MLUIZA |
Meu avô materno tinha um irmão que se chamava Raimundo, mais conhecido por Doca. Morava em São Paulo. Era miúdo, franzino e bem humorado. Tinha aquele jeito especial de quem está de bem consigo mesmo. Todo mundo adorava conversar com ele. Eu ficava maravilhada com as coisas que ele me contava sobre São Paulo.
- Lá em São Paulo tem um carro pequenininho que só cabe quatro pessoas...
E esse carrinho de quatro pessoas virava um conto povoado de fantasias que atiçavam a minha imaginação infantil. Impressionada, toda vez que eu perguntava sobre o carrinho, ele acrescentava novos detalhes. O tal carrinho só faltava falar. Tio Doca tinha esse poder incrível de transformar o real em algo mágico que só poderia ser alcançado pela submissão inconteste à magia da imaginação transformada num caleidoscópio de infinitas possibilidades e combinações.
- Eu vou comprar um carrinho desses e mandar pra você, prometeu-me.
A pressa infantil e a curiosidade ansiosa me faziam perguntar:
- Vai mandar quando?
- Logo. Assim que der certo eu mando. A demora é ter um portador, respondia-me.
Que sabia eu de distâncias naquela época onde tudo me parecia perto e possível! Ele voltou para São Paulo e das muitas estórias que me contou ficou especialmente esse carrinho e a expectativa de que um dia ele chegasse.
Quando Seu Toinho Gonçalves viajou para São Paulo com a sua filha Geralda para realizar uma complexa cirurgia ficou hospedado na casa dele pois que as mulheres eram irmãs. Depois que voltou, Seu Toinho esteve na casa de meu avô para informar que ele tinha trazido um carrinho que tio Doca me mandou de presente, mas estava guardado num dos pacotes que se perdeu na viagem. Foi imensurável o meu desgosto. Meu avô de pronto prometeu-me dar outro carro. Mas outro carro jamais seria o carrinho vindo de São Paulo porque era neste - e não em qualquer outro, por melhor que fosse - que viajaram a minha esperança e o meu encantamento.
MLUIZA
Recife, 10.10.2020
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