MLUIZA |
Quem
vive em nossa região conhece as estreitas ligações que temos com a Paraíba. Em
nosso cotidiano a referência mais explícita é a cidade de Cajazeiras que
durante muitos anos representou o principal polo dinamizador não só para o
sertão da Paraíba, mas para toda a região fronteiriça do Ceará. Cajazeiras dos
colégios, do comércio, dos médicos, das novidades, das primeiras emissoras de
rádio instaladas mais próximas de nós, entre tantas outras intimidades que
compartilhamos ao longo da nossa história. Essa relação não se resume, entretanto, ao
mais concreto e visível. Num tempo de fronteiras indefinidas, nossa região interliga-se
com a Paraíba não apenas pelas rudimentares vias de comunicação que cruzavam os
nossos territórios, mas pelo compartilhamento do passado comum. Daí porque
acredito que não há como compreender essa região de fronteira sem atentar para
o fato do quanto essas relações representaram para nós.
A PARAÍBA
ESTÁ EM NÓS
A malha viária da Paraíba colonial integra-se ao propósito comum
da composição das rotas internas no Brasil. Essas rotas vão amenizar vários problemas: são uma alternativa às
dificuldades apresentadas pelas rotas
marítimas, rompem o isolamento do sertão integrando-o aos centros de poder,
encurtam distancias e propiciam a interligação entre as capitanias.
Nesse contexto, o sertão da Piranhas e Piancó têm uma localização
estratégica ao fazer fronteira com as capitanias de
Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte sendo, portanto, um eixo de ligação
fundamental inclusive com as províncias mais ao norte. Sujeitos, interesses e riquezas atravessavam
essas fronteiras
As primeiras ligações dos sertões do Piancó com os
sertões de Pernambuco e da Bahia dava-se através dos rios. O rio São Francisco
tinha como um dos seus afluentes o Rio Pajeú que nasce no maciço dos Cariris
Velhos situado entre Pernambuco e Paraíba. Atravessando a fronteira paraibana, próximo ao
Rio Pajeú, estavam os riachos Santa Inês e riacho da Mata que desaguam no rio
Piancó. Este, por sua vez, era afluente do Rio Piranhas que tinha, também, como
afluente o Rio do Peixe. Por estas ribeiras passaram os primeiros desbravadores
que iniciaram a colonização e o povoamento da região paraibana que nos faz
fronteira.
RIOS DA PARAÍBA
RIOS DE PERNAMBUCO
Segundo Wilson Seixas, antes que os colonizadores vindos do
litoral para o interior, pelo eixo leste –oeste, chegassem ao sertão, lá já estariam os baianos
da Casa da Torre vindo por esses caminhos que provavelmente seriam desde antes
uma trilha indígena. Foram eles, portanto, os primeiros colonizadores a ocuparem as
terras do Piancó, Piranhas e Rio do Peixe.
“foi ela [a casa da Torre] quem primeiro
abriu caminho nos descampados e misteriosos sertões da Paraíba. Foi ela
igualmente a primeira a ocupar as terras do Piancó, Piranhas e Rio do Peixe, a
partir de 1664, quando o coronel Francisco Dias d’Ávila, transpondo o S.
Francisco, subiu o Rio Pajeu, afluente do grande rio nordestino, daí se
comunicando com a bacia do Piranhas.” (SEIXAS, Wilson. 1975: 65).
Como o
governo da coroa não tinha condições de explorar o vasto território do sertão,
concedeu a Casa da Torre grandes extensões de terra para cumprir a missão.
Abraçando o desafio, ela forma um inestimável patrimônio, entre os
séculos XVI e XVII, distribuído em sesmarias pelas províncias do Nordeste inclusive nas terras do Piancó, do rio do Peixe e do Jaguaribe. Alguns excessos por ela cometidos, inclusive expedições
militares com conflito armado por ela financiados, foram realizados a partir da requisição
da própria coroa. Foi nesse contexto que ela formou seu patrimônio e sua rede
de poder.
A base econômica da Casa da Torre foi a pecuária, atividade que demandava baixa capitalização e
funcionava como complementar ás atividades de exportação do açúcar bem como das
atividades de mineração. Currais foram
implantados nas principais ribeiras do Nordeste. Esses empreendimentos eram
administrados diretamente pelos membros da Casa ou indiretamente através de
centenas de foreiros espalhados pelas suas possessões. Ela dominava o comércio de carne e couro, a
produção de animais para transporte e tração, o transporte de cargas para os portos e o abastecimento da incipiente rede
urbana. Grande parte das principais estradas
dos sertões do Nordeste atravessavam suas propriedades. A Casa da Torre dominava não apenas o
abastecimento, mas também as rotas de abastecimento. Uma crise de
abastecimento, por exemplo, com a falta de gêneros alimentícios predispunha as
cidades à distúrbios populares. Sua ação foi fundamental e decisiva tanto para a
ocupação do território quanto para a formação do mercado interno da colônia
articulando a economia interprovincial.
Com o poder que detinham atrelado às alianças locais inclusive com
outros grupos conquistadores como os Oliveira Ledo, os Ávila criaram redes de
poder que fortaleceram sua presença e consolidaram os seus domínios. Os
próprios Oliveira Ledo, no princípio do século XVIII, foram arrendatários da
Casa da Torre em 28 propriedades situadas na região do Rio do Peixe.
A associação entre esses grupos consolida a tríade
pecuária/riqueza/ status como um modelo de exploração que promove uma clara
divisão dos espaços, implanta a violência como método de legitimação do poder, de
definição de relações de trabalho e, por conseguinte, de atribuição de direitos. Aos ricos, a
pecuária. Aos pobres, a pequena lavoura e as miunças como era conhecida a criação de pequenos animais como
caprinos, ovinos, suínos.
Com o
passar do tempo, esses desbravadores considerando-se como inquestionáveis donos
das terras por possuírem imensas sesmarias sem limites precisos criaram toda
sorte de problemas para os interesses da coroa e para o sistema sesmarial que
ela pretendia legalizar.
A ‘queda de braço’ entre a Coroa e a Casa da Torre no processo de
instalação de sesmarias, na segunda metade do século XVIII, resultou em perdas
irrecuperáveis para a Casa da Torre.
Entretanto, as relações decorrentes do modelo instalado pela
família Ávila com a conivência da Coroa continuaram repercutindo no cotidiano
das formas de exploração do trabalho, na subordinação e dominação, na divisão desigual dos frutos do trabalho coletivo, na prática da violência, nas
relações sociais e na concertação do
poder político. Estes vícios atravessam séculos e se estendem na posteridade expressos não apenas pelo viés econômico mas, sobretudo,
no mundo das ideias através do olhar e do sentimento gravados no imaginário
sertanejo que marcaram o século XX e que, de uma certa maneira, ainda que
repaginados, perpassam as relações de poder no sertão do século XXI.
Do século XVI ao século XVIII, os caminhos e as principais estradas boiadeiras bem como suas subsidiárias eram praticamente
marcados pelos cascos dos animais com algumas intervenções pontuais feitas aqui e ali
pelos tangedores e viajantes mas não havia uma lógica comum de ordenamento das
vias. Caminhos e estradas eram praticamente a mesma coisa.
É no século XIX que a Paraíba inicia um processo de normatização
dos caminhos legislando sobre a questão.
Segundo
Sabiniano Maia(*), durante o império, caminhos e estradas eram a mesma coisa
havendo uma diferença apenas em relação a largura. Os caminhos teriam em média
2 metros de largura e as estradas até 3,5m.
Em
1888, o Presidente da Província da Paraíba determinava através da Lei n°. 831
que “os proprietários ou foreiros de terras do Município, são obrigados no mez
de Agosto de cada ano a roçar e desobstruir todas as estradas públicas e caminhos
que atravessarem os terrenos de suas posses e propriedades. “ O parágrafo 3°
determinava que ‘As estradas terão pelo menos 3¹/² m de largura e os caminhos
2.”
Maia
descreve em detalhes a rudimentar tecnologia da construção das estradas:
“Dois
homens munidos de foice trabalhavam emparelhados, cada um roçando uma braça de
mato para seu lado, quando se tratava de da operação – abrir estradas.
Mas,
quando o objetivo era fazer caminho,
então, os dois foiceiros colocavam-se um atrás do outro, guardando relativa
distância, e roçando cada um a sua braça de largura; à proporção que um
alcançada o roço do parceiro tomava a sua dianteira e assim sucessivamente, até
o caminho sair fora”.
Para
que os roçadores não se desviassem de sua destinação, passavam a se orientar , geralmente,
por uma árvore saliente e bem copada; por uma haste de árvore que secou, mas
continuou de pé desafiando os temporais da região; por um monte; ou mesmo
acompanhando o leito de um rio ou ainda, obedecendo ao seguimento de uma
baixada, ou ao dorso azulado de uma serra.
À
proporção que os matos iam sendo cortados e roçados com o gancho da foice,
afastava-os para os lados, de modo que ao atingir o ponto desejado, a estrada
ou o caminho davam por construídos. ” (MAIA, 1978, p. 24)
O
poder público, da província ou do município,
encerrava sua ação após a roçagem. Daí em diante, a sua conservação era de
responsabilidade do dono da terra onde ela passasse sendo de sua responsabilidade
cortar os ramos crescidos e brotados ao longo do leito da estrada. Nesse
processo, o pisoteio dos cascos dos animais e as rodas dos carros de bois muito ajudavam na compactação do solo no leito dos caminhos.
O
artigo 33 da Lei n° 7, de 16 de outubro de 1843, determinava a responsabilidade
desses proprietários.
“Os
proprietários ou Administradores de terras do termo da Villa, são obrigados a
conservar abertas e transitáveis as estradas, e caminhos atravessadores, que
houverem em as terras de suas propriedades ou administrações, roçando huma
braça para cada lado duas vezes ao anno nos mezes de abril e setembro,
desembaraçando-as de ramos ou árvores, entupindo os precipícios, ou escavações
de maneira que se possa transitar sem risco, e conservarão signaes, durante o
inverno, que indiquem os atoleiros que existiam nelles. O que assim não fizer
pagará 6$000 réis de multa. Na mesma pena incorrerão os que sem prévia licença
da Câmara taparem ou mudarem as estradas. ” (MAIA, id. Ibid. 1978, p. 25-26)
Rudimentares
normas de trânsito disciplinavam o tráfego. O transporte de mercadorias era
feito no lombo dos animais ou em carros de bois. Os animais recebiam uma
cangalha sobre a qual era colocado o carregamento. Viajavam em tropas sob a
responsabilidade de um almocreve que trazia a tiracolo uma bolsa de couro também
conhecida como bruaca.
Devido
às condições dos caminhos, estreitos e cheios de curvas, os animais marchavam
seguidos, um atrás do outro. Assim, evitavam o emparelhamento entre eles e um
possível choque das cargas entre si ou com obstáculos à margem das estradas. O
animal da frente era chamado de guia e trazia no pescoço um chocalho. O som do
chocalho evitava o encontro entre tropas vindo em direção contrária
principalmente nas curvas fechadas.
O
artigo 5° da Lei n. 23 de 30.09.1859 normatizava a atividade do almocreves.
“Art.
5° - Fica prohibido aos almocreves e conductores de cargas conduzir animaes por
outra forma, que não seja a de um de frente, e nunca emparelhado a outro,
devendo o primeiro animal ou o único, no caso de não haver mais de um, conduzir
ao pescoço uma campainha. Os infratores pagarão 5$ réis de multa, o duplo na
reincidência. ” (Maia, id. Ibid, p. 26)
Durante
66 anos de monarquia a Paraíba tinha 17 caminhos principais dos quais apenas
dois se localizavam no sertão. Um da capital para Sousa e o outro da Fazenda
Fundamento para Santa Luzia.
A Lei
N° 6, de 02.06.1854, trata da autorização da autorização para estudo,
levantamento e orçamento da estrada que vai da capital a Sousa.
“Art.
1° - É o presidente da Província autorizado a mandar estudar e levantar a
planta e orçamento de uma estrada geral, que partindo da Capital termine na Villa de Sousa; assim como das
ramificações necessárias a aquelles pontos da Província separados da estrada
geral, que pela sua importância actual, e pela probabilidade da que para o
futuro possão ter e reclamarem.” (MAIA, id ibid, p. 31)
Com
esta finalidade o governo poderia despender não apenas cinco contos de réis,
mas ainda o que fosse necessário para a execução da lei.
A
despeito da preocupação com a configuração das estradas nos fins do século XIX,
essa tendência só vai tornar-se ações concretas no primeiro quartel do século
XX com a construção das estradas de rodagem pelo Departamento Nacional de Obras
Contra as Secas (DNOCS).
Posteriormente,
vamos trabalhar essas vias de comunicação e o que elas representaram para a
nossa região.
(*) Essa parte deste texto é praticamente uma transcrição da obra de Sabiniano
Maia.
BIBLIOGRAFIA
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graça: os impactos da tentativa de reforço da política sesmarias sobre as terras da Casa da Torre na capitania da
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RECIFE
07.05.2018
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