JOSÉ MACEDO AOS 90 ANOS |
“As histórias de vida estão povoadas de coisas perdidas que se daria tudo para encontrar: elas sustentam nossa identidade, perdê-las é perder um pedaço da alma.” (Ecléa Bosi, Pinóquio em Auschwitz in: Velhos amigos, Cia das Letras, 2004, p. 27)
12º FILHO
Assento do baptisado do meu filho José Ferreira de Macedo em 1899
Antonio Joaquim de Jesus Macedo
Foi feita esta caderneta mais ou menos em 1912 ou 1913. Antonio Joaquim de Jesus Macedo faleceu em 08 de outubro de 1914, no termo de Canindé, no lugar denominado veados pelas 3 horas da tarde.
12º filho
José nasceu a 8 de setembro de 1899, às 6 ½ horas da tarde do dia de sexta feira, no Sítio Baixa Grande e foi baptisado na Matriz de Mulungu pelo Revmo. Vigário Benedicto de Araujo Lima, forão seus padrinhos meu cunhado José Ferreira da Paz e sua mulher Anna Ferreira da Paz.
Meu filho, tu não conheces a minha descendência, vou dar-te algum esclarecimento. Sou filho de Joaquim Antonio de Macedo e de Anna Francisca de Jesus. Meus avós paternos forão João Antonio de Macedo e Francisca Freitas Bisarria e maternos Manuel Antonio de Jesus e Rita Maria de Lima. Perdi minha mãe com idade de 2 annos e meu pai com 12, em 1862.
Meu pai contrahiu 2as. Núpcias com Isabel Maria do Rosário, tendo do 2º matrimonio duas filhas: Maria e Anna; Maria morreu pequena e Anna casou-se na família Leite de Aurora com Antonio Teixeira Netto, constituiu numerosa família em Aurora. Do 1º matrimonio foram 3: Francisca, eu e Maria. Meu pai era muito pobre e doente de reumatismo, teve uma morte tristíssima, indo pegar uma matalotagem foi no outro dia encontrado morto no matto, no lugar denominado Juaseiro perto de Missão Nova. Meus pais tiveram dois filhos mais velhos, João e Maria, ambos morrerão pequenos. Até aquela idade de 12 annos ainda não sabia de nada. Meu avô Manuel Antonio, velho rico, em cuja casa fomos morar, botou-me na escola e mais tarde no Seminário de Fortaleza onde fiz todos os preparatórios e entrei no curso Theológico com desígnio de me ordenar. Quando estava a terminar o curso adoeci e os médicos aconselharão o meu tio, Pe. Manuel Antonio, que me tirasse do seminário. Fui para o seio da minha família, no Cariri em (data ilegível) de 1877. De lá voltei com o desígnio de continuar os meus estudos, porém não o podendo, retirei-me para a Serra de Baturité e casei-me com tua mãe, filha de José Ferreira Paz e Benvinda Maria da Conceição, ele vindo de São Bernardo das Russas e ella da família Gomes Barreto, de Aracaty e Riacho do Sangue.
Meu filho, se houve homem que sofresse neste mundo havia de ser tanto como eu.
Occupei quase todas as classes da sociedade: fui quase padre pois quando sahi do Seminário era Missivista.
Quando casei-me gosava de minha independência pecuniária. Comprei um sítio de café, mas arruinando-se os tempos vi-me obrigado a hypothecal-o ao Sr. Ignácio Alves Barreira (...) e mais tarde fiquei sem ele. Quando foi proclamada a república, eu não querendo acompanhar a onda política fui acusado ao Governador do CE por Antonio Coelho (de triste memória) e o Governador mandou processar-me. Ainda gastei parte de quatrocentos mil reis, porém o processo cahiu. Vindo a seca de 1900 só faltei morrer de fome com toda família. Trabalhei como um mouro, muitas vezes a enchada caía-me das mãos de fraquesa. Muitas e muitas vezes colhia as poucas vagens de feijão em um sacco, pinha às costas e ia vender nas bodegas a troco do pedaço de sabão e do punhado de farinha afim de não te ver a ti e a teus irmãos morrerem de fome. Valli-me ultimamente da profissão de ensinar meninos. Saía de casa pelos arrabaldes 8, 10, léguas a pé a alugar-me em casa de família para ensinar-lhes os filhos e todos os sábados voltava à casa com o produto da semana. Assim pude atravessar a cryse de estabilidade e manter minha família. Minhas condições chegarão a tal ponto que não tinha crédito nem para contar um litro de farinha fiado. Os meus próprios cunhados que gosavão de alguma independência nada fiavão de mim. Triste condição do pobre! Meu filho, não despreze os pobres! Vi-me na dura contingência de cavar a ida de teus irmãos, Macedo e Isaías, ainda muito crianças, para o Norte afim de procurarem algum recurso à vida. Coitadinhos deles, tam mocinhos e já separados da casa paterna! Agora tenho me achado com eles. Graças aos seus bondosos corações, posso me considerar feliz, em um mar de rosas. Sou considerado na sociedade e acolhido por aquelles mesmos que desprezavam-me. Em 1905, consegui uma colocação no Collegio dos Frades de Canindé ganhando cem mil reais mensais, que com os socorros vindo dos meus filhos vai dando para as minhas despesas. Teus irmãos, Nathan e Joel, se forão com teu irmão Isaías no dia 28 de outubro de 1910. Fui assistir o embarque deles no dia 31 do mesmo. Deus queira que eles sejam felizes.
Volto à minha biografia. Sou natural da freguesia de Missão Velha, Comarca do Crato. Minha família é assaz ilustre e dominadora d’aquella zona, compõe-se de: Macedos, Lobo Macedo, Jesus, Alencar, Furtado, Tavares, Meneses, (...), Quezado, Cardoso, Martins, de Milagres (...).
Tive herança dos meus avós maternos, porém esta vendí; ficando apenas uma parte da terra no lugar chamado Sabonete na freguesia de Milagre como consta do inventário da minha avó, no Cartório de Missão Velha, também possuo uma parte de terra no Estado de Pernambuco, perto da freguesia do Jardim por nome Cabaceiras, compra feita a Antonio dos Anjos, cuja escriptura foi passada em comum aos herdeiros e se acha em poder do Padre Manuel Antonio.
Eis portanto, meu caro filho, uma pequena minuta para quando V. for ao Cariri saber quem são os seus parentes.
Adeus, meu caro filho, sejas feliz. Procure sempre honrar a memória dos seus pais e não deixar de seguir os preceitos da nossa Santa religião, quiçá neste tempo de tanta desordem e desprezo às coisas de Deus. Sejas feliz.
Seu Pai e Amigo do Coração.
Antonio Joaquim de Jesus Macedo
APENDECE
Morreram 5 irmãozinhos: Jeremias com seis meses de idade entre Esther e Theonilla; outro Jeremias baptisado em casa entre Nathan e Joel; Judith entre Joel e Jeremias, Enoque entre tu e Assis com 7 anos e 8 meses, Gervásio entre Assis e Maria Letícia, ambpos morreram dentro de 8 dias de um para o outro, de Anginha, na Villa do Canindé no mês de Abril de 1909. Estão enterrados no Cemitério de Canindé junto à parede logo à entrada do cemitério do lado esquerdo.
Recife, 03.10.2021
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