MLUIZA |
E se você me perguntar o que eu vi em 2020, eu vou te dizer que eu não o vi passar. Começou no ano novo e terminou após o carnaval. Daí em diante nadamos em águas turvas.
Nunca havia imaginado um ano tão cruelmente revelador. O ano 2020 desnudou todas as nossas mazelas, rasgou a cartilha com a qual aprendemos a ler o mundo, desafiou crenças, desvestiu sonhos, sacrificou planos, desatou laços, destruiu cenários, ceifou ilusões, privou-nos do abraço. A realidade nos fez órfãos da energia dos encontros presenciais jamais substituíveis pelos artifícios da tecnologia. E se eso fuera poco, para o bem ou para o mal, foi um ano que descortinou o nosso mais infinito desamparo. Caíram todas as máscaras. Os nossos representantes, em todos os níveis, revelaram descaradamente a sua sordidez, irresponsabilidade e ganância. Perderam a compostura. Não, eles não fizeram política. Política não é isso. Eles fizeram negociatas o tempo inteiro. Fizeram do pais um cassino. Pura encenação. A crassa ignorância da sociedade - em todos os estratos sociais - se sentiu à vontade para fazer valer o seu infame protagonismo desfilando sem constrangimento pelas aglomerações. Penso que a própria ignorância jamais imaginaria ter tantos militantes pulverizados pelos quatro costados de um país em demolição. Ninguém mais tem receio de parecer imbecil. O Brasil é um país sem cínicos, a hipocrisia transformou-se em valor. Nem precisa mentir. Quem vai perder tempo inventando mentiras quando tudo é tão normal? Mentir para quê? Na orquestração dos espantos rotineiros nada mais surpreende os lúcidos e menos ainda os desavisados. Os lúcidos porque têm consciência de que o Brasil está em guerra e é preciso eximir o covid de todos os crimes que acontecem nesse país. O virus foi apenas o gatilho fortuito que desvelou diante do mundo a república escrachada em que nos transformamos. Os desavisados são um caso perdido. Desterraram-se no universo da sua própria ignorância. Inútil esperar deles alguma remissão.
O mix perfeito ficou por conta da simbiose entre a indiferença do poder constituído e o fanatismo dos dementes. Definitivamente, não foi um ano para amador.
Do ponto de vista pessoal, foi um ano doloroso, mas revelador de novas aprendizagens e capacidade de adaptação. Aqui e ali há mostras de que é possível resistir, reinventar-se, fazer releituras, identificar ações positivas e restauradoras que vêm da solidariedade, da resiliência, de visitar novas formas de perceber e sentir, criar o novo e recriar o improvável para torna-lo possível. Foi um chamado à luta. Para muito poucos, eu sei, mas, mesmo assim, do pouco também se alimenta a esperança.
Foi um ano desafiador que não terminará nele mesmo. 2020 foi um ano para deslembrar.
MLUIZA
Recife, 27.12.2020
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