AKI DOMINGANU

 

MLUIZA

Domingo já é uma ausência de dia, como diz Mia Couto. Dentro de casa, pior ainda. Com a apreensão do covid e o samba do crioulo doido em que se transformou a saúde pública no brasiu fica tudo mais complicado. Tem que abstrair. Como eu gosto de novidade, resolvi passar o dia conhecendo algo novo. Eu já andava me interessando pelo tema e desde a semana passada decidi me aproximar. Também não sei quanto tempo vou ficar por lá. A minha alma volátil me promete novidades, mas nunca estabilidade. Deus me livre de viver parafusada. Assim, se você me procurar e não me achar, não vá atrás dos lugares onde eu sempre estive que provavelmente não vai me encontrar. Procure no lugar onde jamais você imaginou que eu pensei em estar por lá. Ou seja, gosto de me surpreender. E nestes tempos tenebrosos o virtual tem me ajudado. Como na música, me dano pelas estradas mundo afora vou embora sem sair do meu lugar. Estamos no tempo do possível e eu quero aproveitar do jeito que dá.

Eu sou do tipo que gosta porque gosta e ponto final. Explicar pra quê? Olhando as lindas e criativas aquarelas produzidas por um amigo chamou-me a atenção e despertou-me a vontade de conhecer minimamente os processos criativos. Fiquei encantada com a delicadeza do trabalho e com as múltiplas possibilidades que ela oferece. Pronto. Foi o suficiente para abrir mais uma janela aberta para novos olhares. Nunca serei aquarelista, nem uma péssima conseguirei ser, mas eu sou assim, gosto de renovar minhas paixões e essa é a do momento. Na verdade, o que eu gosto mesmo é de me admirar com o que não conheço. Herdei isso de mamãe que ainda hoje, aos 93 anos, tem uma invejável capacidade de se admirar e que antes do covid estava literalmente encantada com o mundo dos dinossauros.

Sempre há de haver algo novo capaz de nos encantar. Agora, mais do que nunca, precisamos sacudir a poeira e sair por aí incorporando o espírito dos grandes aventureiros e navegadores da história. Deixar fluir a curiosidade saudável porque, apesar de tudo, o mundo ainda é um pródigo território a descobrir. Nem precisa ir tão longe e, muitas vezes, nem usar a internet. Basta atentar para o que está ao lado. Você poderá se surpreender com as infinitas possibilidades de descobrir novas formas de olhar e perceber.

MLUIZA

Recife, 17.01.2021

AKI PENSANU: CONSELHO QUE TE DOU DE GRAÇA

MLUIZA

Miga, fuja de tudo que traz perigo. Cobra venenosa, cachorro doido, boi encaretado, manga com leite, planejamento do ministério da saúde, banho de estômago cheio, transa depois do pirão, cloroquina, mistura de cachaça e rum montila, breu com cola, mel com terra, gente dissimulada, mandioca brava, voto no 17, aglomeração em tempo de corona,  remédio para verme como preventivo para o covid, tintura barata nos cabelos e etc. etc. etc. A lista é grande, mas fuja principalmente dos homens vitimizados. Corra do macho borocoxô porque esse, sim, é um investimento a fundo perdido, mercadoria sem remetente. Não tem como fazer devolução. A família geralmente torce pelo romance porque quer te despachar o abacaxi. Sabe daquela musiquinha “laranja madura na beira da estrada...”

O sujeito tem um repertório de razões para explicar o que não deu certo e a culpa é sempre dos outros, inclusive sua. Do jeito que mulher é chegada a sentir culpa, é um prato cheio. Prepare-se. Sua vocação heroica será desafiada. Você vai compreender, compreender, compreender e se foder. Não adianta orar. Nem padre, nem pastor, nem pai de santo  vai liberar o encosto. Não apele para novena nem para as almas benditas. No território lá de cima ninguém vai lhe socorrer porque todo mundo já deu seu caso como perdido. Não procure apoio em psicólogos nem em terapias esotéricas porque vai gastar tempo e dinheiro em vão. Nem invente fazer terapia de casal. É furada. Esquece. Nem beberagem preparada por um pajé de uma tribo que ainda nem teve contato com a civilização vai desenrolar seu karma. Livro de autoajuda menos ainda. Nem despacho com galinha preta na encruzilhada do bairro vizinho pra ninguém saber que foi você que botou lá. Não acenda vela. Não vale.  Menos ainda as de sete dias porque você pode esquecer e incendiar a casa.  Nem no procon, nem na delegacia e muito menos na justiça adianta reclamar. Sua causa é perdida.  

Por mais que você faça não vai tirá-lo do buraco. O azarado até ganhou o prêmio da megasena, mas como a Caixa tem implicância com ele, não reconheceu o seu jogo. Tem ideias brilhantes mas não sai do lugar. É um incompreendido. Ele vai morrer de inveja até do sapato novo que você comprou. Sabe aquele celular que você trabalhou o ano inteiro para comprar a prestação um de primeira linha só pra se amostrar? Não presta!  Batom vermelho é coisa de puta. Ele vai chupar seu sangue feito um procotó desvairado, apelar para tudo. Dê por perdido seu brilho pessoal. Esqueça a purpurina, ela não te pertence mais. Você vai até precisar de soro fisiológico para abastecer seus olhos de lágrimas porque as originais não vão dar conta. O seu astral que já estava mais por baixo do que poleiro de pato  desceu de vez no esgoto. Tchau. Foi-se.

Você nunca vai resolver o problema dele porque o problema é ele. O único caminho é reconhecer que você está num relacionamento abusivo. A única solução é cair fora. Não tem outra. A escolha é  entre ele ou você. Não há solução intermediária.

Não tenha pena, miga. Quem tem pena é galinha. Não sinta medo nem culpa até porque logo mais ele encontrará outra tonta carente que vai cair no seu laço. O que não falta no mundo é mulher compreensiva.

Corra, bebê, que a vida só acontece uma vez. É pegar ou largar.

MLUIZA

Recife, 16.01.2021

AKI LEMBRANU: DR. ARRUDA, MUITO OBRIGADA

Dr. Arruda a quem eu tratava na maior sem cerimônia de ‘Arruda’ com o atrevimento que a intimidade permite pois que tivemos um convívio muito próximo desde que era íntimo da nossa família. Após a morte do meu avô, a campanha política de 1966 nos afastou mas ficaram as boas lembranças. Era um sujeito de fino trato. De sorriso largo, personalista, elegante, lembro dele vestido cotidianamente de roupas claras de corte bem talhado. Quando estava em Ipaumirim fazia as refeições na casa do meu avô e sempre levava junto o costumeiro séquito que o acompanhava. A mesa era larga, farta e generosa. Sempre cabia mais alguém.

Como o movimento doméstico triplicava quando ele estava por lá, fez-se costume deixar a mesa semi pronta com a louça posta no dia anterior para o café da manhã  do dia seguinte. Lembro que, na época, mascar chiclete de bola era nossa diversão. De tarde, a gente tomava banho, trocava de roupa e chupava chiclete. De noite,  guardávamos atrás das portas o chiclete do dia que junto com o do dia seguinte dava para fazer uma bola imensa. A disputa era para saber quem fazia a maior bola.

Uma vez, achamos de esconder o nosso tesouro justo embaixo das xícaras de forma que no dia seguinte quando as pessoas chegaram para o café da manhã  tiveram a grata surpresa de descobrir grudado nos seus  pires o chiclete mastigado. Este foi o esconderijo perfeito para guardar nosso tesouro.  Afinal, atrás das portas já era lugar bastante manjado, desprotegido e sujeito ao confisco tanto pela meninada da casa quanto pelos adultos quando faziam a limpeza diária.  Vovó ficou morta de vergonha da nossa falta de educação mas ninguém reclamou da nossa peraltice. A não ser vovó, é claro.

Arruda deu-me talvez o melhor presente da minha infância: a coleção ‘O mundo da criança’. Composta de quinze volumes, a obra  acompanhava a evolução  e os interesses da criança até a adolescência. Consegui ao longo do tempo ler todos os livros, mas foram os três primeiros os grandes companheiros da minha imaginação. O volume um trazia os poemas da primeira infância. No volume dois estavam as histórias contadas e outros poemas com textos mais longos. O terceiro trazia histórias de fadas. Ainda hoje lembro das imagens. Outro dia, até procurei na internet e revi algumas, todas lindas, mas não encontrei a que mais me seduziu e que integrava o primeiro livro.  Era um pequeno poema sobre uma casinha no oco do pau. Eu brinquei, vivi, morei, fiz viagens imaginárias, construí um mundo particular na sugestiva casinha. Experimentei tudo o que pode a imaginação infantil naquela composição de texto e imagem. Eu varria, cuidava, limpava, cozinhava, brincava com a menininha. Não havia limites para as nossas aventuras. Horas éramos companheiras, saíamos a passear e depois voltávamos para nosso lar comum. Outras horas, éramos a mesma pessoa no mais pleno e livre exercício de transmutação do qual só é capaz a imaginação infantil. A descoberta da capacidade de atravessar sem medo as estruturas do real é embriagadora e inesquecível. Talvez a grande sabedoria da vida seja aprender a não submeter a imaginação aos rígidos códigos do real pois que é lá um lugar de refrigério que pode guardar o sonho um dia realizável.  

Desde pequena acostumada a ler aqueles áridos livros infantis sem figuras e sem graça vim descobrir neste valioso presente não apenas a sedução da imagem mas sobretudo o deslumbramento da poesia. Acho que isto explica o encanto especial pelos bons livros de literatura infantojuvenil que me acompanha a vida inteira. Devo isto a Arruda. A ele, meu mais sincero agradecimento.

MLUIZA

Recife, 14.01.2021

AKI LEMBRANU : FIM DE PAPO

MLUIZA

 Papai mantinha transações comerciais com Cajazeiras onde tinha muitos amigos no comércio. Estacionava o carro geralmente defronte ao Armazém Narciso. Por ali se concentrava o comércio de tecidos e eletrodomésticos. Com limitadas habilidades no volante tinha que estacionar em lugar fácil de chegar e de sair. Todo mundo sabia e ele fazia disso uma prosa. A vaga do seu jipe era garantida.

O gerente do armazém chamava-se Domingos, um português bonitão com seu bigode muito bem cuidado.  Era um senhor muito educado e atencioso inclusive comigo que era apenas uma garota franzina trajada com a farda do Colégio Nossa Senhora de Lourdes que usufruía da companhia do meu pai sempre e quando as freiras permitiam a saída durante a semana. Eu aproveitava essas ocasiões para visitar uma sortida banca de revistas que ficava na calçada de uma loja na Praça João Pessoa. Só olhava, mas não comprava porque era proibido entrar com revistas no colégio e lá em casa era expressamente proibido ler gibis.  

A região toda se abastecia em Cajazeiras e se encontrava por ali gente de todos os lugares da redondeza. Como as cidades vizinhas não tinham banco, as pessoas que negociavam e também agricultores e pecuaristas encontravam-se necessariamente no Banco do Brasil de forma que todos os caminhos levavam a Cajazeiras e todo mundo se via por lá.

Quando a homossexualidade começou a aflorar de forma mais aberta em Cajazeiras, as conversas rolavam por esse tema de um jeito bem humorado porém não menos preconceituoso. Os tempos eram assim e é tolice querer exigir de um tempo aquilo que ele não foi. Você pode mudar o presente e o futuro, mas o passado é imutável. Passou. Foi.  Projetar no passado o tempo presente é desinteligência. Numa dessas conversas entre machos, perguntaram a papai em tom de brincadeira capciosa.

-  Vicente, em Ipaumirim tem veado?

Papai não deixou barato. Respondeu de forma bem humorada a provocação encerrando a conversa.

- Só de quatro pés. Os de dois pés estão todos em Cajazeiras.

MLUIZA

Recife 13.01.2021

 

EDMILSON QUIRINO DE ALCÂNTARA: A LEMBRANÇA ALEGRE DE QUEM TEM APREÇO PELO TRABALHO QUE REALIZA.

Conversar com Edmilson é sempre muito agradável. Apesar da memória já comprometida ele adora falar sobre sua experiência como dono de bar....