HOJE É DOMINGO NO PÉ DO CACHIMBO



MLUIZA
Hoje é domingo 
Pede cachimbo
O cachimbo é de ouro
Quer dar no besouro
O besouro é valente
Quer dar no tenente
O tenente é de linha
Quer dar na galinha
A galinha é de Nino
Quer dar no menino...

Quem não conhece essa parlenda que permeava as brincadeiras de infância. Com variações, dependendo da região, fazia parte das nossas brincadeiras no Ipaumirim dos anos 50 e princípios dos anos 60.
Ainda sem TV mas já com rádio de pilha, a noite era nossa com a criançada correndo pela calçada da igreja e pela praça. Rádio era coisa do dia e antes que chegassem os portáteis, tínhamos que parar para escutá-lo. Eu gostava das novelas de rádio. Mas gostava ainda mais de ouvir Dona Odete recontar os capítulos. Minha mãe mandava pegar a roupa engomada e eu perguntava como andava a novela da época. Ficava fascinada pela sua narrativa recontando os capítulos. Era uma outra novela, com tanta riqueza de detalhes, muito mais interessante que a do rádio.
A noite era da brincadeira na rua. Ip tinha praticamente duas ruas: Rua do Sol e Rua da Sombra com suas poucas ruas transversais. Algumas casas na rua do grupo, outras na rua da Souza Fernandes. E a proscrita Rua da Matança, naquele tempo tão distante de nós.
A calçada da igreja, o largo atrás da sacristia, a praça, o largo da antiga feira constituíam o nosso território.
E tome brincadeira.
Meninos pra um lado, meninas pra outro. Adultos sentados nas calçadas conversavam entre si e ficavam atentos à criançada.
Sonia, de Cirilo Sampaio, era uma das maiores do nosso grupo de brincadeira mas brincava com um gosto que contagiava a todos. Na certeza, tinha uma briga minha com Graça, de Senhor Damião. Como brigávamos. Brincava e brigava. Até por causa de uma boneca dela que tinha um furo na cabeça. Arrancar a touca do bebê era desmoralizar seu filho, insultá-la mortalmente e chamar para uma briga.
Tinha uma brincadeira que se chamava-se Roda de correr, não lembro dos detalhes mas era um pega. Alguém lembra como era? Outra chamávamos Quipa. Dois grupos de sete jogadoras e uma líder à frente (era a quipa), uma defronte a outra disputavam a posse da bola. Parece-me que quem perdia as bolas saía do jogo e algumas jogadoras trocavam de lado para disputar com a equipe contrária.
No chicote queimado invadíamos a igreja, atrás dos altares, sacristia, coro, o que estivesse aberto era esconderijo. Maria Lourenço, zeladora da igreja, com sua fala fanhosa ficava uma fera com a algazarra. Nem sempre a igreja estava aberta mas quando estava era o recanto preferencial também para brincar de se esconder. Nada ficava fora de nossas possibilidades. Do sino ao confessionário, estava tudo dominado.
A macaca, conhecida em outras regiões como amarelinha, era o dez. Riscadas sobre a terra ou com carvão ou giz no chão das calçadas e praça era fantástico. Eu adorava mesmo era no inverno quando riscávamos a macaca na terra úmida da chuva.
Quem nunca brincou de "xibiu"? Deve ter um nome mais bonito por aí, mas era assim que denominávamos o jogo de pedrinhas. Eram cinco pedras e vários movimentos. Entre as manobras mais difíceis estava o rapa quando conseguíamos recolher , de uma só vez, todas as pedrinhas distribuídas no chão.
Cabra cega, pular corda, o repertório de brincadeiras era inesgotável. Passar o anel era brincadeira mais tranqüila. Em roda, tira-se a sorte para ver quem passa o anel. Passa-se o anel por todos e  um deles é o escolhido para recebe-lo. No final, a pergunta é ‘Onde está o anel? Quem acertar passa o anel na próxima rodada. Se ninguém acertar, a mesma pessoa torna a passar o anel e se reinicia a brincadeira..
A maioria das brincadeiras eram coletivas e nos socializavam de uma maneira saudável e divertida. E as cantigas de roda? Entre tantas, você já teve tempo de cantar alguma delas para seus filhos e netos?
Uma delas, minha filha adorava quando eu brincava com ela. Principalmente quando viajávamos para IP era um  divertimento certo para amenizar a distancia da viagem. Ela adorava fazer as piolhentas. Era a ponte das agulhas.

Pela ponte das agulhas

Pela ponte das agulhas
todo mundo passa....
Pela ponte das agulhas
todo mundo passa....

As lavadeiras fazem assim....
Tra la la la la la la
As cozinheiras fazem assim...
Tra la la la la la la
(Acrescenta várias situações onde a criançada imitava. Por exemplo., nas lavadeiras imitava as lavadeiras e aí por diante.)
Uma vez, pesquisando jornais do início do século, encontrei o registro dessa brincadeira. Depois, fiquei brava porque não anotei. Fui ver se achava na internet mas não encontrei, deve ter alguma variante. Encontrei, no you tube, um registro de cancioneiro infantil de Villa Lobos chamado Todo mundo passa onde o refrão tem a mesma sonoridade.

Tinha as brincadeiras de época. No São João, em volta da fogueira, o ritual de batismo entre madrinhas e comadres era um caso à parte. Pena que eu lembre da brincadeira mas não lembre das minhas madrinhas e comadres de São João.
Tantas outras que devo ter esquecido mas se você lembra, pode mandar contar que o blog publica. Estou falando naturalmente das brincadeiras das meninas. Os meninos também tinham seus jogos mas não perdiam a oportunidade de implicar com a gente.
Mário Prata (
http://www.marioprataonline.com.br/obra/cronicas/o_amor_de_tumitinha.htm) conta que descobriu anos depois que a expressão 'domingo pé de cachimbo', na verdade, era pede cachimbo. Verbo pedir. Pede cachimbo significa que o domingo pede paz, moleza, tranqüilidade. Isso nos tempos que se podia fumar cachimbo sem gente por perto enchendo o saco.
MLUIZA
Publicado no alagoinha.ipaumirim em 09.08.2008

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