MLUIZA |
“Cozinhar é o mais privado e arriscado ato. No alimento se
coloca ternura ou ódio. Na
panela se verte tempero ou veneno. Quem assegurava a pureza da peneira e do
pilão? Como podia eu deixar essa tarefa, tão íntima, ficar em mão anônima? Nem
pensar, nunca tal se viu, sujeitar-se a um cozinhador de que nem o rosto se
conhece.
– Cozinhar não é serviço, meu neto – disse ela. – Cozinhar é um modo de amar os outros.”
(Mia
Couto, conto ‘A avó, a cidade e o semáforo’, em “O Fio das Missangas”. São
Paulo: Companhia das Letras, 2016.)
Para
esse post, busquei algumas receitas mais antigas da nossa gastronomia. Imagino que estas receitas devem ser do fim do
século XIX e da primeira metade do século XX porque parte
delas incorporam ingredientes e práticas que indicam uma elaboração mais
cuidadosa bastante diferentes do que normalmente encontrei na minha incursão
pelos hábitos domésticos nas casas das velhas fazendas do século XVIII e mesmo do século
XIX. Selecionei, entre elas, algumas que continham os ingredientes disponíveis
na nossa região. Priorizei os bolos e doces por serem mais acessíveis a algum
cozinheiro ousado que, por acaso, pretenda enveredar-se pela culinária
antiga e/ou tradicional. Confesso que os meus parcos dotes culinários não me
permitiriam tamanho atrevimento.
Os
instrumentos utilizados na cozinha eram: a colher de pau, o pilão grande para
milhar milho e o pequeno para pilar tempero, o quengo do coco, o raspador de
coco, o ralo, a urupema, a peneira de taquara, o abano e posteriormente o
moinho. Os demais utensílios utilizados para cozinhar e guardar água eram feitos de
barro, cabaça e até mesmo couro. Depois foram incorporados os utensílios de
cobre e de ferro.
BOLO DE SÃO JOÃO
Três
libras de massa de mandioca mole; esta massa torna-se a passar em uma urupemba
fina depois de que escorre-se a água fora . Deixa-se assentar a goma, isto por
duas ou três vezes, e depois deita-se em um saco limpo, ata-se a boca e
deita-se dentro da água, e lava-se a massa até que fique sem azedume; isto
feito torça-se o saco bem até que escorra toda a água. Tira-se do saco e
torça-se em porções pequenas em uma toalha até que fique bem seco, depois disso
deita-se a massa em um guardanapo estendido em uma bandeja ao sol até que
seque. A mandioca pisa-se. Depois de assim preparada esta massa, deita-se em um
alguidar, deitam-se duas xícaras de leite de coco, amassando bem, e depois
deita-se uma libra de manteiga, duas dúzias de gema de ovos e bate-se por um
quarto de hora, deita-se depois libra e meia de açúcar, tornando-se a bater um
pouco, depois se deita um pouco de leite de coco de sorte que esta massa não
fique nem dura nem mole; feito isto, está pronto o bolo, deita-se em uma bacia
untada de manteiga, forrada de folha de bananeira, vão ao forno que não deve
muito quente. O fogo deve ser esperto de maneira que o bolo fique mais tostado
do que amarelo.
BOLO DE CRAVO
Uma
libra de açúcar, uma libra de farinha de trigo, cinco ovos e cravo quanto baste
para temperar, conforme a porção dos bolos, que saiba o cravo. Deita-se tudo
isso junto numa vasilha vidrada e amassa-se com as mãos da forma que amassa
pão, e na ocasião de enrolar
polvilham-se as mãos com farinha de trigo, e faz-se a qualidade de se quer
conforme o gosto.
PÃO DE LÓ DE PUBA
Uma
dúzia de ovos, sendo quatro com clara, meia libra de manteiga, três quartas de
açúcar, bote-se em uma vasilha, bate-se e depois de bem batidos deita-se uma
libra de massa puba; misture-se bem, bota-se em uma bacia untada de manteiga e
manda-se ao forno. A massa deve ser bem lavada, estendida em uma bandeja e
posta ao sol para secar um pouco.
BOLO DE TAPIOCA ESCALDADO NO FORNO
Duas
libras de tapioca, molha-se com um pouco de água e deixa-se inchar e deita-se
um bocado de erva doce, depois deita-se um pouco de leite de coco ou de vaca e
nove ovos sendo seis sem claras e três com elas., deita-se meia quarta de
manteiga e um bocadinho de água de sal para temperar, depois de bem amassado
deita-se umas folhas de bananeira em latas e unta-se as folhas com manteiga e
põe-se a massa conforme o tamanho que se quer fazer os bolos e vai-se ao forno
mesmo nas folhas, deve-se separar os bolos uns dos outros pois incham muito.
BOLO DE ARROZ
Tomem
vinte e quatro ovos, duas libras de açúcar branco, e batam tudo junto como se
fosse para pão de ló; depois ajuntem uma libra e uma quarta de farinha fina de
arroz, uma libra de manteiga de vaca, canela em pó e água de flor; estando tudo
bem combinado deite-se imediatamente em formas e vão a cozer no forno.
BOLO DE EFES E ERRES
Um
prato de goma (que são três libras) passado por peneira fina posta em uma
gamela, uma garrafa de água e outra de gordura em uma panela a ferver, já a
goma deve estar temperada de canela e erva doce bem moída, deite aquele
fervente na goma e outro mexa com uma colher de pau deixando sair o vapor, um
pouco d’água. Temos de parte quatro dúzias de ovos que se vai deitando aos
poucos e amassando e será bom tirar um pouco das claras e quando estiver bem
combinada vai-se deitando aos pouquinhos com as colherinhas em latas, as latas
já hão de estar polvilhadas de goma e vão ao forno que deve estar de boa
temperatura, e estando cor de sovada e
durozinho pode tirar, deitem nos pratos, depois à mesa e sirvam-se com chá e café.
TABEFES
Quatro
quartilhos de leite, uma libra de açúcar areado, doze gemas de ovos e uma
colher de sopa cheia de goma boa; mexe-se tudo bem com colher nova, coa-se com
um pano de talagarça ou filó de algodão, deita-se no tacho e vai ao fogo
brando. Logo que fizer um caracol no meio, tira-se do fogo. Deita-se em
xícaras; quando estiver quase frio polvilha canela por cima.
SIRICAIA
Adoce
uma porção de leite de vaca com açúcar branco em pó e nele se baterão alguns
ovos, depois ajuntem-lhe bastante canela em pó, misture-se tudo e deite-se em
xícara de asa ou em canequinhas e vai tudo a cozer no forno a forno moderado;
estando meio cozida a massa, retira-se, polvilha-se com canela e volta tudo ao
forno para acabar de cozer. Serve-se quente nas mesmas vasilhas.
PUDIM DE ARROZ INTEIRO
A
maneira de prepara-lo é como se fosse arroz de leite bem grosso de forma que os
grãos de arroz fiquem meio duros e despejando-os numa vasilha para esfriar,
quebram-se os ovos em outra vasilha e batendo-os alguns sempre com claras, bem
batidos para juntá-los ao arroz que deve estar bem frio e ir-se mexendo até que
fique bem grosso, para então juntar açúcar refinado na calda bem grossa e logo
em seguida a manteiga que se quiser e os temperos para que o pudim fique bem
grosso. (Esse pudim é da China).
TOUCINHO DO CÉU
Ponham-se
duas libras de açúcar, em ponto de pasta, tire-se do fogo e deixe-se abaixar a
fervura e então se lhe deitará uma garrafa de leite de vaca, um coco ralado,
três quartos de farinha fina de arroz, tempera-se tudo com sal fino, mexe-se e
volta tudo para o fogo até começar a ferve, mexe-se bem para unir e depois
despeja-se.
DOCE
DE OVOS COM LEITE
Fervam-se
um quartilho de leite, duas onças de açúcar, escume-se, batam seis gemas e três
claras de ovos com uma colher de água de flor de laranja e algum açúcar em pó,
vão-se deitando então, aos poucos, o leite sobre os ovos, que deverão estar em
um prato fundo, mexendo-se continuamente; depois ponha-se ao fogo no mesmo prato,
com tampa de ferro e brasa por cima; e logo que este composto tome a devida
consistência, retire-se, deixe-se arrefecer, areie-se com açúcar e toste-se com
pá quente.
DOCE DE GOIABA DE CAIXÃO
A cada
duas libras de massa de goiaba junta-se uma libra de açúcar feito da forma
seguinte: cozida a goiaba peneira-se em peneira fina e espreme-se a massa o
mais que puder para enxugar, e pesa-se, tem-se a libra de açúcar em ponto de
espadona alta ao fogo, e quando está neste ponto o açúcar, se bota a massa dentro,
mexendo-se com cuidado que não se queime, bota-se-lhe um bocadinho de canela em
pó fino e leva-se a ponto de pasta, bota-se logo no caixão que deve estar bem
enxuto. Este doce feito só do miolo da goiaba é superior.
Se
alguém quiser outras receitas é só entrar no link do texto do SORIANO que
consta na bibliografia.
BIBLIOGRAFIA
ADERALDO, Mozart Soriano.
Velhas receitas da cozinha nordestina. Fortaleza. Revista do Instituto do Ceará. 1962. 63p. Disponível em: https://www.institutodoceara.org.br/revista/Rev-apresentacao/RevPorAno/1962/1962-VelhasReceitasCozinhaNordestina.pdf
MLUIZA
RECIFE
23.06.2018
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Respeitar sempre.