SEBASTIÃO MOREIRA DUARTE |
"Bate a enxada no chão,
limpa o pé de algodão
Pois pra vencer a batalha,
É preciso ser forte, valente, robusto
e nascer no Sertão"
(Algodão, Luiz Gonzaga)
Com a perda repentina de meu pai, pouco é dizer que
as promessas de prosperidade para a família Matias Rolim derruíram por
completo. Tivemos que arrostar sacrifícios imprevistos por pelo menos uma
década, numa insuperável corrida de obstáculos. Foi um duro aprendizado que, só
à distância, posso contemplar como força acrisoladora do nosso caráter em
formação.
Mas, como explicar que, do dia para a noite,
tenhamos entrado a conviver com a penúria?
Antes de tudo, convém lembrar que, naqueles tempos,
sobretudo no meio rural, não se falava em escrita contábil organizada. O
tradicional borrador recebia as anotações das contas de credores e devedores.
Esses, últimos, em especial, raramente deixavam comprovante escrito dos débitos
assumidos, até mesmo porque, sendo amigos ou achegados ao círculo familiar, era
normal se acertarem com Mestre Matias mediante a contratação de serviços ou com
a troca de cereais.
Além disso, meu pai com certeza sofrera pesados
reveses nos seus dois últimos anos de vida. Em 1924, impressionado, como outros
muitos, com a devastação da seca do 15, o velho Matias deu exagerada crença à
uma “profecia” que chamava a atenção para a outra grande seca que estaria às
portas. Chefe de numerosa família e responsável pela assistência a muita gente
no Melão, ele se pôs a comprar e armazenar um estoque de farinha nunca visto.
1924, ao contrário do que se esperava, trouxe um inverno dos mais férteis. Foi
total o prejuízo. A farinha mofou, aos bolões, no depósito.
Já em 1925, o caso do algodão. A expectativa pela nova safra elevou os preços
do produto ao patamar de 20 mil réis a arroba, ainda na folha. Era negócio para
arrebentar a praça, de fazer perder o juízo. Uns venderam o gado que tinham,
outros penhoraram a propriedade por valores ridículos. A ordem era conseguir
dinheiro e aplicá-lo na compra de algodão. Mestre Matias, embora não tenha
feito ousadias de comprometer-se irremediavelmente, não deve ter sido exceção a
essa “febre do ouro branco”, dado o bom nome de que desfrutava. Seria
impossível prever que o algodão deveria ser entregue a firmas com André
Fernandes & Cia., em Mossoró, ou Higino Rolim, em Cajazeiras, a apenas
cinco mil réis a arroba. À época da colheita, os preços oficiais caíram 300%.
Se meu pai continuasse vivo, teria certamente
encontrado saída para a difícil situação a que as circunstâncias o levaram. Com
o seu desaparecimento, porém, ocorreu que a corrida dos credores, no afã de
receberem as suas contas, se deu na velocidade contrária à dos devedores em se
quitarem com D. Dosanjo.
Minha mãe, além de não dominar maiores detalhes
sobre o andamento dos negócios, estava nos últimos meses de gravidez. Acossada
por tanta gente voraz, tratou de vender os próprios pertences para honrar a
memória do marido. Restou-lhe a pequena propriedade do Melão, que ela teve de
dividir com os doze herdeiros de Matias Duarte Passos.
Do livro Do Miolo do Sertão
Do livro Do Miolo do Sertão
A História de Chico Rolim contada a Sebastião
Moreira Duarte
pp. 15 a 17
pp. 15 a 17
Fonte:
Publicado no alagoinha.ipaumirim em 18.10.2009
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