MLUIZA |
Alimentação
é tema muito vasto e transita por vários campos de estudo. História, nutrição,
antropologia, gastronomia, segurança alimentar, entre outras, são áreas do
conhecimento para as quais a alimentação representa um importante objeto de
estudo. Diante da complexidade do tema e de suas múltiplas abordagens, é bom
esclarecer que o interesse desse nosso texto está basicamente restrito às
lembranças que guardamos sobre o nosso cardápio, hábitos e rituais referentes a
nossa vivência numa minúscula comunidade do semiárido cearense, precisamente o
município de Ipaumirim. Portanto, compõe-se de registros que a memória nos traz
embora tenha sido necessária a consulta a algumas obras referenciais para
melhor compreender a dimensão do tema sobre o qual tratamos. Este texto integra
a série sobre Gastronomia Ipaumirinense.
COZINHA, AFAZERES E AFETOS
A
cozinha é o coração de uma casa sertaneja. Território feminino, por excelência, a cozinha é um
ambiente carregado de ritos, práticas, criatividade e afetos.
É o laboratório que transfere o alimento da categoria da nutrição para a
categoria da cultura onde o gosto alimentar se transforma numa tradição
culinária. Nela se processam misturas, combinações e experimentações. Localizava-se geralmente nos fundos da casa. Tinham uma porta para o quintal e outra que se comunicava com o
interior da casa geralmente com a sala de jantar. Algumas possuíam janela para
o quintal ou para as laterais da casa.
Sempre
me impressionou a maestria com que as mulheres se moviam nas cozinhas do
sertão. Manipulando instrumentos rudimentares como moinhos, panelas, pilões,
colheres de pau, peixeiras, abanos, raladores, tábuas de carne, peneiras, gamelas, tachos, chaleiras, cuias, urupembas,
canecos, entre outros, e
circulando entre potes de barro, fogão a lenha ou carvão, às vezes, um forno semi esférico.
construído em alvenaria, para os assados, prensas de queijo, uma bancada onde se colocavam bacias para
lavar pratos e demais utensílios, uma mesa rústica de apoio que poderia ter ou
não gavetas, e tornos onde se penduravam carnes e/ou outras coisas necessárias,
as cozinheiras e/ou ajudantes conseguiam
manter uma disciplina de produção que iniciava na madrugada e terminava com o
café da noite.
ALGUNS INSTRUMENTOS DE TRABALHO
Moinho |
Cuscuzeira de barro |
Tachos de cobre |
Cuia de quenga de côco |
Pilão |
Tipos de vassoura |
Panela de barro |
Forno semi esférico de alvenaria |
Fogão a carvão |
Chiqueirador |
A transformação
do alimento in natura em comida demandava perícia no preparo e um aguçado senso
de desperdício para driblar as dificuldades principalmente em anos de seca
quando as coisas ficavam mais difíceis. Naturalmente, numa região marcada pela
desigualdade as diferenças se expressam também na cozinha no que diz respeito à
disponibilidade e qualidade dos produtos e ainda na elaboração diversificada do
cardápio mas há, entretanto, similaridade no trato com os alimentos no que
diz respeito principalmente à rusticidade dos instrumentos utilizados.
As
casas de sítios tinham uma rotina de cozinha bem mais pesada que as casas localizadas nos pequenos povoados. A luta do leite é diária e minuciosa em suas
etapas desde a sua distribuição, o
preparo da coalhada, do queijo de coalho e/ou de manteiga e ainda da deliciosa
manteiga da terra. Concentrada no período cedo da manhã as tarefas iniciam com
a chegada dos baldes da ordenha realizada por homens.
Um mobiliário muito restrito dava conta da lida. Os jiraus suspensos protegiam o queijo artesanal
produzido na prensa doméstica. O jirau era constituído por uma base de madeira
pendurado por quatro cordas fixadas no telhado com uma cuia vazada no meio das cordas para proteger dos ratos.
Abastecer
os potes de barro ancorados nas
cantareiras com água de poço, cacimbão e/ou de açude, seja para beber e/ou para a luta do dia, e o cuidado com o
seu desperdício eram uma preocupação constante. A água era geralmente
transportada sobre a cabeça das mulheres com uma rodilha fazendo uma base entre
o vasilhame e a cabeça ou ainda através de galões sobre ombros preferencialmente
masculinos. Antigas latas de Querosene Jacaré eram bastante utilizadas no
transporte da água embora tivessem outros tipos de recipiente para essa
finalidade.
Geralmente tinha uma cantareira para uso da cozinha e uma especial
para a água de beber. Às vezes, a cantareira de beber localizava-se na sala de
jantar.
MODELOS DE CANTAREIRA
ARRANJOS MODERNOS: convivência entre o filtro e os potes tradicionais. |
Cantareira de pedra |
Cantareira de ferro |
Cantareira de madeira |
De maneira
geral, a cozinha funciona como um núcleo com vários prolongamentos distribuídos
entre a despensa, o quintal e a sala de jantar. Neste ambiente feminino também transitavam crianças, homens da casa e eventualmente algum empregado
seja para fazer suas refeições ou cumprir tarefas. Sacrário e guardiã da intimidade familiar, a
cozinha não era simpática à presença de estranhos. Neste ambiente íntimo eram concebidos os gostos e aromas
que compõem a nossa memória gustativa.
BIBLIOGRAFIA
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MLUIZA
RECIFE
25.08.2018
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RECIFE
25.08.2018
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