AKI LEMBRANU: AMIGA É PRA ESSAS COISAS

 

MLUIZA

- Minina de Delssss! Que danado é isso que tu fizesse no cabelo?

- Meu namoro acabou. Eu preciso me renovar.  Pintei de três cores e não gostei de nenhuma. Ficou assim.

- Cor de burro quando foge.

- Cor de mim. Eu, a burra!  Aguentei tudo daquele cachorro e levei um chute na bunda.

- Chute, não. Mais do que chute. Chifre, digo-lhe na minha inclemente franqueza.

- Tás tirando em mim a forra dos chifres que tu já levasse, é? Ôxe! Pensa que eu esqueci daquela cachaça que tu saisse vomitando todos os pés de pau lá no alto da Sé e amanhecesse o dia tomando água tônica na frente do Las Vegas lá em Casa Caiada?

- Claro que lembro, vocês me abandonaram e se não fosse a compreensão de Barata eu tinha sucumbido naquele porre infame.

- Como que a gente não ligou? A gente até te botou sentada no banco da frente do fusca do pai de Socorrinha e ficou tudo apertada no banco traseiro só pra segurar tua cabeça que não se sustentava em pé, lembra não? Tudo pra tu não vomitar o carro.  O bar inteiro ficou olhando. Que misturada foi aquela? Whisky, cerveja, rum, gim, caipirinha. Até Campari entrou na roda.

- Aff.... Eu odiava Campari com aquele gosto travoso de banana casca verde. Mas tomei.

- Você abusou, tirou partido de mim, abusou... quase acaba a agulha da radiola portátil de tanto botar essa música. Maísa ficou rouca de tanto cantar Meu mundo caiu. E a gente lá, firme, te aguentando dias e dias. Esqueceu?  

- Dele, claro que não. Quem esquece aquele bigode fatal coroando aquele sorriso maroto? Afff.... Own, carma....

Conversa vai, conversa vem, dou-lhe uma sugestão prática:

- Por que tu não namora Dudu? Ele vive carente.  Caiu na rede é peixe. Homem carente é bom porque o nível de exigência é lá embaixo. A gente nem precisa se preocupar. Ele tá sem ninguém e sempre arrastou a asa pra o teu lado. Nem vai olhar pra cor do teu cabelo.

- Dudu, o salvadorenho? De jeito nenhum.  Aquela cara de bolacha Maria? Quero nada! Que achas daquele amigo dele?

-  O bonitão colombiano? Eu acho ele muito metido. Sei naum... E o cabelo, será que ele não vai notar? Sábado tem festa na república dos meninos lá no Edifício Garanhuns, bora?  Eu vou assuntar se ele vai e te digo.

- Tá bom, vou, diz ela decidida a abstrair  a dor de cotovelo.

Fomos. O bonitão não apareceu, o boy que andava atrás de mim ficou com ela e eu me apaixonei por outro que conheci no elevador. Fomos apresentados no térreo e quando chegamos no 4º andar eu já estava perdidamente apaixonada.

As festas varavam a noite aguardando que  os primeiros ônibus começassem a circular para facilitar a vida de quem morava mais longe. Contentes e apaixonadas, pegamos nosso busão e voltamos pra casa quando o dia amanheceu. Amiga é pra essas coisas.

MLUIZA

Recife, 30.12.2020

AKI PENSANU: 2020, UM ANO PARA DESLEMBRAR

 

MLUIZA

E se você me perguntar o que eu vi em 2020, eu vou te dizer que eu não o vi passar. Começou no ano novo e terminou após o carnaval. Daí em diante nadamos em águas turvas.

Nunca havia imaginado um ano tão cruelmente revelador. O ano 2020 desnudou todas as nossas mazelas, rasgou a cartilha com a qual aprendemos a ler o mundo, desafiou crenças, desvestiu sonhos, sacrificou planos, desatou laços, destruiu cenários, ceifou ilusões, privou-nos do abraço. A realidade nos fez órfãos da energia dos encontros presenciais jamais substituíveis pelos artifícios da tecnologia. E  se eso fuera poco, para o bem ou para o mal, foi um ano que descortinou o nosso mais infinito desamparo. Caíram todas as máscaras. Os nossos representantes, em todos os níveis, revelaram descaradamente a sua sordidez, irresponsabilidade e ganância. Perderam a compostura. Não, eles não fizeram política. Política não é isso. Eles fizeram negociatas o tempo inteiro. Fizeram do pais um cassino. Pura encenação. A crassa ignorância da sociedade - em todos os estratos sociais -  se sentiu à vontade para fazer valer o seu infame protagonismo desfilando sem constrangimento pelas aglomerações. Penso que a própria ignorância jamais imaginaria ter tantos militantes pulverizados pelos quatro costados de um país em demolição. Ninguém mais tem receio de parecer imbecil. O Brasil é um país sem cínicos, a hipocrisia transformou-se em valor. Nem precisa mentir. Quem vai perder tempo inventando mentiras quando tudo é tão normal? Mentir para quê?  Na orquestração dos espantos rotineiros nada mais surpreende os lúcidos e menos ainda os desavisados. Os lúcidos porque têm consciência de que o Brasil está em guerra e é preciso eximir o covid de todos os crimes que acontecem nesse país.  O virus  foi apenas o gatilho fortuito que desvelou  diante do mundo a república escrachada em que nos transformamos. Os desavisados são um caso perdido. Desterraram-se no universo da sua própria ignorância.  Inútil esperar deles alguma remissão.

O mix perfeito ficou por conta da simbiose entre a indiferença do poder constituído e o fanatismo dos dementes. Definitivamente, não foi um ano para amador.

Do ponto de vista pessoal, foi um ano doloroso, mas revelador de novas aprendizagens e capacidade de adaptação.  Aqui e ali há mostras de que é possível resistir, reinventar-se, fazer releituras, identificar ações positivas e restauradoras que vêm da solidariedade, da resiliência, de visitar novas formas de perceber e sentir, criar o novo e recriar o improvável para torna-lo possível. Foi um chamado à luta. Para muito poucos, eu sei, mas, mesmo assim, do pouco também se alimenta a esperança.

Foi um ano desafiador que não terminará nele mesmo. 2020 foi um ano para deslembrar. 

MLUIZA

Recife, 27.12.2020

AKI LEMBRANU: HÁ QUATRO ANOS ATRÁS

 

MLUIZA

Eis que o FB me lembra o pequeno texto que eu escrevi justamente há 04 anos atrás - exatamente em 27.12.2016 - ano em que me aposentei depois de 38 anos exercendo o magistério. 

 AKI PENSANU

Digamos que se eu partilhasse a vida numa sociedade imaginária que excluísse a canalhice política, a ganância e a covardia em todas as esferas do poder, 2016 não seria dos piores anos. Entre tapas e beijos, a vida fluiu. Foi um ano de muitas leituras e desprendimentos. Aprendi muito apenas pelo gosto de aprender, de descobrir, de observar. Fazer isso sem ser guiada pela fixação da onipresença, pela síndrome up to date ou pela pressão da produtividade foi uma ótima conquista – sem falsa modéstia – merecida. Troquei as obrigações chatas pelos pequenos prazeres que a gente deixa para depois. Cortei o excesso de regras, normas e convenções que dilapidam a metade da vida e vi que sem elas vivo tão bem quanto sem um vestido novo. Me dei o presente de estar comigo. Li muuuuuuito, fiz crochet, assisti novelas, cuidei de minhas poucas plantas, redescobri o transporte coletivo, sobrevivi às minhas noias e neuras, busquei apurar o exercício da observação. Busquei entender um pouco de cada operação envolvida na construção de uma boa observação e isso ajudou a qualificar as minhas relações com o sentido das coisas. Só não aprendi o que de antemão eu sempre soube que não conseguiria: ultrapassar a minha incapacidade de lidar com panelas. Talvez venha daí também a minha ojeriza aos paneleiros. No fogão e na política.

MLUIZA

Recife, 27.12.2016

Lembrou-me uma frase de Fernando Pessoa: "A vida passa e não fica. Nada deixa e nunca regressa."

27.12.2020


EDMILSON QUIRINO DE ALCÂNTARA: A LEMBRANÇA ALEGRE DE QUEM TEM APREÇO PELO TRABALHO QUE REALIZA.

Conversar com Edmilson é sempre muito agradável. Apesar da memória já comprometida ele adora falar sobre sua experiência como dono de bar....