O domingo, hoje, foi literalmente de
casa cheia. Até que gosto de movimento mas hoje eu estava com vontade de ficar
só, depois de uma semana atribulada. A noite passada prometeu com muito
relâmpago e trovão. O dia foi chuvoso. Fiquei pensando na inundação em IP e com
vontade de botar os pés nas poças d'água. Segundo os jornais, o inverno deve ir
pesado até maio.
Aqui, em Recife, o inverno sempre começa
em abril, os meses de junho e julho são os mais molhados. Era assim, pelo
menos, quando mudei para cá no dia 01.01.1971. Atravessei cheias históricas,
secas difíceis, racionamento de água, adversidades climáticas que somadas ao
pouco caso do poder público sempre acabam piores do que deveriam ser.
Em IP, as lembranças oscilam entre as
alegrias dos bons invernos com direito a banho de chuva nas bicas da igreja,
correndo na rua e desfrutando da algazarra da criançada. O lado sombrio era a
expectativa do inverno e as agruras de grandes secas.
Nos anos 80, temporada que morei em
São Paulo, presenciei um momento emblemático quando observei aflorar a força da
cultura sertaneja em torno das nossas relações com o clima, fruto das parcas
informações que tínhamos quando crianças e que creditavam a Deus e ao acaso o
eterno problema das secas periódicas.
Na ocasião, estávamos no enterro da
filha de Dorinha e Sebastião Baraúna que faleceu jovem num acidente
automobilístico. Justo na hora da finalização do ritual fúnebre cai uma chuva
fina. Dorinha agradece a todos a solidariedade e diz exatamente a expressão: “Minha
filha é tão feliz que na hora do seu enterro Deus manda uma chuva para
refrescá-la.” O silencio foi profundo. A mensagem reavivou a identidade
comum da maioria dos presentes. A força da expressão que associa a chuva a
momentos de alegria, fertilidade, esperança, superação, remeteu-nos aos apelos
da nossa cultura e naquele momento indiscutivelmente estivemos juntos.
Quantas vezes não conseguimos
repassar aos nossos filhos esses sentimentos, essa sensação de pertencimento
que sentimos quando encontramos um conhecido e ficamos falando do que essas
coisas significam para nós. Para os filhos, parece que estamos contando uma
estória distante, tão longe da realidade que eles compartilham conosco.
Uma vez, em IP, eu presenciei uma
situação dramática que cultural e políticamente valeu mais que todas as aulas
que eu tive sobre diferenças sociais, posse e uso da terra e outras coisas do
gênero. Passei anos sem falar sobre o assunto porque queria comentá-lo com
alguém que compartilhasse comigo a sensação daquele momento.
Hoje, quando vejo o estardalhaço da
mídia sobre o potencial de consumo da classe C - como se isto fosse a glória e
o horizonte do mundo - quando as escolas estão péssimas e a saúde pública
entregue à própria sorte, lembro de uma entrevista de Milton Santos, famoso
geógrafo brasileiro, quando ele dizia que o maior e mais pernicioso
fundamentalismo é o fundamentalismo do consumo.
E aí me dá saudade mesmo dos bons
invernos porque não há shopping, modas e modos modernosos que substituam, para
mim, comer goiaba madura tirada do pé, tomar banho de açude sangrando, sentir o
cheiro de terra molhada, comer um cuscus fresquinho, com nata, leitinho quente
com café passado na hora. Um café da manhã sem yogurte light, sem a
insuportável ricota, o pão de milhões de grãos com 0% de gordura, linhaça,
própolis, azeite e o interminável cardápio da saúde no século XXI.
Socorro!!!!!!!!! Eu não quero ir pra
Dubai. Eu quero passar as férias no Sítio São Pedro.
MLUIZA
RECIFE
Publicada no alagoinha.ipaumirim em 12.04.2008
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