VIVA NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO (PADROEIRA DE iPAUMIRIM)

IMAGEM DA IGREJA MATRIZ DE IPAUMIRIM - CE


(…) Nossa Senhora
Das coisas impossíveis que procuramos em vão,
Dos sonhos que vêm ter conosco ao crepúsculo, à janela,
Dos propósitos que nos acariciam
Nos grandes terraços dos hotéis cosmopolitas
Ao som europeu das músicas e das vozes longe e perto,
E que doem por sabermos que nunca os realizaremos…
Vem, e embala-nos,
Vem e afaga-nos.
Beija-nos silenciosamente na fronte,
Tão levemente na fronte que não saibamos que nos beijam
Senão por uma diferença na alma.
E um vago soluço partindo melodiosamente
Do antiquíssimo de nós
Onde têm raiz todas essas árvores de maravilha
Cujos frutos são os sonhos que afagamos e amamos
Porque os sabemos fora de relação com o que há na vida.
Vem soleníssima,Soleníssima e cheia 
De uma oculta vontade de soluçar, 
Talvez porque a alma é grande e a vida pequena, 
E todos os gestos não saem do nosso corpo
 E só alcançamos onde o nosso braço chega, 
E só vemos até onde chega o nosso olhar.
Vem, dolorosa,
Mater-Dolorosa das Angústias dos Tímidos,
Turris-Eburnea das Tristezas dos Desprezados,
Mão fresca sobre a testa em febre dos humildes,
Sabor de água sobre os lábios secos dos Cansados.
Vem, lá do fundo
Do horizonte lívido,
Vem e arranca-me
Do solo de angústia e de inutilidade
Onde vicejo.
Apanha-me do meu solo, malmequer esquecido,
Folha a folha lê em mim não sei que sina
E desfolha-me para teu agrado,
Para teu agrado silencioso e fresco.
Uma folha de mim lança para o Norte,
Onde estão as cidades de Hoje que eu tanto amei;
Outra folha de mim lança para o Sul,
Onde estão os mares que os Navegadores abriram;
Outra folha minha atira ao Ocidente,
Onde arde ao rubro tudo o que talvez seja o Futuro,
Que eu sem conhecer adoro;
E a outra, as outras, o resto de mim
Atira ao Oriente,
Ao Oriente donde vem tudo, o dia e a fé,
Ao Oriente pomposo e fanático e quente,
Ao Oriente excessivo que eu nunca verei,
Ao Oriente budista, bramânico, sintoísta,
Ao Oriente que tudo o que nós não temos,
Que tudo o que nós não somos,
Ao Oriente onde — quem sabe? — Cristo talvez ainda hoje viva,
Onde Deus talvez exista realmente e mandando tudo…

(…)
(Fernando Pessoa/ Álvaro de Campos)
Fonte: http://www.revista.agulha.nom.br/facam03.html

Manoel Duda (do arquivo de José Gilmar)

 
 
 
Li seu texto sobre o poeta Manoel Duda e gostaria de relatar um caso interessante ocorrido em Ipaumirim, que me foi contado há muitos anos, pelo Dr. Strauss, (de saudosa memória), e que segundo ele, aconteceu na década de 1960 na calçada de um Bar, vizinho da loja de tecidos do Sr.Vicente Gomes. Eis o caso.
No auge da ditadura militar, tinha chegado em Ipaumirim um tenente bastante rigoroso e que todo final de domingo (dia de feira na cidade), prendia todos os bêbados que encontrasse pelo caminho.
Chegando o tenente na calçada desse bar, encontrou o senhor Manoel Duda totalmente embriagado e dormindo. Acionando os seus soldados, solicitou o recolhimento do mesmo para a cadeia local, sendo interrompido de imediato pelo senhor Vicente Gomes que presenciava a cena e pediu que não o levasse, pois, tratava-se de um grande POETA, e que logo que curasse a bebedeira iria tranquilamente para casa.
O tal tenente não satisfeito com o argumento do senhor Vicente, propos que se o senhor Manoel Duda fizesse um IMPROVISO e se ele gostasse, não o prenderia.
Eis que Manoel Duda, a essa altura da conversa já acordado, saiu-se com essa:
EU GOSTARIA DE VER
MAIS UM GALÃO NO OMBRO DESSE TENENTE. (aí, dizia Strauss, o tenente ficou todo satisfeito, mais uma graduação). continua..
MAS O GALÃO QUE EU FALO É UM POUCO DIFERENTE,
É UM PAU COM DUAS LATAS
UMA ATRAS, OUTRA NA FRENTE.
Quer saber o resultado dessa história? o tenente falou:É “teje preso”, pode levar, soldados.
Publicado no Memorial de Ipaumirim (2010)

A POESIA MORA AO LADO: ZÉ TELES


 
ZÉ TELES
 ANOTAÇÕES SOBRE JOSÉ TELES.
(Dimas Macedo)

A poesia popular, em Lavras da Mangabeira, constitui um dos mais expressivos atributos daquele município. Ainda no final do século dezenove, Fausto Correia de Araújo Lima tornou-se alí uma voz altissonante. Cantou com o célebre Romano do Teixeira, na Paraíba, e se fez emissário do Padre Cícero Romão de Juazeiro, de quem era compadre, em vários lugares do Nordeste, sendo arrolado por Leonardo Mota no livro que intitulou Os Cantadores (Rio, Editora Castilho, 1921).
Antônio Lobo de Macedo (Lobo Manso), natural do Sítio Calabaço, ergueu também a sua voz para além do município de Lavras e a fez extensiva a toda a região do Cariri. Trocou farpas e duelos em versos com o seu conterrâneo Cabral da Catingueira (Antônio Cabral de Alencar) e liderou uma plêiade de poetas da boemia lavrense de outrora, composta por nomes como Antônio Aranha (o grande poeta fescenino do Vale do Salgado), Elisa Correia Lima (filha de Fausto Correia), Otávio Aires de Menezes, João Favela de Macedo, Tota Bezerra (presença lavrense em grandes festivais de cantadores), Jesus Ramalho e Mundoca de Barba (um dos aboiadores de peso do sul do Ceará).
No tempo em que funcionou em Lavras o Botequim da Velha Chica, na praça da estação ferroviária, para ali convergiram os bardos lavrenses de então, pois tratava-se, no caso, “ do maior centro de poetas populares de todo o interior nordestino”, como registra, aliás, F. Monteiro Lima, em O Botequim da Velha Chica (Maceió, Imprensa Oficial de Alagoas, 1983). E menciona o autor os seus mais ilustres componentes: Napoleão Menezes, Ugolino do Sabugy, Sinfrônio Martins Pedro, Luiz Dantas Quezado, João Martins de Oliveira e Aderaldo Ferreira de Araújo ( o famoso Cego Aderaldo).
Resta-nos agora trazer à discussão a figura singular do Cego Mangabeira, fundador do Instituto dos Cegos e orgulho máximo do seu municipio de origem. Em Poetas Populares e Cantadores do Ceará, Alberto Porfírio o eleva à condição de mestre e nos chama atenção para a sua poesia muito original.
Chiquinho Bezerra Sampaio, como poucos, afinou a lira em Quitaiús, e, em Mangabeira, para não ir longe, eu cito Mundoca do Sapé e toda a pletora de poetas mapeados por Dias da Silva em Voz Verso e Viola em Mangabeira (Fortaleza, RDS Editora, 2003).
Mundoca de Barba Neto é contemporâneo de Vicente Corrêa. Mas Vicente Corrêa, muito antes de Mundoca Neto, já tinha o estatuto que lhe deu reconhecimento em todo município, fincando, no bairro do Além-Rio, a sua residência acolhedora.
Ali recita de cór os poemas de Antônio Lobo de Macedo (Lobo Manso), o seu mestre mais do que confesso e, bem assim, as trovas e poemas populares do seu colega de ofício, Zito Lobo de Macedo, invocando, com freqüência, o nome de José Lobo de Macedo (Joary), que patrocinou, em Lavras, durante toda a sua vida, a verve sertaneja de muitos poetas do Nordeste.
Manoel Mendes Ferreira (Manuel Duda), natural de Belo Jardim, Pernambuco, fixou-se em fazendas ao oeste da cidade de Lavras e propagou o seu estro de poeta até o limite com a Paraíba e Ipaumirim. Trata-se de aedo de fala requintada, cuja arte borbulha qual um sopro, fazendo-se ouvir o seu gorjeio como se fosse um instrumento de rara percussão.
O autor deste livro, José Teles da Silva, o considera um dos maiores poetas do sul do Ceará. E Pereira de Albuquerque, em O Ridículo das Coisas (Fortaleza, Edição do Autor, 1990), o tem na conta de poeta muito original.
Ficam aqui registrados, também, os poetas populares esquecidos, os autores de folhetos de cordel, os chamados poetas de bancada e os cantadores de viola, porque os eruditos e os outros tantos escritores do Salgado já foram relembrados e estudados até a exaustão.
José Teles da Silva ou Zé Teles, como é largamente conhecido, tornou-se, com o tempo, o Príncipe dos Poetas Lavrenses, e não somente o príncipe dos poetas populares da cidade de Lavras. Trata-se de escultor do verso dos mais qualificados. É escritor que se louva e se lavra na caneta, mas em tudo o que faz ou realiza é poeta popular de grande inspiração.
Nasceu na Fazenda Várzea Redonda, na margem direita do Salgado, a 20 de outubro de 1938, em terras que já foram de Senhor Pereira e de José Aleixo de Aquino, sendo filho de pais agricultores, aferrados ao cultivo da terra, conhecidos por Silvério Teles da Silva e Maria Geraldina da Silva.
Foi marcado, desde cedo, pela sinfonia dos bichos e das plantas e por tudo que ia se fazendo poesia ao seu redor. Compreendeu, assim, o seu destino de poeta e os apelos, também, da sua grande vocação.
Quando tinha cinco anos apenas, a família transferiu-se para o Sítio Carnaúba, onde viveu os foguedos da infância e tomou contato com as primeiras letras, na escola de José Maria Marinheiro, terminando aí o seu segundo ano primário. O terceiro ano ele o fez com a Professora Dasdores, encerrando, assim, o seu aprendizado oficial, diplomando-se tão-somente na arte de escrever e contar.
Trabalhando na agricultura, mas sentindo a pulsação da verve de artista, se deixou levar pelo engenho da imaginação e da inteligência, logrando, muito cedo, o reconhecimento das suas qualidades no trato com a vida, por parte de Raimundo Augusto Lima, o maior político lavrense de então, que o convidou para o serviço burocrático das suas fazendas de criar. E com zelo e dedicação sempre redobrados, conquistou do coronel a confiança e admiração, tornando-se os dois muito próximos com o passar do tempo, a ponto de tecerem o equilíbrio de uma grande amizade.
Em 1960, casou-se com Maria Nunes da Silva e desse enlace nasceram os seguintes rebentos: Maria Gorete Teles, Eva Maria Teles e Adão Teles (gêmeos, mas falecido este último), José Teles da Silva Filho, Maria do Socorro Teles, Ivo Teles da Silva e Euclides Teles Nunes, todos admiradores do seu grande talento de poeta.
Amante carinhoso da sua terra de berço, despejou-se o poeta José Teles pelas entranhas da cidade de Lavras. Contou a história do seu povo e a memória da velha Princesa do Salgado, acompanhou a sua evolução e a sua decadência e cantou com afã a rebeldia e a poluição do Rio que banha sua terra, tornando-se assim o Fernando Pessoa da sua região.
Definir um marco para sua obra de poeta é algo que já não se pode fazer com segurança, pois frutifica e aflora dos seus lábios (e da sua pena) uma poesia que já nasce feita, porém pura, bela e espontânea como todas as coisas sublimes do sertão.
Confessa, orgulhoso, que não aprendeu a técnica da poesia erudita, nem a sua métrica, nem a sua erudição. São fluentes e jorram como fontes as visões profundas da sua solução poemática, porque os versos, em José Teles, se fazem repentinos e agudos e se vão, em dilúvio, transformando em cordas musicais.
Gosta de cultivar a arte da paródia, de improvisar o sopro do repente e sabe compor hinos e canções, ora de linguagem mística, ora de apelo político e social.
Esse augusto menestrel do Vale do Salgado é, em sua terra, a expressão mais viva da cultura popular. Inúmeros são os folhetos de cordel que publicou e desde o ano de 2008 se tornou um dos poucos imortais da Academia Lavrense de Letras, onde ocupa a Cadeira nº 27, que tem como patrono Cabral da Catingueira.
É devoto fervoroso de Jesus e do padroeiro da Igreja de Lavras, São Vicente Ferrer. Gosta também de conversar e as suas histórias fabulosas são elaboradas com o tecido dos causos que se contam.
Ir a Lavras e não conhecer José Teles é como ir a Roma e não visitar o Vaticano. Não é apenas o Príncipe dos Poetas Lavrenses: é o papa da cultura popular em sua terra e o seu mais respeitado corifeu.
Dele guardo a amizade e a atenção com que sempre me distingue. Sou admirador da sua musa e amigo da sua família, por igual.
Quando vou a Lavras, é uma das primeiras pessoas que procuro. E sempre encontro José Teles com uma boa história pra contar. Alegro-me com seu jeito de ser. Para mim, o poeta José Teles é um mestre na arte de dizer, pois é doutor em tudo o que produz.
Sonhos de um Poeta (Lavras da Mangabeira, 2009), o seu livro de estreia, reúne o essencial da sua produção. Tive o prazer de trabalhar no projeto da sua poesia reunida, ao lado de Eva Teles, a filha que talvez mais o admira. E constitui uma honra para mim poder assinar este prefácio, feito assim em profusão de falas que não querem parar.
Viva, pois, a Capital do Vale do Salgado! Viva o Poeta José Teles! E vivas sejam dadas, por igual, às remansosas águas do Salgado e ao Padroeiro da Cidade de Lavras, São Vicente Ferrer.

Fortaleza, inverno de 2009
Fonte: http://www.lavrasce.net.br/

EDMILSON QUIRINO DE ALCÂNTARA: A LEMBRANÇA ALEGRE DE QUEM TEM APREÇO PELO TRABALHO QUE REALIZA.

Conversar com Edmilson é sempre muito agradável. Apesar da memória já comprometida ele adora falar sobre sua experiência como dono de bar....