Embora eu acredite que a
vida é o instante presente, sou daquelas
que insistem em fazer planos. Para amanhã, para o próximo ano, para anteontem,
para o ano anterior, para o século passado e para o próximo milênio. E vou
cumprindo a vida aos pedaços e aos goles. Tenho planos, mas não traço rotas. Sigo.
Chego lá. Não me pergunte como.
Flávio Lúcio e eu
tínhamos combinado uma viagem de retorno a IP através das suas lembranças.
Sabemos que este tipo de relato trabalha com variáveis subjetivas e é
exatamente esta singularidade que nos interessa porque ela é o resultado da
dinâmica das forças que interagem nas experiências vividas. As lembranças são constituídas, portanto, de fatos,
cenas, sensações e sentimentos que interferem na experiência e posteriormente
na sua reconstrução. Todo ‘lembrador’ nasce e vive num
contexto que determina suas lembranças. Ele é sempre um sujeito único e fala em
seu próprio nome. Lembrar é reconstruir e dar um sentido ao vivido, é expressar
mais o significado do que o próprio acontecimento. Assim, a maneira de contar é
tão importante quanto o conteúdo. Nesse processo, o não dito, os lapsos, as
divagações, as emoções não são fugas, são elementos que compõem o relato.
Existe uma variedade de
modelos e/ou tipos de entrevista. Em nosso caso, em virtude da nossa vivência e interesse comum, nos aproximamos de um modelo
onde é possível, sempre que necessário, uma colaboração entre
entrevistador/entrevistado, uma parceria, uma partilha. Funciona com as regras
próprias do diálogo (proximidade, intercambio, exposição discursiva,
espontaneidade, caráter presencial, atmosfera de descontração e intimidade).
Nela, cabe, portanto, emoções, reações, observações, idiossincrasias etc.
Embora focado nas
décadas de 1950 e 1960, o relato passa eventualmente por outras décadas através
da recuperação de memórias herdadas de gerações anteriores.
Partindo do pressuposto
que no passado está a chave do presente e do futuro, tentamos nos aproximar das
mudanças e permanências, contextos e processos pelos quais Ipaumirim vem
passando ao longo do tempo.
Urariano Mota no seu
texto, ‘A arte da entrevista”, diz que
“assim como não há uma boa técnica de viver, assim também pessoas quando
se encontram, para uma transmissão de experiência, jamais poderão ter uma boa
técnica.” E, na realidade, não é o apuro da técnica que estamos procurando, mas
uma boa prosa que nos permita compartilhar informações entre aqueles que, como
nós, têm o mesmo interesse em conhecer
um pouco mais sobre a nossa terra em busca de melhor compreender as nossas
vivências.
Além de agradecer a
generosidade e a paciência de Flávio em se dispor a compartilhar publicamente
as suas impressões, preciso também agradecer e elogiar a gentileza e o respeito
de Oneida para com os nossos encontros. Tenho que registrar ainda que os
lanches preparados delicadamente por Mazé temperou as nossas conversas e deu
aquele tom especial de quebra de protocolo nas pausas necessárias para
retomar o ritmo de uma conversa tão
comprida.
MLUIZA
Haja hoje
para tanto
para tanto
ontem.
(Paulo Leminski)
FLÁVIO LUCIO BEZERRA DE OLIVEIRA |
Flávio Lúcio Bezerra de
Oliveira, filho de Adolfo Augusto de Oliveira e Maria Stela Bezerra de Oliveira (Maristela) nasceu em Fortaleza, em 12.05.1944, na casa de sua avó materna, localizada
na Rua Dona Leopoldina nº 552. A parteira chamava-se Mundinha. Do interior, vieram
30 galinhas para o resguardo de sua mãe. Tão logo passou o
resguardo, mãe e filho voltam de caminhão ao interior.
Adolfo e Maristela, primos, são descendentes da família Augusto, de Lavras
da Mangabeira, e da família Correia Lima, de Várzea Alegre, que tem na emblemática figura
de Fideralina um marco histórico familiar e politico destacando-se como liderança política
regional com influência no estado do Ceará. De personalidade forte e voluntariosa,
Fideralina exerceu um matriarcado autoritário que transitava sem limites entre
a família e a política misturando o público e o privado numa dimensão mais
afetiva que necessariamente política.
ADOLFO AUGUSTO DE OLIVEIRA. Do arquivo de Flávio Lúcio Bezerra de Oliveira. Gentilmente cedida ao blog. |
Adolfo Augusto de
Oliveira, nascido em 9 de agosto de 1906, filho de Maria do Rosário Augusto Oliveira e
José Augusto de Oliveira (Zé Borrego). Neto de Joana Augusto Leite (Joaninha),
filha de Fideralina Augusto Lima, e do paraibano Luís Leônidas de Lacerda Leite.
MARIA STELA BEZERRA DE OLIVEIRA. Do arquivo de Flávio Lúcio Bezerra de Oliveira. Gentilmente cedida ao blog. |
Maria Stela Beserra de
Oliveira (Maristela), nascida em 10 de novembro de 1911, é filha primogênita de
Maria Augusta Bezerra (Dona) e José Alves Bezerra. Por parte de mãe, é
descendente do Coronel Honório Correia Lima, filho de Fideralina Augusto Lima,
e Dulcéria Augusto de Oliveira (Pombinha), irmã de Fideralina.
Os primos Adolfo e Maristela casaram-se em 27 de setembro de 1931 tendo como descendentes os seguintes filhos: José Gerardo (nascido em 1933); Maria Gladys (nascida em 1936, falecida em 1941); Antônio Glauco (nascido em 1941, falecido aos três meses de idade); Flávio Lúcio (nascido em 1944) e Adolfo José (nascido em 1950, falecido na data do nascimento).
Os primos Adolfo e Maristela casaram-se em 27 de setembro de 1931 tendo como descendentes os seguintes filhos: José Gerardo (nascido em 1933); Maria Gladys (nascida em 1936, falecida em 1941); Antônio Glauco (nascido em 1941, falecido aos três meses de idade); Flávio Lúcio (nascido em 1944) e Adolfo José (nascido em 1950, falecido na data do nascimento).
Do casal, sobreviveram
os filhos José Gerardo Beserra de Oliveira e Flávio Lucio Bezerra de Oliveira.
José Alves Bezerra, pai
de Maristela, foi proprietário do sitio Catolé, no município de Ipaumirim,
adquirido, por ele, em 1908. A propriedade foi ampliada com a compra de parte das
propriedades vizinhas. Entre elas, Sitio José Vieira, Sítio Lagoa Redonda
(município de Baixio) que fazia fronteira com o Sitio Catolé, Santa Bárbara,
Cazé do Gunza e Sítio Serrote, todas elas incorporando-se ao Catolé. Anualmente
José Bezerra, vinha de Lavras com a família passar o inverno no Catolé. A as
atividades principais da propriedade eram algodão e criação de gado. O sitio foi herdado por Maristela e seus irmãos, sendo que Adolfo, residente em
Ipaumirim e Prisco Bezerra (que residia em Fortaleza), irmão de Maristela, passaram a
administrar a propriedade, tendo sempre um encarregado residente. Epitácio
Nóbrega foi um desses encarregados entre as décadas de 1930/40. José Cosmo foi
o último a exercer a função, tendo trabalhado na propriedade por mais de 20
anos, até sua venda, em 1984, para o Sr. José Cavalcante, comerciante da vizinha
cidade de Cajazeiras (PB).
“O correr
da vida embrulha tudo.
A vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem”
A vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem”
(Guimarães
Rosa)
Contar uma vida é
sempre falar do tempo vivido. Adolfo foi um homem de muitas lutas e de uma
integridade ímpar. Na década de 1930, arrendou a usina de Edmar Matos com
sede em Lavras da Mangabeira. Comprava algodão e
explorava uma parcela de terra no sítio Catolé. Com o lucro, sustentava a
família. Na terrível seca de 1932 alimentou o seu gado com folha de juazeiro e talo de mandacaru.
Provavelmente, por não
ter capital que permitisse alavancar sozinho suas iniciativas, trabalhava em
sociedade. Em 1942, botou um fornecimento para uma frente de trabalho do
Governo, em sociedade com Ademar Barbosa. Esta frente era instalada na estrada que seria posteriormente a BR 116, no trecho que ia de Ipaumirim para o Icó passando pelo Cazumbá.
Sua atividade no fornecimento era a comercialização das mercadorias e as
anotações das cadernetas dos fregueses. Ademar, ficava em Alagoinha, cuidando
dos depósitos. Quando fizeram as contas, Adolfo estava devendo e Ademar estava mais
rico do que já era. Dr. Arruda ajudou Adolfo a se reerguer. Nessa época, Adolfo construiu,
em Alagoinha, uma casa (bangalô) vizinha a Vila Lidinha, casa de Ademar, na rua
Cel. Gustavo Lima, próxima ao mercado público. Esta casa foi posteriormente adquirida
por Domingos Né, residente na região do Distrito de Felizardo. Vizinho a esta casa, atualmente, está localizada a Prefeitura Municipal com a Câmara de Vereadores.
Na segunda metade dos
anos 1940, Adolfo resolveu adquirir os terrenos
pertencentes à parte da herança que cabia a sua mãe e aos seus irmãos, no Sítio
Cazumbá. O terreno tinha engenho de moer cana e também plantava-se algodão, cana e se criava gado. As variedades de cana cultivadas eram a cana piojota e a
cana caiana. Tinha, portanto, na agricultura, três fontes de renda: rapadura,
algodão e gado. Tudo isso acabou sendo vendido para Ademar por volta de
1948/49.
Em 1949, a família passa uma temporada morando
com a mãe de Maristela em Fortaleza com Adolfo em Alagoinha cuidando dos
negócios. No fim deste ano, resolve trazer de volta a família para
Alagoinha abrindo uma loja de variedade (ferragens e miudezas) com o nome de
N.S. do Socorro.
Loja de Adolfo situada na parte exterior do mercado publico, na esquina da atual Praça São Sebastião com a Rua Coronel Gustavo Lima. Arquivo Zenira Gonçalves Gomes. Gentilmente cedida. |
A família passa a morar
numa casa que pertenceu a Aristides na antiga Rua do Colégio, atual Rua Dr.
Francisco Vasconcelos de Arruda.
No início dos anos 50,
esta via iniciava antes da velha ponte. Do lado esquerdo, na direção do Baixio,
morava Miceno Dias, Neném Pessoa, Donato Crispim, Cristina Lermos e Luiz Leite. Após a ponte, a via estendia-se a até a casa do farmacêutico Ernani
Dore e mais adiante havia uma entrada para a casa de D. Naninha Alexandre. No fim da via, junto da parede do açude, Luiz
Leite da Nóbrega quando prefeito do Baixio, ainda nos fins dos anos 40, construiu
a Aguada José Ferreira de Santana com amplas caixas d’água destinada a
abastecer a população.
Arquivo de Vilani Nóbrega Brasil/Maria Luiza Nóbrega de Morais |
Do lado direito, antes
da ponte, na mesma direção, ficava a antiga casa paroquial cuja frente dava
para a Rua do Sol, atual Rua Alexandre Gonçalves. . Após a ponte, este lado da
rua era mais estruturado. Nela, morou Vicente
Piquili, casado com Dona Chicô. Deste
mesmo lado, ficava a casa de Aristides que era uma construção mais moderna em
relação as demais porque já tinha sanitário instalado quando as outras tinham
latrina.
Em época mais antiga
todos esses terrenos após a ponte e ao longo das margens da estrada para o
Baixio até a entrada para o Sítio Bananeiras, pertenciam ao Cel. Pedro
Alexandre, que era casado com D. Naninha. Com a separação entre Pedro e
Naninha, o lado direito das terras ficou com Pedro Alexandre e o lado esquerdo
com Dona Naninha que, assim, tornou-se
proprietária dos terrenos onde se localizava o antigo Colégio XI de
Agosto. Posteriormente, Antônio Correia (Antônio Vermelho), casado com Maura,
filha de Hermenegildo Gonçalves de Almeida e Rosa Moura de Almeida, adquire
parte da propriedade do lado direito da estrada.
Entre os anos 1957-1962,
Adolfo foi nomeado coletor por influência de Dr. Arruda, na época militante do
PSD.
Adolfo, embora sem cargo
político, militou e foi personagem influente na vida de Ipaumirim. Sempre
presente e solicito com os interesses da comunidade foi um colaborador
incessante para as melhorias da cidade.
Fiscalizou obras, esteve presente junto com Jarismar Gonçalves e outras
personalidades locais na luta pela implantação do novo Colégio XI de agosto.
A última residência do casal foi na casa construída
por eles situada na Av. Francisco V. Arruda, 183, para onde se mudaram em 1959,
de onde vinham diariamente para o centro, sentavam-se no banco da pracinha e
depois passavam a ver os amigos da Rua Coronel Gustavo Lima onde viveram muitos
anos na casa vizinha a Luiz Nóbrega onde, atualmente, reside o casal José Gonçalves de Lima e Maria Blandina.
Última residência do casal Adolfo e Maristela na Rua Dr. Francisco Arruda. Foto capturada na internet. |
Adolfo faleceu em Fortaleza no dia 20 de março de
1972 aos 66 anos de idade. Maristela faleceu, em Ipaumirim no dia 26 de dezembro de 2004, aos noventa e
três anos de idade, sendo os dois enterrados no Cemitério São João Batista, na Vila São José, em
Ipaumirim.
DESCENDENTES DO CASAL
JOSÉ GERARDO BEZERRA DE OLIVEIRA |
José Gerado viúvo de Ana
Maria Botão de Oliveira. Com ela teve três filhos: Gerardo Filho, Adriano e Marcelo.
FLÁVIO LÚCIO BEZERRA DE OLIVEIRA. FOTO DE 1967. |
Flávio Lúcio casado
com Maria Oneida Rocha de Oliveira tem dois filhos: Adolfo Rocha de
Oliveira, casado com Andrea Guilherme da Silva, pais de Igor e Rafael.
Marcilio Rocha de Oliveira, pai de Carlos.
ZEFINHA BARROS |
Viveu com o casal
durante quase 50 anos, Zefinha Barros que atualmente reside, aos 94 anos, na Rua
Coronel Gustavo Lima ao lado da igreja onde ela passa a maioria do tempo ora
rezando ora observando o movimento dos passantes sempre acompanhada pelo
cigarro amigo.
ADOLFO AUGUSTO DE OLIVEIRA |
Para além de tudo isso,
foi meu Dolfo querido, vizinho da minha infância, que me regalava todos os dias
com bico de pão fresco que ele trazia da padaria e que eu, esperando ansiosamente a sua chegada, quando o via
aproximar-se saia toda faceira a repetir para ele o meu mantra favorito: -
qué pão, qué pão, qué pão.
Tea, fiel companheira de
Adolfo, uma mulher de muita religiosidade, participou da vida da Ipaumirim
enfrentando campanhas e festas em prol da igreja e da comunidade. Lembrança especial
da minha memória afetiva, tiramos a foto abaixo em sua casa numa das últimas
vezes que estivemos com ela, em Ipaumirim.
MARISTELA, ZENIRA, MARIA LUIZA, OLGA E ZEFINHA. |
MLUIZA
RECIFE
06.02.2019
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