MEMÓRIAS DO SÍTIO VELHO: TANTOS ENGENHOS, QUANTAS LEMBRANÇAS.

ZÉ RIBEIRO
Muito boas lembranças tenho do velho Sítio Velho. As que mais me deixam saudoso envolvem os engenhos e as moagens, tios e avós. Ô tempo bom!
Os vastos canaviais cobriam todos os baixios. Quando as canas pendoavam pareciam um grande tapete alvo a dançar com o sopro das ventanias. Estas que produziam ondulações sincrônicas nos pendões, num efeito visual impossível de descrever tamanha era a beleza mágica.
Meu avô morava no “Outro Lado”, um lugar que ficava depois do baixio que separa o Sítio Velho de uma colina cheia de fragmentos de quartzo branco (aquelas pedras sempre me fascinaram) que se dispunha para os lados da Cacimba do Meio. Para chegar lá tínhamos que atravessar o canavial. Era uma aventura. Os adultos punham as crianças nos tuntuns para protegê-las dos guarás e agilizar a travessia, muitas vezes enfrentando os atoleiros e a água do riacho que corria limpa e fria por sobre a terra escura em um vinco pouco arenoso. Homens sempre alertas, munidos com paus e pedras. Uma guará “choca” poderia ser um grande perigo. E era. Toda vez era sempre um grande alívio quando chegávamos em casa. Mas, felizmente, nunca fomos atacados. O vistosos animais estavam ocupados demais consumindo aquelas docíssimas e suculentas canas caianas.
Mais adiante no tempo, já ia sozinho para os engenhos. Lembro-me muito do engenho de Seu Toinho Gonçalves. Ah! Parece que estou sentindo o cheiro do mel fervendo nos tachos fumegantes com teimosas abelhas a perturbar a concentração do mestre rapadureiro. Era tanta gente envolvida na moagem que havia horas que parecia um formigueiro ou, no caso, uma colmeia. Cambiteiros chegando com cana para moer. Bulandeiros levando o bagaço moído para a secar na bulandeira. Instruções eram dadas aos gritos. Difícil serem ouvidos em tão produtiva fuzarca. O calor era intenso. Impressionava-me o ritmo da produção. Vinha o caldo da cana para o primeiro tacho, depois de um tempo era transferido para outro, depois mais outro, até chegar no ponto de despejar o mel grosso nas formas de rapadura. Em algumas ocasiões colocava-se algo para apurar o ponto certo. Chamavam aquilo de droga. Não sei do que se compunha, mas tinha um ingrediente conhecido que era óleo ou caroço de mamona junto com outras coisas. Bom, o fato é que a rapadura saía perfeita.
E os alfenins? Ai que delícia! Lá mesmo em Seu Toinho Gonçalves havia um grupo de mulheres mestras em alfenins. Iam elas com um pedaço de cana e mergulhavam-no no tacho com o mel quente. Movimentavam o pedaço melado da cana de maneira que o mel não caísse até que adquirisse consistência e elas, com destreza e resistência, pois aquilo era muito quente, iam descolando o melado. Depois de reunida aquela doce substância elástica começavam o puxa-puxa. Aquilo exigia grande força e resistência. Era muito quente e pesado para ficar fazendo malabarismo com o doce até que ele fosse clareando, clareando e se tornar branco cor de pérola. Elas faziam desenhos lindos com os “chicotes” de alfenins. Moldavam flores, bichos, etc. Depois eles se solidificavam aos esfriarem. Desmanchavam-se na boca. Que maravilha! 
José Ribeiro
Ipaumirim
02.08.2019

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