PELAS RUAS QUE ANDEI, PROCUREI. Roteiro afetivo das antigas ruas de Ipaumirim

MLUIZA
 Passeando sobre as antigas ruas de Alagoinha/Ipaumirim, Flávio Lúcio vai compondo o cenário e nele integrando personagens da época. Vou contribuindo como posso na reconstituição do tempo e das lembranças. Especificamente para a composição deste texto cometemos ousadias invertendo regras e modelos de entrevista usualmente utilizados.  Nesta etapa do trabalho, nos aproximamos da técnica de brainstorming como detonador de nossas lembranças onde nada é descartado, equivocado ou absurdo. A partir das lembranças que fluíam durante o processo fomos refazendo percursos, promovendo ajustes e reparos, compatibilizando informações até chegar ao texto definitivo. Vale registrar que isto só foi possível porque temos intimidade e vivência comum na relação com a temática e ainda disposição para os desafios. O processo custou tempo, disponibilidade e paciência. Nesta composição gastamos muitas horas em encontros presenciais e dois meses e meio em contatos telefônicos e virtuais até chegar ao texto que agora apresento para vocês. Vale registrar que esta não é a apreciação definitiva de um tempo. Temos consciência do nosso ‘lugar de fala’ e sabemos, portanto, que existirão, com certeza, outras versões que podem enriquecer a composição das memórias de IP. Como sempre, o nosso texto é aberto a reparos, complementações e contribuições oportunas que enriqueçam o nosso trabalho. É só enviar para o e-mail luizanobrega_ufpe@yahoo.com.br
MLUIZA
13.03.2019

PELAS RUAS QUE ANDEI, PROCUREI.

FLÁVIO LÚCIO BEZERRA DE OLIVEIRA. Foto dos anos 50
Num Ipaumirim bucólico e atrasado, de poucas ruas e muitos conhecidos, era fácil encontrar todo mundo. Estruturar as vielas e os seus respectivos moradores é um exercício coletivo onde cada um lembra alguém. Éramos uma pequena comunidade onde os nomes da rua faziam alusão à sua  localização e às suas funcionalidades.

Assim, tínhamos as duas principais ruas: Rua da Sombra (atual Rua Coronel Gustavo Lima) do lado nascente e a Rua do Sol, (atual Rua Prefeito Alexandre Gonçalves) do lado poente separadas inicialmente pela pequena capela e depois pela praça e pelas travessas que foram se formando entre uma e outra. Depois foram chegando outras ruas, a rua do colégio, a rua das flores, a rua do cemitério. A rua da matança era assentada na área de um antigo matadouro. Nela moravam os mais humildes. Depois foram-se incorporando outros becos e vielas. 
Praça da Matriz. Foto dos anos 40. Da esquerda p/ direita: Dr. Francisco Vasconcelos de Arruda, Monsenhor Manuel Carlos de Morais, Luiz Leite da Nóbrega e Luiz Leite da Nóbrega Filho. Foto do arquivo de Vilany Nóbrega Brasil/Maria Luiza Nóbrega de Morais.

Com a vinda de João Augusto, em 1919, as obras por ele construídas começaram a dar uma feição de povoado ao aglomerado de casas humildes que por ali existiam. Pode-se dizer, sem sombra de dúvida, que o desenho urbano de Ipaumirim foi projetado por ele. O espírito empreendedor de Ademar Barbosa, nas suas (duas) administrações como prefeito, deu-lhe  a feição que vemos atualmente.
Ao longo do tempo, o núcleo central do povoamento original, expandiu-se em novos bairros periféricos ocupando o território dos antigos sítios que arrodeavam a vila.
Na Rua da Sombra, atual Rua Coronel Gustavo Lima, o local onde morou Luiz Nóbrega era originalmente um terreno da família Alves. Infelizmente, a lembrança ancorada no ouvir contar já não alcança seus nomes. Humildes, eles moravam num casebre e cuidavam da antiga capela. Mais adiante, perto de onde existiu durante muitos anos a farmácia de Sidney Ernani Dore, morou Cícero Brasileiro. Na calçada, a ausência de cadeiras e/ou tamboretes era resolvida com caixotes que serviam de assento para botar a conversa em dia. Flávio localiza este período por volta do início dos anos 20. Sua mãe, Maristela, contava que quando vinha do Sítio  Catolé para a missa, devidamente  acompanhada pela mulher de Manoel Matias, vaqueiro do Catolé, ficava aguardando o início da celebração na casa de Cícero Brasileiro que ela dizia morar por essas imediações.
A Rua Coronel Gustavo Lima tradicionalmente foi uma referência no conceito de morar. Esse prestigio dava-se tanto  por sua localização quanto por seus moradores. Próxima  da capela, da praça principal, do pequeno comércio, as famílias mais antigas se instalaram por ali. Com o tempo, houve o revezamento dos moradores mas ainda hoje existem famílias que moram no mesmo lugar. Junto da igreja, permanecem, nas mesmas casas, descendentes de Luiz Leite da Nóbrega, de Alexandre Gonçalves, de Cícero Bento, de Maria Ribeiro  e ainda descendentes de Vicentina que foi criada por Maria Luna. Entre os anos 40 e 50 é possível identificar muitos moradores. A partir do início da rua, num esforço de memória,  é possível lembrar D. Massala, Vigária e seu filho Minervino que viviam numa casa posteriormente demolida para construir a casa de Nildo Fernandes,  Mestre Joaquim Henrique, exímio artesão de madeira e ferro,  e Águeda, Josefa Ribeiro e Bernardina, Antonio Jerônimo de Freitas (Giló) e Dona Francisquinha, Senhor Damião e Francisquinha, Maria Ribeiro, Menininha Osório, Dionísio Olímpio (onde funcionou a escola de Zenira antes de mudar-se para a casa de D. Carlota), Maria Luna e sua filha Beatriz Barros,  João Maia e Libia, filha de Cícero Brasileiro, Seu Barbosa (farmacêutico) quando fechou a farmácia em Aurora veio morar com a família na casa da sogra, Dona Piquilí. A seguir,  Cicero Bento e Nena, Tiburtino e Aurora Conrado,  Raimundo e Carlota Henrique, Adautiva e Otílio, Seu Nel e Santana, Luiz Leite da Nóbrega e Maria Nóbrega, Adolfo Augusto de Oliveira e Maristela, Odilon Nery e Rosinha na casa que depois de reformada morou Antônio Correia e Maura, Alexandre Gonçalves e Licor, Senhora e sua filha Zenira,, Miguel sapateiro, pai de Xeringa, em cujo  local era instalada sua oficina de sapatos. Nesta mesma casa, morou depois Luiz Arruda e Dona Dolores e ainda Cristina Lemos. A seguir,  Doca Moreira e Socorro Pontes, Maria Serafim com as filhas Mundinha e Francisquinha, Cirilo Sampaio e Mundinha, Farmácia de Ernani Dore, Jocely e Ritinha,  Padaria de Doca Moreira, Antônio Ribeiro e Ecilda, Pensão de Delice Osório neta de Dona Naninha, armazém de José Saraiva,  escritório de Ademar Barbosa  e o comércio de Jerônimo Jorge, na esquina, finalizando o quarteirão. Havia uma rotatividade dos negócios e dos donos. Por exemplo, o local onde ficava o armazém de Zé Saraiva, foi anteriormente o Bar do Domário Gouveia, o café de João Vital, o bar de Antônio Correia, o bar/sinuca de Sebasto Barbosa e só então o armazém de Zé Saraiva. O escritório de Ademar Barbosa foi depois ocupado pelo Cartório Eleitoral onde feito o recadastramento de 1958. Depois, sediou a Coletoria Federal.
Seguindo na rua, o quarteirão iniciava com a bodega de João Sobreira posteriormente, durante muitos anos, o armarinho de Cristina Gomes Lemos. Vizinho vivia João Sobreira e Dona Otília seguido da Sapataria de Tonheta onde também funcionou o cinema de Wilson Barros, as residências de Isabel Germano, Zacarias Pontes, a Estatistica vizinho a casa de Alberto Moura e a Agência dos Correios na época da administração de Maria Luna.  Pouco mais adiante, Vila Lidinha (casa de Ademar) onde tambémm morou José Sarmento e ainda Dr. Rui Amorim, o primeiro juiz a residir em Ipaumirim. Seguia-se  o bangalô que Adolfo construiu onde depois morou Zé Milton genro de Domingos Né, Amaro Farias e Anísia, Luiz de França e Precida, Zé Saraiva e Tintinha, Josa Henrique e Nair, José Batista, José Alves de Oliveira e Luzanira, Vicente Benedito e Caboquinha, Luiz Ferreira e Nenem e, finalmente, Joaquim Pires e Belinha finalizando o quarteirão, casa que hoje pertence a Luizete Gonçalves Sarmento..
Naturalmente, fica difícil precisar a rotatividade de alguns moradores, mas estes marcaram presença nesta rua pelos idos dos anos 50. É possível lembrar ainda Osmar Arruda e Onélia, Cristina Lemos, Dr. José de Oliveira, Juiz de Direito, apaixonado por música, todas as noites, invariavelmente, exercitava seus primários dotes musicais ora no acordeom ora no saxofone (ou seria clarinete?),
Na Travessa Joaquim Pires moraram, entre outros, Vicente Pires, José Fernandes e Dolores e também Otacílio Josué. Na esquina da Travessa Joaquim Pires com a Praça do Posto ficava a originalmente a bodega de Joaquim Pires e, depois foi o bar de Manassés. N esquina da Travessa Joaquim Pires com a  Rua da Sombra, ficava a mercearia de Neném Mouquim que vendia as novidades culinárias industrializadas do tipo azeitona, kitut, compotas, latas de biscoitos e outras especiarias. As demais bodegas geralmente vendiam legumes, fumo de rolo, cordas, e outras mercadorias do gênero. No largo desta travessa, ficava o antigo açougue demolido no governo de Alexandre Gonçalves. No local foi construída a prefeitura e atualmente funciona o CVT.
Na Praça do Posto, atual Praça Osvaldo Ademar Barbosa, morou José Tiburtino, João Maciel (pai de Zezinho, Zefinha e Naninha), José Neco,  José Sabino, José Saturnino, José Felinto e Zefinha, Manoel Duda (ferreiro e poeta), Antônio Piaba, Dionísio Olímpio, Luiz Brás, Seu Sales, Manassés e Nilce, Afonso Alves e Maria de Afonso, entre outros. Na rua que desce para a antiga estrada de Cajazeiras, moraram Jesuíno, Sebasto Barbosa e Dona Rosinha, Chico de Melo e Longina, Neném Moquim, Vitorino, Dãozinho de Melo e Aldenir, Luídio Barbosa e Zélia, Abdias Neri, entre outros. Os estabelecimentos comerciais desta área eram o Posto de Zé Felinto, o café de Maria de Afonso, o café de Zé Neco, o bar de Manassés, o bar de Azarias no local que depois sediou a Cooperativa Agrícola. Ali também ficava a única parada do Expresso de Luxo que fazia o transporte intermunicipal. Cobertos de poeira, os passageiros costumavam desembarcar com uma toalha no braço ou nos ombros. Os homens com uma toalha de rosto e as mulheres com uma toalha de banho. Aliás, a toalha era uma fiel companheira de viagem para defender-se da poeira e do desconforto dos ônibus de poltrona de plástico que grudavam nas costas suadas de quem ousava viajar com uma roupa decotada.   A Praça do Posto   ainda permanece como parada de ônibus intermunicipal e praça de táxi agregando, na atualidade, outras finalidades relacionadas ao transporte de passageiros e lazer.
Na Rua do Sol, viviam José Batista e Toinha, Isidro Nery e Cecília, João Pereira, Dona Odete, Pedro Alexandre e Maria Alzira, Antônio Pessoa e Zenilda,   J. Figueiredo Filho, escritor, que foi boticário em Ipaumirim nos anos 20-30, Castro Alves e Rosa, Pitota e sua irrequieta Marieta, Adalberto e Maurde, Sérgio Sobreira e Neném costureira, Cazuza Leandro, Cassiano e Vicência, Vicente Gomes e Maria Eunice (eu nasci nessa rua),  Elesbão dentista, Antônio Melquíades, Custódio que morou na esquina onde depois foi a bodega de Jesuíno. Posteriormente, Custódio foi morar no beco que ficou conhecido como Beco do Custódio. Moraram nesta rua defronte a  praça da igreja,   Vicente Ferreira e Lica,  Eugenio, Joca Albuquerque, Seu Lustosa, sapateiro, pai de Dedé Lustosa, Dedé Lustosa e Euclice, Antônio Oliveira e Neuzinha, Manuel sapateiro e Toinha (no mesmo local funcionava sua sapataria), depois, nesta mesma casa, morou Odilon Nery e Rosinha.  Ainda nesta rua, Bonifácio Vieira e Clinéia,  Antônio Miguel, Antônio Baraúna e Maria, João Leandro e Chiquinha. A antiga casa paroquial finalizava o quarteirão. Mais adiante, morou Pedro Osório e  Florinda, Bernardo Dias  e Maria, José Maria (coletor, bonito e namorador. Desculpe, não resisti à fofoca)  e Auta (descolada e ciumenta, com razão),  Odilon Nery e Rosinha.
Na rua do Colégio, moraram Manuel Gomes e Cecília, Vicente Piquilí e Chicô, Jalmir protético, Zé Claudino e Terezinha, Josa e Mirô, Dona Maria, mãe de Fatinha, João Vital e Dona Ursula, José Ernesto, Familia Aristides, Epitácio Nobrega e Leopoldina, Tonheta e Almira, Doca Romão, Ernani Dore, Afrodisio e Lindalva, Zé Lopes e Aurenir, Ernani Dore e Neusa,  Zé Henrique e Ivone, Boaventura e Ormezinda e, finalizando, a rua Adolfo e Maristela. A rua encerrava com a Aguada Coronel José Ferreira de Santana construida por Luiz Nóbrega quando foi prefeito de Baixio. Atrás da rua, morava Naninha Alexandre.

Na Rua do Sol, nas imediações do Mercado Público, ficava a agroindústria de algodão de Luiz Barbosa e a aguada de Luídio Barbosa..
No quarteirão defronte à igreja moravam Miceno Alexandre e Maria Nunes, Barrim e Hélia (prédio da antiga Prefeitura onde hoje funciona o Sindicato dos Trabalhadores Rurais), Cícero Fernandes, Antônio Dantas e Mariinha, Colares e Socorro Felinto, José Henrique e Dona Ivone, Saint Clair (estas duas casas foram demolidas e no local foi construída a nova casa paroquial),   Família Rodrigues, Totó Olímpio, Argemiro Vieira e Maria Nery, Chico Olívio, Marley Arruda e Olga, entre outros. Atrás dessa rua, ficava o Cantinho da Imprensa na residência de Miguel Arruda e Dona Francisquinha.
No quarteirão atrás da igreja moraram várias familias: Domário Gouveia, Pedro Lacerda, Manuel Gomes e Cecília, entre outros, na casa que faz esquina com a Rua do Sol.  Lembro que nessa casa num dia de eleição -  não me lembro de qual candidato - fazia-se comida para distribuir com eleitores. Seguindo na quadra,  viveram José Macedo e Soledade, depois Centor Victor e Ivone Brasileiro e, finalmente, Anchieta e Salete. Ali também viveu  Osmar Victor e Dilma e, depois, Hugo Victor e Luizinha Gonçalves, Vicente e Maria Eunice. Na casa seguinte, José Josué e Adalgisa, alguém da família  Sarmento mas não lembro quem, e ainda Wilson Barros e Jacira. Nela, Dr. Arruda manteve uma república durante um tempo. Muito tempo depois, morou Cristina Lemos. Na esquina com a Rua da Sombra ficava  um terreno baldio onde se faziam fogueiras no período de São João sendo também território de brincadeiras das crianças  e onde as moças jogavam numa  quadra de volei improvisada.
A Rua da Matança e a Rua das Flores eram mais afastadas. Na rua das Flores morou Joaquim Ricarte, Santina (mãe de nego Chico e Cafita)  e a família Estolano e Honório Preto, Zé Preto e Massimina, entre outros.  Os Estolanos eram os nossos principais vendedores de frutas  e tinham seu comércio instalado na entrada do mercado público defronte a  atual Praça Padre Cícero.
Na rua da Matança, morou seu Antônio Cego casado com Dona Naninha que pedia esmola pelas ruas, Quininha Veloso, entre outros moradores dos quais lembro a fisionomia mas o tempo já me apagou o nome.
A rua Bento Vieira, abrigava a Sousa Fernandes & Cia que construiu, ainda nos anos 50, vizinho às suas instalações uma casa mais moderna onde residia seu gerente, na época, Diógenes Rolim. Junto dele morava Dona Julia, mãe de Tutu, que plantava e vendia coentro e cebolinha, tempero quase que exclusivo naquela época.
Souza Fernandes & Cia
Nesta rua, morou Nezinho e Vicentina (inesquecível com seu famoso balaio a vender cocadas de rapadura e de coco pelas ruas do povoado), Cícero Claudino e Rosário, Nen Olimpio, José Mestre, Aurélio Crispim e Luiza. Aurélio chega a Ipaumirim na década de 50, vindo do Sítio Iracema, propriedade de João Augusto, no município de Lavras da Mangabeira.
Vicentina Marcolino

Moraram ainda Zé Mestre e seu genro  Chaga Bindá, Zé Bindá, Antonio Bindá, Biliu Marceneiro, Zefinha de Edilson, Sebastião Baraúna e Dorinha, Maria Henrique com Maria Lourenço (sua enteada e zeladora da igreja) e com a filha, Socorro Henrique, que tinha uma mão delicada e uma bela letra. Para ajudar nas despesas da casa, Socorro copiava lições nos cadernos dos alunos para que eles pudessem estudar numa época em que a indisponibilidade de livros demandava este tipo de serviço. Morava ainda Maria Veloso, mãe de Quininha, avó de Lourdes e Nenénzinha. Maria Veloso era mãe de Ginu Veloso dono de um dos cabarés mais antigos de Alagoinha.  Ginu disputava a freguesia com Cesarina e Julia principalmente nos bailes vespertinos dos dias de feira. Entre a casa de Maria Veloso e o cemitério Santa Terezinha, ficava a antiga cadeia. Morou ainda Vicente de Zefa, ajudante de caminhão, amasiado com Marlene, filha de Argemiro e neta de Custodio. Pálida, magrinha e frágil, Marlene morreu precocemente. Mais acima, na mesma rua, morou José Preto, pai de Geraldo, Hermano, Miguel e José Omar, e a família Santana, pais de Elizete.  Nesta rua, também viveu Balbina, passadeira de roupa. Balbina andava com sua garrafa térmica embaixo do braço vendendo chá pelas ruelas do povoado  e era conhecida como uma grande cozinheira sempre convidada para cuidar dos banquetes.

Balbina
Havia ainda casebres muito humildes que abrigavam trabalhadores informais que geralmente prestavam serviço na Sousa Fernandes  e/ou no comércio local.
Na atual Praça Padre Cícero, na esquina com a Rua da Sombra,  moraram Raimundo Lemos e Cristina na mesma casa onde depois morou  Manuel sapateiro com sua numerosa família. 
Manuel sapateiro, Dona Toinha e seus filhos

Seguindo na quadra, morou Boaventura, Luiz Barbosa e Jader Santana. Quando Luiz Barbosa foi embora para Fortaleza vendeu sua  casa para  Antônio Ernesto, um matuto recursado, como se dizia antigamente, que se candidatou a prefeito e perdeu na campanha de 1958 contra Alexandre Gonçalves, candidato de Dr. Arruda. O refrão da  música da vitória do partido de Dr. Arruda tinha o seguinte refrão: 
“Doutor Arruda bem folgado
Na Assembleia do Estado
Antônio Ernesto, pobre coitado
No pé da serra enfezado”
Depois da derrota política, Antônio Ernesto migrou com a família para Brasília. Posteriormente, a casa foi  comprada por Jerônimo Jorge. A casa vizinha, construida por  Luiz Barbosa, para Jáder Santana morar com Laíres.  Jáder, filho de Pedro Santana e Rocilda, era ao mesmo tempo enteado  e genro de Luiz Barbosa. Nesta casa, em diferentes épocas morou Wilson Barros e Jacira, José Josué e Adalgisa, , Luiz Jorge e Socorro, Toinho Gonçalves e Iaiá, e, bem depois José Holanda e Alzenira. José Josué, quando foi embora para Fortaleza, vendeu sua loja de tecidos a José Batista. Esta loja de  ficava no mercado, defronte a Praça Padre Cícero, indo da esquina com a Rua da Sombra até a porta do mercado. Deste mesmo lado, ficava o escritório da agroindústria de algodão de Luiz Barbosa. Quando fechou a fábrica, Luiz Barbosa instalou no local uma loja de tecidos que foi posteriormente vendida a Vitorino. Na esquina com a Rua do Sol, ficava o comércio de Antônio Oliveira. Dando a volta no mercado, do  lado da Rua do Sol, concentravam-se cafés e outros pequenos comércios.
Dentro do mercado, ficavam as bancas de miudezas de Josa de Mirô, João Pereira, Seu Aprígio (pai de Simão), José Brás, entre outros. Na entrada do mercado, pela atual Praça São Sebastião, antigo largo da feira, ficava o caldo de cana de Raimundo Paulo. Defronte a Raimundo Paulo ficava a banca do pai de Toinho, lembro deles mas não lembro o nome. Ao lado do caldo de cana de Raimundo Paulo ficava, nos dias de feira, a banca de bolo de Maria Velosa.
Ainda defronte ao largo da feira,  no térreo do sobrado de esquina funcionou a bodega de Isidro Nery. Em cima, ficava uma casa de jogo. Depois, a difusora foi transferida para este local. A sua programação era plena de boleros. Nelson Gonçalves, Núbia Lafayette, Orlando Silva, entre outros. Mas também abrigava de bom grado o forró e as marchinhas carnavalescas da época. Nesta  época, quando chegou a difusora, o passeio da tarde era  subindo e descendo a Rua da Sombra. As pessoas passeavam e ouviam as  ofertas musicais 'irradiadas' pela difusora. Em janeiro de 1946, esta difusora foi emprestada a Cajazeiras para a comemoração da vitória do general Eurico Gaspar Dutra, eleito pelo PSD em coligação com o PTB, em dezembro de 1945, apesar dos esforços dos udenistas cajazeirenses para impedir a festa. Na ocasião, Arruda também cedeu os lampiões à gasolina para que não faltasse luz na festa noturna. (COSTA, Antônio Assis .2013. 264 p.) Posteriormente, esse passeio mudou de lugar, transferindo-se para a Praça da Matriz, atual Praça Coronel Luiz leite da Nóbrega. A difusora  era propriedade de Arruda e administrada por Zé Henrique era instalada  no andar superior onde funcionou, no térreo, a bodega de Isidro Nery. Na esquina com a Rua Coronel Gustavo Lima, Rua da Sombra,  fPosteriormente esta bodega ficou com José Gonçalves de Lima, genro de Cicero Bento.
Nesta mesma quadra estavam instalados o escritório da Sousa Fernandes& Cia, a padaria de Manuel Peliz onde trabalhou o pai de Edmilson Alcântara (Jia), a loja chamada ‘A primavera’  de Jader Santana, a bodega de Chico Olívio, a loja de tecidos de Senhor Damião, o bar de José Bezerra (dos Bezerra do sítio Bananeira), a bodega de Vigária e Minervino e ainda a  bodega de Chico Olívio que veio para Alagoinha com Cicero Fernandes, seu parente. 
Em 1941, no local onde era a bodega de Chico Olívio (hoje, o bar de Benigno Dantas (Boia), existia o comércio de Maximiano Lustosa, conhecido pelo apelido de De Piano, que trabalhava com secos e molhados e era comprador de peles e algodão. Foi neste local,  que Chico Rolim, ex-prefeito de Cajazeiras, começou sua vida profissional no comércio, como empregado do senhor De Piano. Com o passar do tempo e o sucesso alcançado, esta loja ampliou seus negócios instalando um bar-lanchonete. (DUARTE, Sebastião Moreira, Do miolo do Sertão, 1988)
Uma das minhas primeiras lembranças foi de uma peça teatral encenada num dos armazéns localizado neste quarteirão. A peça foi iniciativa de Zenira Gonçalves Gomes que gostava de promover este tipo de evento e eu, casualmente, participei. A peça, ou drama como se dizia na época, chamava-se “Maria, filha do mar” onde eu tive que tomar um banho num tonel de água porque fui resgatada de um naufrágio por Chico Milton, filho de Dona Úrsula e seu João Vital.   Esta foi a minha única, meteórica e definitiva experiência teatral. Eu talvez tivesse uns 3 ou 4 anos. Curioso que naquela época, anos 50, várias peças foram encenadas em Ipaumirim, por iniciativa de Zenira, cuja protagonista preferida era sempre Zefinha Maciel.  Além dessas iniciativas, o que conhecíamos de teatro eram os dramas apresentados pelos circos mambembes que por ali passavam. Lembro especialmente de uma peça chamada “A louca do jardim’ que fez o maior sucesso no Circo Araújo que também encenava: 'O céu uniu dois corações' e o carro chefe do seu nucleo de dramaturgia e sucesso imbatível de público o drama 'Coração Materno'.
Ainda na década de 40, no lado externo do mercado, defronte ao comércio do senhor De Piano, ficava o comércio de tecido de Raimundo Dias do Nascimento, instalada onde ficava originalmente a Casa Aliança de João Augusto Lima. Raimundo Dias, em 12.06.1943, inaugura uma filial do seu comércio, em Umari, gerenciada por Chico Rolim. É na loja de Alagoinha que Chico Rolim aprende a lidar com a venda de tecidos. Este local foi posteriormente a Loja Macedo.  Na esquina da travessa com a rua Coronel Gustavo Lima ficava originalmente um armarinho de Zé Macedo  onde trabalhou Dobrão, irmão de Domário Gouveia. Depois, foi a bodega de Adolfo Augusto de Oliveira que se estendia um pouco além na Rua Coronel Gustavo Lima. Antes da bodega de Adolfo, ali funcionou a bodega de Miceno Alexandre.

A época da safra de algodão era também a época dos casamentos. A loja de Zé  Macedo vendia os tecidos para o enxoval e Adolfo vendia os utensílios domésticos. A loja de Adolfo foi vendida em 1957. Parte do prédio onde ficava a loja de Adolfo foi comprada por Cícero Soares que ali instalou sua bodega.

No início das atividades, Adolfo, que teve como sócia Beatriz Barros, vendia material de armarinho e utensílios para o lar (panelas, bules, colheres, penicos, etc..). Depois, ampliou seu sortimento negociando também com ferragens. Nos dias de feira, para dar conta do movimento, trabalhavam na loja Romilda Nery, Terezinha Nóbrega, Zenira Gonçalves Gomes, Beatriz Barros e Liberti Ferreira. 
1. Beatriz Barros, 2. Liberti Ferreira. 3. Terezinha Paiva Nóbrega. 4. Romilda Nery. 5. Zenira Gonçalves Gomes. Arquivo de Zenira Gonçalves Gomes. Gentilmente cedida.
Quando José Macedo desistiu de negociar, tempos depois, a loja ficou com Vicente Gomes de Morais, seu funcionário durante muitos anos. A loja que inicialmente trabalhava com tecido ampliou seu negócio para a venda de colchão, fogão, gás butano, etc.. A loja da esquina onde funcionou o armarinho de Zé Macedo e a bodega de Adolfo, foi ocupada pela bodega de Luiz Didico, do Baixio. Quando Vicente Gomes comprou a bodega de Luiz Didico resolveu fazer uma liquidação dos produtos uma vez que estes não eram seu ramo de negócio e ampliar a sua loja. O curioso foi o fato de que, no balanço dos produtos para liquidação, observou-se que todos os vidros de perfume e águas de colônia estavam abertos. 
Neste mesmo quarteirão, outras pessoas tiveram seu comércio instalado em diferentes épocas. Entre elas, a bodega de Tiburtino Albuquerque. Junto da entrada do comércio funcionou o café de Roquete e na esquina com a Rua do Sol funcionou a barbearia de Cirilo Sampaio e Joca Albuquerque.
Na volta do mercado, na Rua da Sombra, ficava além da bodega de Cicero Soares, a alfaiataria de Boaventura, depois a loja de armarinho de Nilda Nery, entre outros pequenos negócios.   
Muitos comércios desta área que não estão, neste momento, registrados constam de matéria que integra a série sobre Gastronomia em Ipaumirim, aqui publicada, quando levantamos o comercio de alimentos do município.

As grandes festas dançantes aconteciam no Colégio XI de Agosto. Não haviam mesas, apenas um balcão para venda de bebidas. As bebidas eram acondicionadas em camburões com gelo e pó de serragem para conserva-las numa temperatura razoável   Anos depois, o primeiro andar do sobrado sediou o Clube Recreativo de Ipaumirim que teve como seu primeiro presidente Ademar Barbosa transferindo-se depois para a  sede definitiva por ele construída na Rua Bento Vieira.

As festas do CRI, mobilizavam o comércio local de tecidos, inclusive o comércio de Cajazeiras com melhores ofertas de tecidos mais trabalhados. Os armarinhos locais se esmeravam em buscar aviamentos mais adequados ao gosto e necessidades femininas da época. Enquanto não chegava a mercadoria comprada pelos comerciantes locais aos viajantes de Campina Grande – PB, o armarinho de Chico Sobreira, na volta do mercado público de Cajazeiras, era ponto certo da mulherada de IP em busca de aviamentos. Foi a época gloriosa das grandes costureiras de Ipaumirim. Organdi suíço, sedas e brocados inundavam as festas do novo CRI.  Depois, foram chegando aos poucos os tecidos sintéticos. Era a praticidade invadindo o terreno das fibras naturais. Não chiques, mas práticos. Tempo do nycron, do tergal e do famoso e calorento ‘volta ao mundo’. Mais ou menos nessa época, fim dos anos 50 e início dos anos 60,  Ipaumirim conheceu as famosas sandálias japonesas depois conhecidas como havaianas. As primeiras vieram diretamente da Zona Franca de Manaus.
Por esse tempo, chegaram os bambolês que revolucionaram o universo lúdico das meninas. Enquanto funcionavam ajudavam na prática do rebolado que seria útil tempos depois na sua fase de coqueteria.  Quando os bambolês quebravam, eram cortados em pedacinhos e reutilizados como bobes nas cabeças femininas para produzir cachos mais largos que os habituais frisados de Nair de Josa e ainda aqueles produzidos através de uma engenhosa criatividade feminina que passava horas esquadrinhando a cabeça e formando mechinhas de cabelos a serem enroladas num lápis e amarradas com uma tirinha de pano ou de fita. Lembro do meu constrangimento quando ainda criança, na década de 50, estudante do Grupo Escolar D. Francisco de Assis Pires, fui coroar Nossa Senhora na finalização das festas de maio realizadas pelo grupo. Passaram a manhã amarrando meu cabelo e na hora coroação ele estava simplesmente encrespado e horroroso. Eu queria ser abduzida naquela hora mas tive que subir num tamborete e ler o discurso produzido por Zenira. Os bobes aposentaram os frisados de Nair e os cabelos amarrados. Mudou a moda. Mudaram os penteados e chegaram os laquês para fixar o cabelo e espetar a barba dos rapazes nas festas dançantes. Diante da repressão da época, chegar perto valia tudo. Até cabelo espetado e borrifado com laquê e, na falta do laquê, valia a mistura da salvação que era uma solução artesanal de breu com álcool. O suplicio de desfazer aqueles cabelos só foi aliviado muito tempo depois com a chegada do creme rinse. Ninguém entende as mulheres. Se as que tinham cabelos lisos queriam torna-los cacheados, as que tinham a cabeleira afro queriam torna-los lisos. Era a hora dos primitivos pentes de ferros alisando as cabeleiras. O pente de ferro em brasa torturava as madeixas. A fumaça subia e o cheiro de cabelo queimado inundava. No final, o cabelo ficava tão esticado que parecia uma vassoura de piaçava submetida a um banho de poliuretano. A água batia e descia, mas não penetrava.  Tudo pela moda. Mas não era apenas pela moda, era também pela vergonha de não ter o cabelo padrão imposto pelos preconceitos da época. De qualquer maneira, a vaidade agradece o sacrifício. Mulher resiste a tudo, menos à vaidade. 

Vale registrar, que em post anterior, falamos  sobre os primórdios da Rua do Colégio, atual Rua Dr. Francisco Arruda.
Tinha uma pequena rua que ficava na saída para os terrenos da família Braz e junto dos armazéns da Sousa Fernandes. Nela, morou Cirilo Serra e Zomeiro Josué.
Os casebres distribuídos de forma esparsa que ficavam por trás das ruas mais habitadas eram chamados rua de monturo. Eram ruas do monturo, por exemplo, a que ficava atrás da Rua Bento Vieira e ainda a que ficava atrás da Rua do Sol,  lindeira com o riacho do serrote. Na realidade, não eram ruas mas um conjunto de miseráveis casebres esparsos mas relativamente próximos um do outro. 
IP tinha seus personagens inesquecíveis. Bilina com o seu amor platônico por um Pedro quiçá inexistente mas presente no seu cotidiano e nas suas esperas. Joana Doida com os seus cachorros a acompanha-la. Joana morava num casebre atrás da Sousa Fernandes. Trocava o nome das pessoas. Chamava meu avô, Luiz Nóbrega, de Padim Moreira e sei lá quem seria chamado de Luiz Nóbrega. O certo é que um dia ela chegou contando a minha vó que soube que Luiz Nóbrega estava no cabaré. Naturalmente, minha vó não se preocupou porque, naquele horário, Padim Moreira estava em casa. Diariamente, tomava seu café da manhã na casa de Adolfo e almoçava na casa de Luiz Nóbrega. Joana morreu de barriga d’água na sua cama de vara. Seu sepultamento teve todas as honrarias dos ilustres personagens locais. O comércio fechou e o féretro foi acompanhado pela população e inclusive por seus famosos cachorros que com ela moravam.  Raimundo doido que vivia pelos matos do Sítio Zé Vieira e vez por outra aparecia na rua. E tinham os doidos passantes. Apareciam e desapareciam. Manuel Parampampão, agregado da casa de Antônio Vermelho. Juvêncio, um doido de barriga grande e lisa e de cabelo raspado que aparecia vez por outra. Cícero Taperoá, um maluco de Santa Helena, que vinha a pé todo domingo, com uma viola de lata de doce para tocar na feira. E tinham andarilhos, como dona Fausta e seu filho Ibiapina, que andavam o sertão inteiro de pés descalços. E quem não lembra de Antônio Boneco e de  Espirito Santo? De Maurício de João Leandro? De Zé Dió? De Manuel de Bernardo?
Como imaginar IP sem as meninas de Julinha?  E a ciganada que aportava ao local de vez em quando com sua língua especial e suas mulheres vestidas de laquê num estridente festival de cores a ler a mão das moçoilas casamenteiras enquanto os ciganos trambicavam de tudo que era jeito. Eventualmente, uma ou ou outra cigana se prostituía. Havia um cigano, chamado Chatô, exímio tocador de violão.  Outro dia, eu soube que quem introduziu a sanfona no sertão foram os ciganos. Fiquei maravilhada.
Na década de 50, os nossos principais espaços de sociabilidade eram a praça, a feira e a igreja. A praça onde os casais sentavam nos bancos enquanto as solteiras volteavam em círculo acompanhando o traçado da praça. O que seria dos amores sem essa praça? E o que seria dessa praça sem as Batistas, de braços dados como num meio abraço familiar, com suas saias rodadas a darem voltas e voltas e voltas? A praça também sediava os famosos leilões conduzidos por Aurélio Crispim. “Quem mais gostara, mais tomara!” Não sei o que ele queria dizer com seu refrão, mas era seu jeito próprio de estimular os lances. Os leilões pareciam um banquete com a mesa repleta de tanto bolo e galinha assada e outras prendas a serem leiloados. Eu fico me perguntando: quantas histórias valem uma praça?
São tantos os personagens que passeiam por nossas ruas e invadem nossa memória que é até injusto não citar cada um deles embora seja impossível compor essa extensa lista.
O que seria de Ipaumirim sem as injeções de Ernani Dore e sem as presepadas de Luídio Barbosa?
IP não seria o mesmo sem a meninada brincando na rua até que a luz desse o primeiro sinal avisando a hora de voltar para casa.
As festas da igreja eram fantásticas. Entre os anos 1949 e/ou 1950, a comunidade se mobilizou para conseguir recursos para a construção da nova igreja, deixando-a no padrão da época. Para construí-la, foi feita uma grande festa com dois partidos: PAZ e UNIÃO numa competição tremenda, mas com um objetivo comum. O grupo PAZ era liderado por Maria Nóbrega e Soledade Macedo. O grupo União era liderado por Adolfo e Maristela, Dr. Francisco Vasconcelos de Arruda e a indústria de beneficiamento de algodão Sousa Fernandes & Cia. As comissões se desdobravam a coletar, na região, os donativos que abasteciam os leilões. Ganhou a PAZ. A disputa foi tão acirrada que a apuração foi feita na sede da Prefeitura Municipal, em Baixio. O vigário, Monsenhor Manuel Carlos de Morais, exultante. A comunidade também.  Foi considerada a igreja mais bonita da região.
Muitos anos depois, precisamente a partir dos anos 90, a igrejinha linda, singela e única,  não conseguiu resistir às investidas da modernidade de gosto duvidoso que a descaracterizou. Destruiu-se o piso de mosaico – produzido, no Crato, pela Fábrica de Mosaicos Leão e Lucetti - cada dia mais valorizado, trocando-o por uma cerâmica modernosa, dessas que vendem em qualquer loja de material de construção. Y se eso fuera poco,  tiraram o foco do altar principal aplicando uma profusão de imagens na parede anterior a ele. Pelo modismo, arrancaram suas portas antigas, largas e em folha dupla, ao estilo da época da construção e adequadas ao clima quente por ampliar a circulação de ar e facilitar a circulação dos fiéis trocando-as por outras novas, modernas, estreitas. Tá, tudo bem. Ficou na moda, igual a inúmeras outras que existem por aí. A bem da verdade, ficou bonitinha, se bonitinha é adjetivo e critério que se permite desafiar a estética e descaracterizar a originalidade dos monumentos históricos. A pintura do teto e os anjos fizeram o maior sucesso. Dessa vez, quando estive lá por ocasião do centenário da romaria de São Sebastião, vi que tinham destruído a soleira dos altares que ficam na metade da igreja e feito um remendo grosseiro e tosco com uma cerâmica qualquer que deve ter sobrado de algum lugar.
Nas paredes externas, detrás da velha igreja, Padre Argemiro, durante as missões, ligava a sua máquina para passar filmes infantis e filmes com a vida de santos da Igreja Católica. 
A feira era a glória semanal principalmente em temporada de bom inverno e boa safra de algodão. É preciso se deter nesta feira porque ela foi importante inclusive na região.  Para ela, afluíam pequenos comerciantes e fregueses locais e da vizinhança que circulavam entre as suas rústicas bancas de madeira que vendiam legumes, miudezas, jogos de azar, a degustar suas merendas e refrescos. Outros compareciam apenas para o saudável encontro semanal com os amigos e conhecidos e se atualizar sobre as novidades. Artistas populares, emboladores, cantadores e vendedores de literatura de cordel também passaram por ali.  Muito dinheiro circulou na feira de Alagoinha/Ipaumirim. O largo da feira também foi descaracterizado com o assentamento de uma pracinha acanhada, feia, inadequada e pouco funcional e nada há no local que indique que foi o largo da antiga feira.
A fachada externa e o interior do mercado público também não resistiram à exaltação ao kitsch. Não credito apenas ao mau gosto e ao desconhecimento sobre o que é público e o que é privado, mas sobretudo à falta de ordenamento urbano, a constante e oportuna indiferença politiqueira e ao desprezo do poder municipal com relação ao patrimônio histórico. 
Mas, Alagoinha/Ipaumirim não era apenas um lugar bucólico e promissor em virtude de sua produção de algodão. O Ipaumirim festeiro, amistoso, lúdico, solidário e hospitaleiro conviveu, diuturnamente, com um Ipaumirim perverso sobre o qual a memória emudece. É o Ipaumirim da desigualdade social. Da fome, da miséria, das dificuldades pelas quais cruzamos indiferentes. É por esse território inóspito que ainda precisamos passar.
Para compreender o presente e as suas relações com o passado é preciso mergulhar nas lembranças silenciadas que
os olhos não conseguem perceber,
as mãos não ousam tocar
e os pés recusam pisar.”
(Paulinho da Viola)

Bibliografia

CRUZ, Roberto; ABREU, João César. Resgatando a história de uma cidade média: Crato capital da cultura.  Revista Historiar, ano II, n. I (2010)  Disponível em http://www.uvanet.br/hist/janjun2010/16_resgatando_historia.pdf
COSTA, Antonio Assis (Tota Assis). A(s) Cajazeira(s) que eu vi e onde vivi. João Pessoa. 2013. Grafica JB. 264p.
DUARTE, Sebastião Moreira. Do miolo do sertão: a história de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte. João Pessoa. 1988. Grafset Editora. 263 p.




MLUIZA
13.03.2019

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