FALANDO DO QUE VI: JANEIRO DE 2015 EM IPAUMIRIM



MLUIZA
Uma semana numa cidade pequena, por mais que você a conheça, não é o bastante para mergulhar na sua rotina mas alguma coisa percebe-se com relativa facilidade. Há quatro anos eu não ia para festa de São Sebastião por vários motivos principalmente de natureza profissional.
Após esse tempo, algumas coisas permanecem absolutamente iguais porque estão cristalizadas na cultura local e acho difícil que mudem. Sua transformação só chegaria por milagre, por alguma coisa de muito impacto e efeitos duradouros ou muito lentamente de forma que três ou quatro gerações adiante talvez pudessem fazer esse registro.
A questão da melhora considerável nas condições de habitação já era uma informação que eu tinha visto no último Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil com os resultados do PNUD. Mas, uma coisa é ler um gráfico ou tabela que nos oferece dados sobre o real, outra coisa é ver e sentir a realidade pulsante no cotidiano das pessoas. Não andei em todos os bairros mas passei por muitas ruas e pude ver como as casas, em geral, estão melhores, mais bem cuidadas. Observa-se uma preocupação com o bem estar. Isso representa qualidade de vida, cidadania e um aporte positivo para a saúde principalmente se, paralelamente, existe uma incorporação de hábitos mais saudáveis de higiene e alimentação. Também é preciso esclarecer que essas iniciativas são de natureza privada embora saiba que muitas ações do Governo Federal propiciaram os avanços.
No que diz respeito à limpeza urbana, a cidade está muito limpa, mas o lixão a céu aberto permanece no mesmo lugar de sempre. Precisei ir ao hospital e também o encontrei muito limpo, porém em condições precárias de funcionamento. Paredes arrebentadas pelo salitre, mobiliário antiquado, instalações hidráulicas precárias, janelas muito pequenas e altas não permite a ventilação adequada aos ambientes. Sinceramente, são da altura de janelas de cadeia. Só falta tirar os vidros e botar as grades. Não sei quem construiu o hospital, mas qualquer um que tenha sido não observou questões fundamentais. Talvez um bom mestre de obra fosse mais atento à algumas demandas que ajudariam muito a tornar o ambiente mais arejado. Mesmo nas precárias condições, o atendimento é bom, os funcionários são atenciosos e isso já é alguma coisa positiva. A minha indagação é: por que o Posto de Saúde da Fazendinha não funciona? Não vi por dentro, mas por fora as instalações aparentam ser muito boas. Ainda que não fossem ideais, mas um posto de saúde fechado numa comunidade com uma população instalada que necessita de assistência é algo a ser explicado de forma convincente.
Na prefeitura, me surpreendeu a qualidade do atendimento. Muito bom, pelo menos no setor que precisei resolver algumas coisas. A máquina burocrática, entretanto, ainda é muito limitada e há uma desorganização na atualização de dados à disposição da população. Creio que uma revisão geral modernizando o setor seria importante. No século em que a informação é tudo, é fundamental aproveitar a tecnologia disponível para facilitar a vida de todos, tanto funcionários quanto usuários. Não é um site apenas que altera essa realidade cotidiana, mas um investimento significativo na modernização dos processos de informação oferece melhores condições de trabalho e agilidade na resolução das demandas internas e externas. Numa prefeitura de um município de mínimo porte acredito que não demandaria altos investimentos para atualizar a estrutura burocrática bastante emperrada. Um dia, as pessoas descobrirão que transparência, competência e marketing são coisas diferentes embora possam estar juntas em alguma ocasião.
Há algum tempo atrás, estive na biblioteca pública de IP e vi que haviam excelentes livros, uma infraestrutura mínima e me animei bastante. Dessa vez, precisava de um livro que me informaram que lá existiam alguns exemplares disponíveis para consulta. Procurei a biblioteca como quem busca uma agulha no palheiro. Não achei. Fui na antiga casa de Jerônimo Jorge, no antigo prédio lá na praça do posto, na prefeitura, na secretaria de cultura que estava fechada e ainda num departamento não sei de quê - ali mesmo no prédio da CVT - procurando a biblioteca. Todas as pessoas me atenderam muito bem, mas ninguém sabia onde estava a biblioteca pública.  A biblioteca Zenira Gonçalves Gomes deve ter sido abduzida porque nem mesmo os órgãos oficiais responsáveis sabem dela. Isso é um retrocesso inaceitável. Já não se investe em cultura e, para completar, até a biblioteca some?
O comércio cresceu um pouco com a instalação de pequenas lojas de artigos diversificados predominando o setor de vestuário disponibilizando produtos de bom gosto e qualidade. Em compensação, o mercado público está literalmente acabado. No interior, há uma desorganização geral e uma infraestrutura destruída. As edificações ao redor da parte central estão desafiando o mínimo conceito de harmonia e bom gosto. Cada um faz o que quer, uns prédios em forma de caixotes em superposição, um diferente do outro, descaracterizaram totalmente a construção original e não trazem nada em troca nem em inovação nem em qualidade estética. O mau gosto e o descaso dinamitou a única construção antiga da cidade. Agora, vai ficar como está, talvez ficará pior quando todos resolverem colocar mais um caixote em cima do prédio original.
A administração das prefeituras, ao longo dos anos em que o processo de descaracterização do mercado vem acontecendo, é responsável pela incompreensão da importância de preservação de monumentos públicos. Modernização fora de hora e lugar é tolice. Na minha modesta compreensão, isso tem a ver principalmente com duas coisas: o desconhecimento do conceito de público e privado e de como estas duas áreas podem se relacionar civilizadamente e, por outro lado, a politicagem que não bota ordem nas coisas com medo de perder votos.
Outra coisa que me impressionou foram os preços nas lojas de vestuário onde passei, com exceção daquelas voltadas exclusivamente ao comercio popular. As roupas estão a preços de shoppings das grandes cidades. Tudo bem, cada um é livre para consumir o que deseja, mas o que me espanta é a relação contraditória entre os preços que eu vi e as informações sobre trabalho e renda apresentados no último PNUD divulgado. Isso pode ser um indicador de um endividamento aguçado, o que parece particularmente complicado diante de um ano que não promete muita coisa. O fetiche do consumo estimulado pela mídia e pela publicidade me impressiona porque está cada dia mais associado à inclusão social, poder e qualidade de vida em detrimento de coisas essenciais que não apresentam resultado imediato e sequer se prestam à ostentação ingênua como forma de distinção social.
A tentativa de organizar o trânsito é uma coisa positiva principalmente em tempos de excesso de veículos trafegando pela cidade. As motos são insuportáveis e não respeitam nem automóveis nem pedestres, em qualquer lugar está assim. A própria localização do DETRAN é inadequada porque não há espaço para a demanda de veículos tornando o trânsito naquela área mais congestionado e desordenado. Isso repercute na mobilidade principalmente de idosos e crianças que ficam mais expostos à ousadia irresponsável de condutores apressados.
Agora junte: a movimentação do trânsito com seu barulho característico + os carros de som que madrugam gritando histericamente seus anúncios e recados no mais alto volume + a difusora da igreja mais som de carros que passam em altíssimo volume. Fechando o circuito, as bandas nas festas noturnas não deixam ninguém dormir enquanto a festa não acaba. Quando não tem banda, tem o relógio da igreja que invariavelmente, de meia e meia hora, toca uma sequência de sons desnecessários. Isso é Ipaumirim. Vai ver a biblioteca sumiu porque ninguém consegue mesmo ler com aquela barulheira sem controle nenhum. Quem é mesmo o órgão responsável pela ordenação e controle da poluição sonora? Já que civilidade passou longe, pelo menos, devia existir algum órgão que normatizasse esse descontrole prejudicial ao conforto e a saúde de todos.  O processo civilizador nunca foi bonzinho em nenhum lugar do mundo. Para viver em sociedade é preciso regras que disciplinam e enquadram os excessos que prejudicam coletivamente. Para isso o poder público tem instrumentos à vontade e não usa se não quiser.
O dia 18 foi um dia insuportavelmente barulhento. Se tivesse algum aparelho para medir os decibéis com certeza teria estourado, pelo menos naquela área em volta da praça e da igreja. A orgia sonora absoluta e soberana reinou o dia inteiro.
Falar no dia 18 é falar do abortamento da iniciativa mais saudável que IP conheceu nos últimos tempos. Implodiram a ACRI e a sua proposta idealizada por Zenira, com o apoio de filhos e amigos de Ipaumirim, quando da sua fundação como uma organização que agregaria a todos. Se a coisa começou assim, não seguiu assim. Se alguém lembrar das críticas que fiz no blog há algum tempo atrás vai saber exatamente quando as coisas começaram a degringolar e a politicagem miúda, varejista, barateira e míope acabou afastando as pessoas que efetivamente gostavam e encaravam a festa como um espaço de todos. Desde essa época, a ACRI teve a sua morte anunciada. Saiu da iniciativa dos amigos e caiu no esgoto da politicagem. Daí o destino era ir ladeira abaixo mesmo. Para mim, naquele momento a ACRI foi abortada. Não foi nessa festa chinfrim de 2015 com essa bandinha bate estaca que a ACRI acabou. Ela acabou quando perdeu a sua razão de ser que era exatamente ser uma festa de todos para todos.  Até uma banda que tocou na praça, de tarde, foi infinitamente superior a banda da noite. Manter uma festa no nível que foi essa última para desqualificar cada vez mais uma iniciativa já defunta é um escárnio.
As outras festas públicas devem ter sido ótimas até porque acabaram bem tarde, mas eu não posso falar do que não vi.
Dia 20, dei umas voltas pelas áreas de maior movimento onde ficam o comercio informal e o parque. Vale salientar que o parque melhorou um pouco. As instalações ainda são precárias, tanto dos brinquedos quanto na parte elétrica, mas eu seria injusta se não reconhecesse que estão infinitamente melhores que as últimas que eu vi por lá em anos anteriores. O comercio informal continua muito bagunçado e, ano após ano, ninguém toma uma providência para melhorar as condições da romaria. Esse ano, eu não vi nenhuma equipe de apoio e informação instalada na praça do posto, o que muito facilitaria a vida dos romeiros.  Para um evento popular onde não se conhece investimento, nem na infraestrutura turística nem na divulgação, além do mais acontecendo durante a semana, a festa religiosa foi de bom tamanho. A procissão foi muito bonita e bem organizada. Não foi das melhores que eu vi em temporadas passadas mas teve muita gente.
O setor de alimentação avançou um pouco com a instalação de pizzarias, restaurantes e alguns bares mesmo os mais distantes. É preciso valorizar e estimular essas iniciativas não só porque são lugares de divertimento, mas porque dão ocupação a várias pessoas. A praça do posto parece que já se consolidou como um local de encontros sociais.
Uma juventude bonita e bem cuidada circulou pela cidade, de lá mesmo e/ou visitantes. 
Houve a festa da Família Gonçalves bastante concorrida com muita gente de fora vindo especialmente para o evento.
Durante o período da festa, fiquei com pena porque não vi muita gente que estava na cidade  e que eu gostaria imensamente de ter encontrado.
O melhor é que ocorreu tudo em paz com exceção de um grave acidente de moto com duas vítimas fatais.
Até a politicagem que rolou, ficou bem apagadinha. Não deu para impressionar porque as pessoas estavam atentas a coisas mais interessantes.
MLUIZA
Publicado no alagoinha.ipaumirim em 24.02.2015

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