MLUIZA |
Eu sempre fui devota da paixão. Não importa o tempo que dure. Dizem que nas relações afetivas a média de duração é na faixa de até dois anos. Depois, se permanecer já é doença e precisa ser tratada. Paixão é boa principalmente porque passa.
O coração disparado naquele tum-tum desesperado, a expectativa, o frio na barriga , a aflição que sobre e desce no peito, um entalo na garganta, aquela agonia na alma, um fogo incendiando todo o sistema circulatório. Uma inquietação vinda de não sei de onde que não acha canto em lugar algum. A angústia da espera, a expectativa do encontro. Paixão é desmantelo. Você fica literalmente pegando naquilo. Sabe aquelas antigas radiolas que a agulha enganchava no disco e não saía do lugar? É isso! Se não tirar você da rota já não é paixão. Pode ser amor, admiração ou sei lá o quê. Menos paixão.
Uma vez eu vi um vídeo muito interessante sobre o cérebro apaixonado explicando o turbilhão de reações neurofisiológicas detonadas por este sentimento. É quase um tsunami químico no organismo. Maaaassss, quem está interessado nisso?
A única solução é se entregar. Segura na mão de Deus e vai. Não tem outro remédio. Nem tarja preta, nem reza forte, nem creio em Deus Pai, salve rainha, macumba, mapa astral, tarô, pajelança nem psicólogo. Presta atenção: se puder, guarda uma grana para o psicólogo porque em certos casos ele funciona no depois.
Nem pense em aconselhar alguém apaixonado, apelar para o juízo, pensar no amanhã. Você vira inimigo. Aliás, quem está interessado em amanhã? Ninguém nem sabe se amanhã existe e você fica aí gastando o verbo falando essa besteira. Conselho é a pior entre todas as abordagens. Deus me livre de aconselhar alguém apaixonado. Sabe aquela coisa do eu quis dizer e você não quis me escutar? Esquece esse argumento. É mais fácil eu me apaixonar junto do que demolir alguém da ideia deste apocalipse now. Para não perder o amigo é melhor você sentar e ouvir a mesma estória milhões de vezes, acompanhar todos os raciocínios, todas as interpretações. E se? Neste ‘se’ fatídico cabem todas as dúvidas, culpas, explicações e perdões. Nada melhor que um amigo que acredita e viaja conosco em nossa paixão ainda que por ela não aposte um tostão furado.
O mundo está se acabando? O problema climático? A terceira guerra mundial? A política? A casa caiu? E as contas do mês, vai pagar quando? E eu com issoooo? Nada interessa. O apaixonado só está interessado no seu terremoto interior, não sobra energia para pensar em outras coisas. É saudável que haja esses momentos tormentosos para sacudir as certezas. Deus me livre das vidinhas arrumadas com começo, meio e fim.
Apaixonar-se é sobretudo encantar-se e o encantamento seja lá pelo que for é um sentimento renovador que vale a pena viver para quebrar a corrente dessa vidinha ‘marromeno’ que o cotidiano oferece. Corte os freios e liberte a sua capacidade de sonhar. Você vai fazer grandes descobertas. E sem culpas, o que é ainda mais interessante. Apaixonar-se é redescobrir-se diante do espelho e sobretudo de você mesmo. É mudar o figurino, botar uma roupa nova, dar um corte diferente no cabelo, aprender um novo passo de dança, buscar inspirações amorosas, embelezar-se para si mesmo. Isso é bom. Muito bom.
E ainda que depois venha a conta a gente sempre dá um jeito de pagar até que outro episódio apaixonante entre sem pedir licença. E não precisa ser obrigatoriamente por alguém, pode ser por alguma coisa que desperte a curiosidade e o faça sentir-se vivo. A paixão tem esse componente errático, aquieta-se por um tempo para depois desabrochar milhões de vezes em situações absolutamente inusitadas. Siga! Entregue-se. E se perguntarem se você endoidou de novo diga que sim, graças a Deus. Não se importe de ser chamado de volúvel. Eu, pelo menos, viajo mais na criatividade dos sentimentos voláteis que no mormaço insalubre dos duradouros. Nunca sofri danos pretensamente irreversíveis que não fossem curáveis.
MLUIZA
Recife, 05.11.2021
*Título de uma música da banda O Terno.
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