MLUIZA |
Ontem, jurei que hoje ia acordar na hora que eu
quisesse. Enfim, decretei o sábado como meu dia de vadiagem. Dormir sem culpa.
Mas um vizinho melancólico decidiu acordar o prédio. Amanheceu o dia ouvindo
Alcides Gerardi. Foi o suficiente para eu perder o sono e me lembrar dos tempos
em que vinha Recife- Cajazeiras pela Viação Gaivota e daí para Ipaumirim pelo
Expresso Senador. Chegava às 3 da matina e esperava o Senador sair às 5 horas.
Ficava nos bancos da velha rodoviária Antônio Ferreira a conversar com quem
chegasse. Vez por outra, tomava um cafezinho choco nos quiosques ainda abertos
e fumava meu cigarrinho. Que fauna povoava aqueles bancos nas madrugadas
calorentas. Bêbados, malandros, trabalhadores, mulheres, crianças, estudantes e
quem mais chegasse porque aquela hora já não tinha aonde ir ou porque
aguardava, como eu, os velhos ônibus que faziam as linhas no sertão.
Quando o Senador chegava e abria a porta, saía
aquele bafo de creolina misturado com o insuportável cheiro de perfume barato
do animado motorista que já estava ouvindo seu repertório predileto.
Naturalmente, Alcides Gerardi fazia parte do seu estoque de fitas cassete. E
tome parada e conversa. Ninguém esperava o ônibus na parada determinada. Era
sempre antes ou depois. Inúmeras vezes ficava alguém esperando a passagem do
ônibus. Sinalizava, o ônibus parava e o sujeito ainda ia chamar os passageiros
que estavam em casa ou em algum lugar ali por perto. O motorista e o cobrador
aproveitavam para atualizar as novidades. Não conto as vezes que o ônibus
parava para o motorista tomar um cafezinho no mercado da Camilo de Holanda ou
até para bater um papinho com algum conhecido que estivesse pelas calçadas.
Nesse tempo, passageiro era passageiro e ponto final. Nada de direitos. Quem
reclamar, desça e espere a kombi de Tutu que voltava mais ou menos 11 horas.
Passávamos por Felizardo e chegávamos em Ipaumirim por volta das 7 ou 7:30h.
Santa paciência!
Mas a juventude e o bom humor podem transformar
qualquer episódio numa aventura ímpar. Afinal, cada viagem é única e cada uma
tem suas estórias e os seus personagens. Só em descer na Praça do Posto e
encontrar papai me esperando, chegar em casa, encontrar os amigos de férias já
me faziam esquecer as agruras do percurso.
Levantei-me e fui cuidar da vida. Estamos no século
XXI e eu detestei o vizinho mal-educado compartilhar sua saudade comigo.
Os tempos
eram outros.
MLUIZA
Publicado
no alagoinha.ipaumirim em 22.05.2010
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Respeitar sempre.