AKI LEMBRANU: DR. ARRUDA, MUITO OBRIGADA

Dr. Arruda a quem eu tratava na maior sem cerimônia de ‘Arruda’ com o atrevimento que a intimidade permite pois que tivemos um convívio muito próximo desde que era íntimo da nossa família. Após a morte do meu avô, a campanha política de 1966 nos afastou mas ficaram as boas lembranças. Era um sujeito de fino trato. De sorriso largo, personalista, elegante, lembro dele vestido cotidianamente de roupas claras de corte bem talhado. Quando estava em Ipaumirim fazia as refeições na casa do meu avô e sempre levava junto o costumeiro séquito que o acompanhava. A mesa era larga, farta e generosa. Sempre cabia mais alguém.

Como o movimento doméstico triplicava quando ele estava por lá, fez-se costume deixar a mesa semi pronta com a louça posta no dia anterior para o café da manhã  do dia seguinte. Lembro que, na época, mascar chiclete de bola era nossa diversão. De tarde, a gente tomava banho, trocava de roupa e chupava chiclete. De noite,  guardávamos atrás das portas o chiclete do dia que junto com o do dia seguinte dava para fazer uma bola imensa. A disputa era para saber quem fazia a maior bola.

Uma vez, achamos de esconder o nosso tesouro justo embaixo das xícaras de forma que no dia seguinte quando as pessoas chegaram para o café da manhã  tiveram a grata surpresa de descobrir grudado nos seus  pires o chiclete mastigado. Este foi o esconderijo perfeito para guardar nosso tesouro.  Afinal, atrás das portas já era lugar bastante manjado, desprotegido e sujeito ao confisco tanto pela meninada da casa quanto pelos adultos quando faziam a limpeza diária.  Vovó ficou morta de vergonha da nossa falta de educação mas ninguém reclamou da nossa peraltice. A não ser vovó, é claro.

Arruda deu-me talvez o melhor presente da minha infância: a coleção ‘O mundo da criança’. Composta de quinze volumes, a obra  acompanhava a evolução  e os interesses da criança até a adolescência. Consegui ao longo do tempo ler todos os livros, mas foram os três primeiros os grandes companheiros da minha imaginação. O volume um trazia os poemas da primeira infância. No volume dois estavam as histórias contadas e outros poemas com textos mais longos. O terceiro trazia histórias de fadas. Ainda hoje lembro das imagens. Outro dia, até procurei na internet e revi algumas, todas lindas, mas não encontrei a que mais me seduziu e que integrava o primeiro livro.  Era um pequeno poema sobre uma casinha no oco do pau. Eu brinquei, vivi, morei, fiz viagens imaginárias, construí um mundo particular na sugestiva casinha. Experimentei tudo o que pode a imaginação infantil naquela composição de texto e imagem. Eu varria, cuidava, limpava, cozinhava, brincava com a menininha. Não havia limites para as nossas aventuras. Horas éramos companheiras, saíamos a passear e depois voltávamos para nosso lar comum. Outras horas, éramos a mesma pessoa no mais pleno e livre exercício de transmutação do qual só é capaz a imaginação infantil. A descoberta da capacidade de atravessar sem medo as estruturas do real é embriagadora e inesquecível. Talvez a grande sabedoria da vida seja aprender a não submeter a imaginação aos rígidos códigos do real pois que é lá um lugar de refrigério que pode guardar o sonho um dia realizável.  

Desde pequena acostumada a ler aqueles áridos livros infantis sem figuras e sem graça vim descobrir neste valioso presente não apenas a sedução da imagem mas sobretudo o deslumbramento da poesia. Acho que isto explica o encanto especial pelos bons livros de literatura infantojuvenil que me acompanha a vida inteira. Devo isto a Arruda. A ele, meu mais sincero agradecimento.

MLUIZA

Recife, 14.01.2021

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