VERDE QUE TE QUERO VERDE: APONTAMENTOS PARA IDENTIFICAÇÃO DA FLORA IPAUMIRINENSE (IX)

(CONTINUAÇÃO DO INVENTÁRIO DAS NOSSAS PLANTAS)

"Esta planta brotou do mel; com mel a arrancamos; nasceu a doçura…. .Eu te enlaço com uma grinalda de cana-de-açúcar, para que me não sejas esquiva, para que te enamores de mim, para que não me sejas infiel”. (Athravaveda,  texto sagrado do hinduismo, parte dos quatro livros dos Vedas: o quarto Veda)
  
 CANA DE AÇÚCAR - A cana de açúcar pertence a vasta família das gramíneas a qual inclui mais de 5000 espécies.  Foi na Nova Guiné que o homem teve o primeiro contato com a cana-de-açúcar. De lá, a planta foi para a Índia. A cana de açúcar chega ao Brasil trazida por Martim Afonso, em 1532, onde ele iniciou o cultivo e construiu o primeiro engenho. Foi no Nordeste, principalmente nas capitanias da Bahia e Pernambuco, que floresceram os engenhos.  Somente na metade do século XIX, com Dom Pedro II, foi produzido um programa de modernização da cana de açúcar. No Nordeste, depois de passar da Mata para o Agreste, a cana migrou para as manchas úmidas do sertão. Desenvolveram-se dois tipos de organização do trabalho: a grande lavoura voltada para a produção e exportação do açúcar, com o uso extensivo da terra e a pequena lavoura empregando mão de obra reduzida, voltada para a subsistência dos proprietários ou para o pequeno mercado regional e/ou local. George Gardner, naturalista escocês,que passou no Ceará, no século XIX, descreve o processamento da cana nos engenhos caririenses da época. 

Tive muitas ocasiões de ver nesse engenho, como se faz a rapadura. O engenho é de construção muito tosca, compondo-se de uma armação com três moendas verticais de pau, entre as quais a cana passa para se espremer o suco que se recolhe num receptor embaixo, donde escorre para um cocho escavado no tronco de grande árvore. Passa-se a cana três vezes para que extraia toda a garapa. Deste cocho, parte do líquido é leva da de tempos em tempos, a pequenos tachos de metal, dos quais havia nove, enfileirados em pequenas aberturas sobre uma fornalha arqueada. Nas diferentes fases do processo, à medida que se faz a evaporação, o suco é despejado de um tacho em outro, até adquirir no último a desejada consistência. Transfere-se então para uma cuba escavada em sólida madeira e que se chama de gamela . Aí fica algum tempo a esfriar, sendo então lançada em formas de madeira do formato e tamanho do tijolo comum, embora algumas se façam com a metade deste tamanho. Tiradas das formas, ficam a endurecer ainda por uns dias e estão prontas para o mercado. As grandes vendem-se em Crato por dois vinténs, em Icó por cinco e em Aracati, por quatro” ( GARDNER, George apud LEITE, Maria Jorge dos Santos;  SANTOS, Hélio Jorge. 2010)

O processamento da cana no município de Ipaumirim enquadra-se no tipo da pequena lavoura. Não sei as variedades de cana que se encontravam por lá. Sei apenas que a cana caiana era a mais famosa e apreciada. A sequência de cana ocorria nas seguintes etapas: plantio, colheita, moagem, comercialização. Que eu lembre, por ter convivido com o pequeno engenho do sítio do meu avô, todo o processamento era manual e relativamente próxima da descrição que George Gardner faz em relação a região do Cariri. Após a colheita no campo, o cambiteiro trazia no lombo de burro, amarrado na cangalha, a pequena produção até o rústico engenho onde trabalhavam vários homens na etapa de processamento  da garapa, do mel, da rapadura, do alfenim e, eventualmente, da batida. No quintal da casa grande, vizinha ao engenho, ficava sua imensa chaminé, alta e branca. No local, eram também dispostas longas mesas cobertas de alvas toalhas e vasilhames com goma de mandioca.. A partir daí, a mão de obra era exclusivamente feminina. Era a hora de puxar o mel até ficar alvo e produzir o alfenim. As mulheres passavam a mão na goma para facilitar o manuseio do mel e transforma-lo em alfenim enrolado nos moldes do desenho tradicional. Algumas, mais habilidosas, produziam bichinhos e outras formas mais delicadas para consumo doméstico principalmente das crianças que adoravam as lagartixas e outros formatos lúdicos. Este material era disposto sobre as  mesas  postos a descansar e secar. A etapa de comercialização era uma atividade de domínio masculino, pelo menos, na experiência que eu vivi nos anos 50 do século passado exatamente no Sítio São Pedro. Por conseguinte, havia uma clara divisão de trabalho entre homens e mulheres. Não sei como era feita a remuneração. Na verdade, o que me interessava mesmo era comer o doce alfenim, mole, suave e, às vezes, morninho antes mesmo de endurecer. A movimentação de visitas era muito grande nos períodos de moagem. Casa cheia. Meu avô era um homem espirituoso. O açude grande ficava ao lado da casa e do engenho. Uma vez, umas moças, da capital, em férias no interior  vieram tomar banho de açude usando maiô. A moagem quase parou porque os homens correram para ver as mulheres tomando banho. O meu avô dizia que se as coisas continuassem assim ele tinha que escolher entre a moagem e o banho de açude. Meu tio Luiz, filho mais velho do meu avô, me contou que o meu avô ganhou um automóvel Ford numa rifa. Não pensou duas vezes. Trocou o carro pela carga de rapadura de um caminhão. Meu avô não precisava de carro. Alternava-se morando no sítio e na pequena Alagoinha deslocando-se, a cavalo, para dar seu expediente como prefeito na cidade de Baixio a quem pertencia na época o distrito de Alagoinha.  Existiam muitos outros engenhos rústicos naquela região. Um dos mais famosos era propriedade de Dino Diniz lá pras bandas da Unha de Gato mas não sei precisar exatamente o local. Não dá para esquecer o caldo de cana, vendido nas feiras e no mercado, processado pelas singelas engenhocas. Na porta do mercado público, vizinho a Loja Macedo, ficava a engenhoca de Raimundo Paulo. Na parede, tinha o desenho de uma onça com recomendações das quais eu me lembro só do fim. “(...) e mesmo assim Raimundo Paulo não gosta.” Nino de Maurde, de memória prodigiosa, sabe o texto completo. Vou perguntar pra ele. Alguns anos atrás,  já no século XXI, Anchieta Nery nos levou para conhecer a produção de alfenim num sítio perto do Baixio do Meio. Era tudo muito artesanal e, com certeza, não era um engenho. Não lembro como era o processo produtivo desse modesto empreendimento.

Selecionei algumas imagens que mais se aproximam do processamento rústico da cana como era feito em nosso município, mas não são imagens da época. Elas estão vinculadas mais ao turismo rural que se desenvolve em função dos atuais engenhos de rapadura. (mluiza)
Canavial
Cana
Cambiteiro
Tacho de mel
Rapadura na forma
Preparando o alfenim
Alfenim pronto
Rapadura batida
Engenhoca manual
Caldo de cana

COQUEIRO – Foi introduzido, no Brasil a partir de 1553, sendo trazidas pelos portugueses que vinham de Cabo Verde, sendo logo muito desenvolvida por aqui e utilizada na composição de muitos pratos. O coqueiro é uma planta bastante imponente e que pode chegar aos 6 metros de altura, com um tronco formado por fibras bem fortes e por folhas bastante compridas que ficam presas na copa e são trocadas constantemente por novas. O coco é um fruto que pode ser encontrado durante todo o ano. Possui um sabor bastante suave e pode ser consumido fresco (polpa), desidratado ou água. É indispensável para a maioria das pessoas que vivem em lugares com clima tropical. Também é uma boa fonte de vitaminas do complexo B, tais como folatos, riboflavina, niacina, tiamina, e piridoxina importantes ao organismo. Fornece ainda quase todos os minerais essenciais :cobre, cálcio, ferro, magnésio, manganês e zinco. As fibras do coco são usadas na confecção de roupas, chapéus e toalhas de mesa. Ainda são bastante exploradas no artesanato e  muito apreciado na culinária e na cosmética. 

Coqueiro
Detalhe
Coco seco
MACAMBIRA - planta da família das bromeliáceas, do gênero Bromélia. Possui vários usos que vão desde a utilização da planta para evitar a erosão até como alimento para o gado. Pode ser utilizada como planta ornamental. É bastante utilizada  nas laterais de rodovias que cortam o semiárido para evitar a erosão (isso devido ao fato de sua raiz ser do tipo fasciculada o que dificulta a erosão). Quando queimada é utilizada como alimento para o gado. Além disso, da base de suas folhas é extraída uma massa da qual se fabrica um tipo de pão. Se não me falha a memória, na Pedra de São Sebastião tem pé de macambira.
Macambira
Flor de macambira
Mocó de macambira
PARA QUEM GOSTA DE CULINÁRIA EXÓTICA

SALADA DE MOCÓ DE MACAMBIRA

Mocó é o broto - tenro, branco e adocicado - dessa espécie de bromélia da Caatinga, que aqui se mistura a rapadura, cebola, coentro, pimenta e limão.

Preparo

1. Lave os mocós, desfolhe até encontrar o miolo macio e corte em rodelas. 

2. Soque no pilão o alho e a rapadura e junte, aos poucos, o suco de limão. Mexa pra dissolver o açúcar. Tempere com sal e os temperos que for usar. 
3. Ponha numa cumbuca o mocó de macambira, os tomates e as cebolas. Junte o molho, misture e espalhe por cima as folhas de coentro. Sirva com peixe assado. 
Salada de mocó de macambira
BOM APETITE!

Aguardem a próxima etapa. Essa série conta com a valiosa participação de Chico Farias, Federalina Quaresma, Gildaci Leandro, Gizeldina Macedo, Irma Macedo, Josenira Brasil, Lúcia Dore, Magna Gonçalves, Nilda Josué Alves, Pedro da Nóbrega Jorge, Vania Maria Rolim, José Ribeiro, Salete Vieira, Vanuza Brasil, Josecy Almeida e José Gomes de Holanda.

MLUIZA

RECIFE

26.05.2018

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