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MLUIZA |
Outro
dia, li alguns textos que falavam sobre os 100 anos do Oscar Niemeyer e em um
dos textos, que não lembro qual, o arquiteto faz uma observação interessante
quando diz que 100 anos não é assim tanta coisa considerando que aos 70
começamos a perder os amigos. É um pouco por esse viés que não penso a morte
apenas como um rito solitário. Fomos assistindo, ao longo dos últimos anos, o
esgarçar de um grupo de amigos. Na época da morte do meu avô, em 1960, além da
expectativa de vida ser bem menor que hoje, a idade não me permitia fazer
certas leituras dos fatos. O sentimento de perda existia mas parecia estar mais
distante e ser menos ameaçador. Estou falando dos anos 60 e 70 quando Ipaumirim
começa a perder as suas mais antigas lideranças políticas, praticamente aquelas
que foram fundamentais para a emancipação do município. Depois, pela ordem
natural das coisas, as perdas foram se acumulando e o tempo foi impondo seus
limites. Não tenho o perfil de quem cultiva tristezas, sou meio avessa a
exposição pública de sentimentos, longe de mim os gestos dramáticos mas não sou
indiferente. Sei que as perdas não são apenas familiares. São coletivas porque
pautaram um tempo da nossa vida comunitária. Sem discutir méritos pessoais,
foram os exemplos que tivemos e com eles compartilhamos espaços. Os seus
valores, errados ou certos, construíram a nossa compreensão que naturalmente
foi-se ampliando por nossas próprias experiências individuais. Nesse contexto,
vejo a partida de Seu Alberto. Poucas lembranças tenho de quando ele era mais
jovem. Para mim, era o homem que trabalhava na estatística e era pai de
Socorro, Maria do Carmo com quem eu brincava e mais dos outros meninos. Na
época, ainda no primeiro casamento, tenho vagas lembranças que viviam ali por
perto de Bosco Bidu e depois (ou antes?) na casa da esquina vizinha a antiga
prefeitura. Parece-me que o IBGE ficou um tempo na rua do cemitério (ou seria o
correio??) e depois na Praça do Posto. As lembranças mais remotas são sempre
lembranças de um leitor dedicado. Enfrentou uma sociedade conservadora e
preconceituosa quando se separou de Graziela e foi viver com Socorro. Teve
coragem e paciência de esperar a acomodação das coisas quando seria mais fácil
optar por uma segunda relação sem desvincular-se da primeira. Escândalo na
época, mas uma forma de agir mais corajosa num período em que tantas mulheres
foram sacrificadas e submetidas aos estigmas e estereótipos impostos pelo
cinismo de uma sociedade machista. Entra na política na década de 70, período
cinzento da nossa história, sem grandes embates, país dominado pela ditadura
militar, partidos políticos sem expressão. Numa cidadezinha interiorana e
inexpressiva praticamente não havia o que fazer além de ter o título de
vereador. O país implementando um processo de modernização , o interior ficando
com o sobejo das sobras, mais por um processo de decantação que pela
importância política ou estratégica. Assim, o município foi incluído, de certa
forma, na expansão da malha rodoviária, recebeu energia elétrica e os reflexos
da ampliação dos sistemas de comunicação. Também participa do início do período
de renovação de lideranças na Câmara dos Vereadores quando entraria, acredito
eu, o que viria a ser o inicio de uma terceira geração de políticos com a
entrada de jovens como Zé Alan, Zé Strauss e Salete Vieira, projetos de
liderança política que não vingaram por diferentes motivos. Na prefeitura,
convive com os jovens prefeitos Miraneudo Linhares e Luiz Alves Freitas. Homem
de seu tempo, apaixonado pelos livros e principalmente por Canudos, tinha um
perfil intelectual conservador calcado na formação positivista que permeou o
século XX. Fazia poesias e gostava de poesia popular. Encontrei-o muitas vezes
na loja de meu pai tirando dois dedos de prosa. Meu pai gostava dele e de
conversar com ele. Já no fim da sua jornada, frequentar a casa de Seu Alberto
era o seu passeio favorito. Vinha das prosas mais animado. Eu também gostava de
sua conversa, de ouvi-lo contar as estórias do Cedro, de cantadores e de dizer
que o seu mundo estava ali, não queria outra coisa, era fiel a si mesmo e às
suas convicções. Que bom que não o vi doente, assim preservo a lembrança
saudável do homem e do seu tempo.
Recife, 23 de dezembro de 2007.Maria Luiza Nóbrega de Morais
Publicado no alagoinha.ipaumirim em 23.12.2007
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