita. Pra
que tanta bolsa, meu Deus, num pais sem dinheiro? De todos modelos, cores,
estampas. As bolsas resistem indiferentes à estética. Fico pensando se as bolsas não levam dinheiro, de repente, podem lavar dinheiro. Naquelas bandas do cais de Santa Rita tudo é possível. Até dinheiro já choveu por lá. Abrem as lojas de bijou. Se existe igualdade, no mundo, ela
está nos produtos vendidos nas lojas de bijouterias chinesas. Todas vendem a
mesma coisa. Né por nada naum mas lembra o comércio da fé em pretensas denominações
cristãs. A feira do Mercado São José
começa cedo. Na volta, a bagunça de sempre. Fico admirando a beleza dos frutos
do dendê. Eu não conhecia. Muito prazer. Uma senhora pede paciência a um comprador.
Ele responde conformado: - Meu nome é espera. E,
como tal, ficou quieto, esperando. Eu pego minhas pinhas e vou em frente. Vez por outra, quando passo por ali, observo
turistas estrangeiros fuçando a feira na volta do mercado. Dessa vez, não vi.
Talvez porque era cedo. Nos restaurantes populares já se arriscam alguns
guisados. Desembarco na Rua da Praia atrás dos meus temperos. Eu não sei
cozinhar mas gosto de temperos. Puro fetiche. De repente, um monte de asiático
se alvoroça diante de uma loja mal a porta se abre. Entram em bando, animados e
na maior algazarra. Pensei: o que anda fazendo por aqui Kim Jong-un? Nada disso. Descobri
que existe, aos sábados, na loja em questão, uma pequena feirinha com produtos
frescos consumidos na alimentação dos asiáticos. Como gafanhotos na lavoura, em
fração de segundos consomem praticamente o estoque. Os produtos estavam
bonitos. Um nicho de mercado se abrindo em tempos de asiáticos e de crise.
Rodopiando ali mesmo nas bandas do mercado, vejo uma bacia com uns peixes meio
estranhos. Não resisto. Vou saber o que é. Apenas tubarão. Pequenos, com
certeza, filhotes. Pele lisa de cor cinza claro. O vendedor me mostra dentro
como a carne é limpa. Pergunto onde ele pegou. Perto de Suape, me responde. Quero
saber como se pesca tubarão. De anzol, ele me diz. Quero saber mais: detalhes
da pesca, quem compra, quem come. Com toda paciência ele me explica direitinho.
Não compro o tubarão mas agradeço a paciência. Esqueci de perguntar como se
prepara. Saio pensando se é lorota de pescador. Já são quase 10 horas da manhã. Uma
senhora arrasta uma criança que leva no braço uma boneca. Só mesmo mãe para
topar essas paradas no meio da multidão. O centro está verde e amarelo. Pensei que
era passeata de coxinhas. Depois, lembrei que tem copa do mundo. Acho que um
casamento cinematográfico de Neymar e Bruna Marquezine poderia emocionar muito
mais que os jogos do Brasil na copa. Entro numa loja. Meu menisco me anuncia que está na
hora de voltar pra casa. A rua está lotada. O calor grande. Uma fila insana
espera uma vaga para estacionar. Meu menisco tem razão. Está mesmo na hora de ir
embora.
MLUIZA
Recife
10.06.2018
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