AKI LEMBRANU: MEMÓRIAS ENTRECORTADAS


MLUIZA

Nos domingos de maior movimento, eu ajudava na loja de papai. Ficava no caixa. Depois, quando diminuía o movimento eu, às vezes, ficava por lá. Com a feira acalmando, havia tempo para a conversa. Sempre aparecia um senhor que devia ter uns quarenta anos, talvez menos. Sempre achava que ele era das bandas de Santa Helena mas não tenho certeza. Naquela época, eu achava que tudo além de Baixio, desde não fosse Umari, era Santa Helena. Também penso que ele era conhecido por Vituriano, mas posso estar confundindo o nome. A fisionomia, sim, é muito precisa na minha memória.

Vinha pra feira muito arrumado. Roupa modesta, mas bem cuidada. Camisa mangas compridas sempre arregaçadas e chapéu. Tinha um bigode bem tratado e as mãos rudes de quem trabalha no pesado. Escorava-se no balcão e ficava horas conversando. Não tinha lá o juízo muito certo mas gostava de prosear. Vez por outra desaprumava, mas dava pra levar. Conversadeira como eu sempre fui, gostava de dar trela pras conversas dele.

Um dia chegou pra mim, muito contente, e disse:

- Olha o que eu comprei!

Tirou um lápis grafite do bolso e me mostrou. Era um lápis estampadinho fora do padrão liso que normalmente se utilizava. Deve tê-lo comprado em uma das barracas da feira que vendia miudezas.

- Não é lindo ?!

- Muito bonito, respondo-lhe.

- Pois é. Também gostei muito. Não tem muita serventia pra mim porque eu não sei escrever, mas gostei. Comprei só pela boniteza!

Guardou seu lápis no bolso e ficou por ali conversando com um e com outros enquanto aguardava a hora do transporte para voltar pra casa.

A admiração é uma virtude que eu aprecio. Transformar o comum em algo especial não é pra qualquer um.

MLUIZA

Recife, 20.05.2021

AKI LEMBRANU: O IP DE ANTIGAMENTE

MLUIZA

Na década de 50, Delice morava defronte a atual Praça São Sebastião, exatamente entre o armazém de Zé Saraiva e a casa de Antônio Ribeiro, onde hoje mora Luizita Gonçalves. Em sua casa, funcionava uma pensão e também servia refeições para pessoas que prestavam serviço em Ipaumirim. Flávio Lúcio me lembra que além do juiz, moravam lá o promotor, Zé Maria, coletor federal, e José Lourenço Colares (Seu Colares). Zé Maria (José Leite Ribeiro), filho do ex-deputado estadual Cândido Ribeiro Neto, conhecido popularmente por Cândido Branco, tinha fama de sedutor.  Bonitão ele era! Namorador também.
Na época, Dr. Amaury, juiz de Ipaumirim, era um de seus clientes. Lembro dele sentado numa cadeira de balanço ao lado da porta de entrada. Na outra ponta da praça ficava a radiadora. Todo mundo por ali passava a ouvir a velha radiadora tocando músicas ofertadas “de alguém para alguém”. Na época, Dr. Amaury, juiz de Ipaumirim, era um dos clientes da pensão. Cuidadoso com sua apresentação, tinha preferência especial por terno brancos combinando com sapato e cinto da mesma cor. Chico Farias lembra que quando sentava-se à calçada nas horas de descanso dispensava apenas a gravata e abria o primeiro botão da camisa.
Lembro dele sentado numa cadeira de balanço ao lado da porta de entrada da pensão. Na outra ponta da praça ficava a radiadora. Todo mundo por ali passava a ouvir a velha radiadora tocando músicas ofertadas “de alguém para alguém”.
Dr. Amaury, pleno de paixão recolhida, era um dos que anonimamente ofertavam músicas para sua musa. Depois que ninguém mais existe também deixam de existir segredos até porque a bem da verdade e em qualquer época a paixão é um sentimento que se auto revela. Paixão dentro de gaiola não existe. Numa cidade interiorana onde o povo sabe até o que não acontece, a difusora entregava qualquer um. Quando tocava Nervos de Aço, todo mundo sabia que esse “de alguém para alguém” era ‘de Dr. Amauri para Anita Osório’. Ele ficava na cadeira de balanço e ela, sestrosa e insinuante, passeando na rua, pra lá e pra cá. Era comum as pessoas passearem no fim da tarde escutando os programas musicais da radiadora.
Anita era uma mulher exuberante, efusiva, fogosa, livre, tinha consciência do seu corpo e não atropelava seus desejos.  Era serva da sua libido. Numa sociedade repressora e preconceituosa era uma afronta. Eu sempre a admirei porque ela passava feito trator sobre o pudor e a curiosidade malévola. Aliás, ela surfava faceira e alegre desafiando os pudicos desejos femininos, fogo nunca morto, mas represado no recôndito do corpo das mulheres.
Eu não sei se esta paixão teve outros comprometimentos além da maledicência popular nomear a casa de Delice como a Casa de Noca porque dizia-se por ali existir uma certa conivência com o cupido.
E porque a vida passa, passaram Dr. Amary que foi transferido, Anita casou e foi embora da cidade, Delice depois foi para uma nova casa numa outra rua e os comentários locais foram redirecionados para outras maledicências.
Quando eu e Vivaldo trabalhávamos na construção do seu perfil demos boas risadas lembrando desse e de outros episódios vividos na nossa minúscula comunidade.
Pra mim, Delice era só Delice e Anita era só Anita. Sempre gostei das duas. O resto fica por conta da radiadora e da falta do que fazer no Ip. de antigamente.
MLUIZA
Recife, 16.05.2021

EDMILSON QUIRINO DE ALCÂNTARA: A LEMBRANÇA ALEGRE DE QUEM TEM APREÇO PELO TRABALHO QUE REALIZA.

Conversar com Edmilson é sempre muito agradável. Apesar da memória já comprometida ele adora falar sobre sua experiência como dono de bar....