Quando
tudo escureceu, eu pensei e tremi: começa agora a revolução das muriçocas. Dito
e feito. Elas tocaram o terror e literalmente reinaram. Já nem picavam,
mordiam. Zoavam sem o menor constrangimento.
A
cachorrada da rua resolveu comemorar. Todos os cachorros do meu prédio latiram
inclusive a minha cadelinha que depois de velha está ranheta e deu pra uivar
feito lobo.
A
vizinhança resolveu botar a conversa em dia e quanto mais a luz demorava a
chegar, o papo aumentava o volume. Apareceram vozes de criança. Mais do que a
falta de energia, o calor acelerou a noite de todos.
Naquele
breu todo, não fui atrás de vela. Fui atrás de uma rede para salvar a noite.
Mas não deu para dormir. Fui para o terraço. O céu estava lindo, estampadinho
de estrelas. Eu tinha esquecido como elas são lindas quando a noite é delas.
Pensei nas noites do sertão com aquele céu com tantas estrelas que parece que
vão cair no colo da gente. Minha filha comentou que céu assim a gente também
via quando não tinha medo de assalto e viajava de noite. Fez o comentário e foi
deitar.
Tem
alguém na vizinhança que tem um laser e sempre aproveita os apagões para riscar
os prédios com seus traços irregulares e efêmeros. Deve ter adorado a noite.
Fiquei
pensando no penúltimo capítulo de Gabriela. Teria Mundinho salvado a donzela
das garras das freiras e da obstinação maluca do Coronel Ramiro?
O tempo
inteiro passavam carros na rua. De onde vem e para onde vai tanta gente naquele
escuro? Um dos carros que estacionam na rua disparou o alarme. Seria assalto?
Acho que não. Quem ia assaltar naquela escuridão inconveniente? Desde quando os
ladrões dos tempos modernos dispensam o mínimo conforto na hora do assalto? Com
certeza não foi assalto, o carro ficou disparando várias vezes e ninguém quis
sair para desligar o alarme.
Fui tomar
banho para melhorar o calor. Tomei dois e nada resolveu. Resolvi ficar na rede
com ou sem sono. Pelo menos me embalava para afastar as muriçocas.
De
repente, ouvi gritos na vizinhança. Pensei, de repente, que podiam ser
torcedores de futebol envergonhados aproveitando o escuro para comemorar o
péssimo desempenho dos clubes locais. Apurei o ouvido e a gritaria era uma só:
Voltou! Voltou! Acendi as luzes, liguei o ar condicionado e fui finalmente
dormir.
Detalhe: mamãe dormiu a noite inteira e não
viu e nem ouviu nada.
MLUIZA
MLUIZA
Publicado no alagoinha.ipaumirim em 26.10.2012
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