IMPRESSÕES SOBRE A FENEARTE 2022


Como para descontar os anos de isolamento total e de um cuidadoso distanciamento social resolvi não baixar a guarda, mas abrandar o pavor aos contatos. Fui quatro vezes à FENEARTE 2022.  Numa feira grande ninguém consegue ver tudo, mas tem uma ideia geral do evento.

As coisas boas e bonitas naturalmente são caras, muito caras. De qualquer maneira, aqui e ali, dava para garimpar coisas interessantes com um preço razoável.

Eu sempre tive um manifesto preconceito com alguns stands, uns pelo pouco esmero nos produtos e outros porque cismei. Os stands de São Paulo para baixo apresentam produtos pouco criativos bastante  inferiores aos que se encontram nos locais de origem. Até parece que para cá só vem refugos.

Das bandas do Centro-Oeste, o stand de Brasília destaca-se pela pobreza criativa. Os outros da região seguiram a linha ‘marromenos’, uns até melhoraram alguns produtos, mas nada especial.  

O Norte me surpreendeu, melhorou muito o acabamento das peças trazendo  muita coisa bonita em madeira, palha e contas. A marchetaria do Acre é linda demais. Linda e cara.

Os stands vinculados ao SEBRAE sempre trazem material de boa qualidade e apresentação primorosa. Outros, particulares, são bem criativos, mas nada baratos.

O pessoal que vendeu mantas deve ter feitos bons negócios com produtos bonitos, criativos e baratos. Dava gosto de ver.

Alguns stands reduziram o tamanho e por conseguinte a oferta de produtos. A cerâmica do Vale do Jequitinhonha apresentou um estoque reduzido e pouco variado.

Nos stands municipais, o artesanato não consegue se reinventar. Alguns foram utilizados  por políticos em campanha que lá estavam gravando vídeos, tirando fotos e atrapalhando a circulação dos visitantes da feira.

Acabou aquela farra de degustação nos stands. Aliás, tinha muitos poucos stands com essa linha de produtos. Alguns só tinham mesmo o basicão. A praça da alimentação consegue piorar a cada ano. O seu cardápio no estilo ‘comeu-morreu’ é uma temeridade.

A área de têxteis no que diz respeito a vestuário tinha muita coisa bonita e bem acabada, trabalhos criativos e primorosos, mas nada barato. Produtos de cama-mesa-banho ficou na mesmice dos anos anteriores.

Cerâmica refratária bem bonita, mas com preços impraticáveis. Cerâmica figurativa com alguns poucos stands com peças muito bonitas  mas os demais eram bem repetitivos.

Os stands da 25 de março, denominados stands internacionais,  estavam num estado de indigência que dava dó. Muita roupa indiana, aqueles produtos de vidro ‘dorado’ dito das arábias e biscuit chinês foi o que rolou. Curadoria zero. No centrão de qualquer cidade, inclusive interioranas, acha-se coisa melhor e com melhores preços.  Há bastante tempo que este setor da feira desabou. Mesmo antes da covid já estava em plena decadência.

De maneira geral, a feira foi muito repetitiva. Como sempre.

Na última vez em que estive lá dediquei-me a observar mais o ambiente e menos a exposição dos produtos. O que muito vi foi gente fazendo selfie e produzindo conteúdo para suas redes sociais. Tive a curiosidade de ficar perto para ver o que gravavam e suas narrativas. O cenário, mesmo naqueles stands maiores e bem cuidados, era apenas palco para o seu narcisismo. Aquele look pseudo estiloso, vulgar e banal que se instalou nos corações e mentes das subcelebridades que habitam as redes sociais era o que se via. Garotas desfiguradas pela harmonização facial. Os rapazes num look despojado, de bermudinha e camisa manga curta, metido a descolado-popular-cult. As subcelebridades moviam pelos corredores como se estivessem numa passarela. Aqueles índios do cabelo mechado de louro com suas maracas, as pequenas orquestras de frevo, bandas de pífanos e outras manifestações da cultura popular que antes eu via circulando pelos corredores foram substituídas pelos quase famosos do quase moribundo instagram e do tik-tok em ascensão.

Ainda assim acredito que a feira foi um sucesso, um refresco para quem passou e ainda passa pela experiência traumática do COVID e quer qualquer motivo para reativar a convivência social tão importante para o equilíbrio mental principalmente nos tempos tenebrosos que estamos atravessando.

MLUIZA

Recife

17.07.2022

 

GRACIAS A LA VIDA QUE ME HA DADO TANTO

MLUIZA

“Fue impreciso nacer y fue tardío
nacer de veras, lento,
y palpar, conocer, odiar, amar,
todo esto tiene flor y tiene espinas.”

(Pablo Neruda, Primer viaje)

Hoje, fiz 71 anos. Caminho na direção dos oitenta. Vida que segue. Espero chegar lá. Nasci no ano de 1951, na Rua do Sol, uma casa simples cuja frente tinha duas janelas e uma porta, no pequeno Distrito de Alagoinha pertencente ao minúsculo município de Baixio. Sempre digo que nascer na rua do sol despertou em mim a admiração e o gosto pela luz.

A despeito dos revezes pelos quais todos passamos de uma forma ou de outra, mais tenho a agradecer do que a pedir. Tive avós maravilhosos, um avô excepcionalmente presente na minha vida e na minha memória afetiva.  Tive um pai amigo e compreensivo, um irmão que atravessou a vida com dificuldades, uma mãe forte, corajosa que aos 95 anos ainda ama a vida com afinco. Tenho uma filha que todos os dias me ensina novas lições de coragem e determinação.  

Vivi uma infância simples, protegida, despojada. Estudei o curso primário em escola pública no único grupo escolar que havia na cidade. Dai, em 1962, saí para o mundo e fui tecendo os meus caminhos. No roteiro, construí grandes amizades a quem quero referenciar e reverenciá-las neste momento. A minha vida é a tradução das amizades que cultivei ao longo dos anos. Tão diferentes entre si e tão harmônicas no conjunto, minhas amizades são a sinfonia que embala a minha vida. Eu seria injusta se esquecesse algumas entre todas,  razão pela qual não devo nomeá-las individualmente.

Minha filha diz que se eu fizesse uma festa e, de repente, todos os meus amigos estivessem presentes seria uma odisseia ou uma guerra de tão diferentes que eles são entre si.

Alguns já se foram sem me pedir licença, outros estão longe e já não sei por onde andam. Aliás, sei sim. Estejam onde estiverem estarão juntos onde eu estiver. Meus amigos sempre foram únicos e de cada um eu guardo com carinho alguma coisa em especial.

Quero reverenciar, neste momento, minhas amigas que já partiram, mas sobrevivem ao tempo dentro de mim.  Só não me peçam para perdoar essas partidas sem minha autorização.

Quem já teve uma amiga que se sentou ao piano para tocar uma música especialmente para você num momento em que você se despedaçava por um amor absolutamente banal e passageiro, mas naquele momento definitivo. Uma trilha sonora para um amor moribundo não é coisa para ser esquecida como se nada fosse.

Ter como amiga uma galega vaidosa, namoradeira e ardilosa ensina coisas que nenhuma enciclopédia dá conta. Éramos cumplices das suas investidas amorosas inclusive aquelas que aconteciam concomitantemente. Amiga querida, você era irresistível pela sua leveza e graça. Saudades muitas.  

Ter uma amiga que atravessa com você momentos dilacerantes e não fala nada, apenas fica perto e olha pra você é essencial na vida de qualquer um. Amiga, aquele olhar, naquela hora, me ajudou a transpor um abismo. Não tem como esquecer.

Sabe aquela amiga que vai ao supermercado, descobre um óleo de cozinha, compra um para si e outro para dar de presente a minha mãe? Que jeito de amar seria mais insólito? Era o jeito dela e de ninguém mais.

É imprescindível conviver com alguém que conseguiu cultivar o saudável hábito de não julgar. Uma camaleoa, nunca era a mesma no momento seguinte. Trazia na alma o dom de surpreender. Dizia pra minha filha adolescente que casar é bom, muitas vezes. Personalidade firme, criativa, corajosa e de gestos suaves. Uma pessoa que sabia escutar e que só tinha coisas boas pra dizer mesmo quando a própria vida já estava em plena erosão. Amiga querida, eu lembro de você todos os dias com uma infinita saudade.

Alguém viveu o que é ter uma amiga temperamental que vai de zero a mil em um segundo? Uma hora te esculhamba e no momento seguinte te adora. É preciso nervos para conviver com um temperamento tão intempestivo. Era o seu jeito especial de ser.  Sua coragem de recomeçar, sua generosidade e desprendimento era uma lição de resistência. Não esqueço que te devo muito e da importância que você teve na minha vida.

Mulheres corajosas que tiveram uma passagem meteórica pela terra porque se foram cedo demais quando ainda tinham muito a viver.

Mas não só de lembranças vive o meu coração. A vida foi pródiga em colocar ao meu lado amigas e amigos tão queridos e que ainda estão aqui. Gente capaz de conviver com minhas glórias e misérias, ouvir minhas lamúrias enquanto choro minhas pitangas. Amizades que conseguem transformar minhas agonias em algo frugal só para me mostrar que o mundo não acaba nem termina em mim. Amizades que seguram minha mão, compram minhas brigas, me dizem o que eu não gostaria, mas precisaria ouvir. Amizades que corrigem meus erros sem recriminar, toleram meus achaques, estimulam, ajudam, cobram, perdoam. Muitas vezes, não entendem minhas razões, mas ficam ali por perto. Amizades que me tiraram para dançar as suas vidas. Amizades que ao me ensinarem a desaprender o mundo deram-me a maior lição sobre a importância de renascer todos os dias esvaziando o aprendido para que novas ideias possam arejar o meu olhar, a minha percepção e o meu sentimento.

Eu sou um pouco de cada uma das minhas amizades.

No dia de hoje não quero celebrar a minha idade. Quero celebrar os meus afetos porque foram eles que me fizeram chegar até aqui.

Gracias a la vida que me ha dado tanto!

MLUIZA

Recife, 12.07.2021

EDMILSON QUIRINO DE ALCÂNTARA: A LEMBRANÇA ALEGRE DE QUEM TEM APREÇO PELO TRABALHO QUE REALIZA.

Conversar com Edmilson é sempre muito agradável. Apesar da memória já comprometida ele adora falar sobre sua experiência como dono de bar....