REQUIEM PARA UMA CIDADE DESOLADA



MLUIZA
Detesto viajar de ônibus. Pelo pinga-pinga infernal, pelo tempo perdido, pela falta de um lugar decente para comer e principalmente pelos meus famosos bicos de papagaio que insistem em beliscar, reclamar e incomodar durante vários dias.
Para me distrair, fico observando os lugares por onde passo e sempre juro para mim mesma que da próxima vez levarei uma câmara fotográfica para registrar o percurso. Nunca levo a câmara e o meu celular não faz nada além de ligar e receber. As imagens ficam registradas na minha memória e para traduzi-las preciso remexer no baú das palavras.
Desta vez, fui a IP pelo Juazeiro do Norte. Vi Padim Ciço lá de cima reinando sobre o comércio e a política em torno da fé. Daí para frente, a viagem de carro é uma aventura. O calor insuportável, as estradas perigosas, mal cuidadas, pouco sinalizadas, gente sendo transportada sem a menor segurança, desobediência aos poucos sinais de trânsito fazem da curta viagem uma aventura. A sensação é que você está participando de um rali.
Tudo bem. Entramos na guarita que dá acesso a IP pela BR 116. Um pouco adiante, do lado esquerdo de quem vai para a cidade, somos recepcionados pelo lixão. Um lixão que se expande além da cerca e fica na beira da estrada. Detalhe: fumaçando. O mato seco na volta e o perigo de provocar um incêndio de proporções desastrosas.
A imundície a céu aberto desafia qualquer noção mínima de política ambiental. Acho que é por conta disso que as ossadas estão saindo das tumbas do cemitério próximo, conforme registrou o Portal de IP por ocasião do Dia de finados. De repente, talvez, não seja só por conta do lixão. Não podemos esquecer que do outro lado do cemitério, um pouco mais adiante, tem um matadouro que acredito que nem deve mais funcionar. Se funcionar é porque a vigilância sanitária deve estar aposentada. Ele fica próximo a um posto de resfriamento de leite e a uma fábrica de produtos de limpeza.
Nada se compara ao abandono da cidade. Imagine o inusitado: eu vi um garrote saindo pelo portão do hospital. Ninguém me disse, eu vi. Fiquei pasma. O hospital fica na beira da estrada e nada mais esperado que o gado que fica solto tenha a iniciativa de entrar circular pelo estacionamento do hospital.
Mais adiante, logo após aquela ponte, do lado direito, está o que um dia foi a lavanderia pública e o açougue público. Imundos, podres, mal cuidados, caindo aos pedaços, abandonados. É um nojo.
Se você dobrar à esquerda, verá os restos do que foi um dia foi o excelente clube da cidade. Literalmente caiu. Tudo bem, esquece. Desiste de ir à esquerda e dobra à direita que você vai encontrar um novo bairro se favelizando. Sem ruas demarcadas, sem calçamento, sem arborização. A desordem do espaço urbano no novo bairro, sem planejamento, sem recursos mínimos, desrespeita a cidadania e tripudia de quem ali está investindo seus parcos recursos na esperança de viver com mais comodidade.
A desordem do trânsito pelas ruas estreitas é uma temeridade. Motos passam em velocidade comprometendo a segurança de pedestres, das crianças, dos idosos. Carros estacionados onde querem, caminhões circulando em vias praticamente intransitáveis para veículos pesados. Salve-se quem puder. E o DETRAN?
Pelo Código de Trânsito Brasileiro, “DETRAN (Departamento Estadual de Transito) é o órgão Estadual de Transito que tem por finalidade o exercício das atividades de planejamento, administração, normatização, pesquisa, registro e licenciamento de veículos, formação, habilitação e reciclagem de condutores, educação, engenharia, operação do sistema viário, policiamento, fiscalização, julgamento de infrações e de recursos e aplicação de penalidades.”
Para completar o quadro, a Praça São Sebastião e Praça Padre Cícero desafiam o bom senso na ocupação do espaço urbano. Por que não se diminui a largura das praças para ampliar o tráfego de veículos? Ou radicaliza: Praça e não trânsito. Época de festa é um horror porque, soma-se à desordem no trânsito, o som dos carros com seus bregas e axés desafiando os tímpanos de quem mora na vizinhança. Quem mora na área fica sitiado entre os benditos da difusora da igreja e a barbárie incivilizada do som dos automóveis particulares.
No largo atrás da igreja, a poeira da construção civil é um terror para quem mora nas imediações. As casas estão sempre sujas e empoeiradas e os entulhos – que deveriam ser retirados diariamente – se misturam ao material de construção numa nuvem de poeira que compromete a saúde de idosos e crianças vulneráveis aos problemas pulmonares. Nos lugares civilizados, há equipamentos específicos para depósito de entulhos durante as construções. Como não temos recursos desta natureza, pode-se improvisar colocando entulhos em camburões e retirando-os sistematicamente. É tão simples e barato, mas como não há ordenamento, cada um faz como quer.
Conversa vai, conversa vem, ouvi dizer que IP terá uma nova bandeira. Isso já foi falado rapidamente no Portal de Ipaumirim. Eu pergunto: por quê e para quê? Pelo que eu saiba e se não me engano, Ipaumirim já tem uma bandeira. Para que mudar? Caiu da moda, foi? Pelo que eu saiba, bandeira não acompanha moda. Talvez por isso tenham bandeiras horrorosas que resistem ao tempo porque elas têm um sentido e uma razão. Imagina se tirassem um pouco do verde da bandeira do Brasil a cada vez que se desmata um pedaço da Amazônia. Bandeira é símbolo, não precisa ser fashion. E se, segundo dizem, querem tirar o algodão que está na bandeira, vão botar o que? Pelo menos algodão já se produziu por aí. Agora, produz o quê? Sabão, leite e doce. Vão botar uma barra de sabão? uma lata de doce? Um litro de leite?
A educação com índices vergonhosos, o município paupérrimo sem a mínima expressão, a cidade abandonada e, de repente, aparece a importantíssima necessidade de mudar a bandeira. Era o que faltava.
Andando pela rua, perguntaram-me se Ipaumirim ia virar Alagoinha. O tempo nunca regressa, mas antes uma Alagoinha erguida pelo esforço de seus velhos representantes que lutaram bravamente por tempos melhores do que um Ipaumirim ajoelhado, envergonhado, desmoralizado, degradado, ano após ano.
Em IP, não se importar com o município já virou tradição. Os gestores - prefeitos, para ser mais clara - não podem e nem devem ser execrados sozinhos. E a Câmara Municipal de Vereadores? Quantas vezes interferiu, pressionou e/ou mudou o curso dos desacertos?
Na realidade, o verme que contamina, destrói, desagrega e deixa rastros por várias gerações é a politicagem das pequenas negociatas, das traquinagens eleitoreiras, da esperteza cabocla que congrega políticos, chefetes e eleitores interessados em se dar bem. Em IP, nem São Tomé acredita no que vê. Nem passei pela cidade toda mas fico me perguntando se ela já está prontinha para receber os visitantes na Festa de São Sebastião.
Para não dizer que não falei de flores, fiquei encantada com o acervo da Biblioteca Pública Zenira Gonçalves Gomes. Em que pese à política editorial que facilita a produção e distribuição de livros compatíveis com determinados interesses, de uma maneira geral, tem muito livro interessante. Alguns catalogados. A maioria dos livros nunca foi consultado. Tem um monte de obras encostadas sobre balcões e caixas velhas porque não tem estante para organizá-los. Uma estante de aço é baratíssima. Algumas mesas, vários computadores novos e sem internet. Um calor infernal. Nenhum ventilador. Sobretudo falta iniciativa para dinamizar a biblioteca, conquistar leitores e trabalhar junto às escolas e à população o saudável exercício da leitura.
MLUIZA
Publicado no alagoinha.ipaumirim em 15.11.2009

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