MLUIZA |
Eu alcancei o tempo em que ter marido era cartão de apresentação. Tinha marido, tinha dono. Por conseguinte, não é aconselhável mexer comigo porque vai ter a quem prestar contas. A quem? Justo ao marido-macho-protetor que pintava e bordava entre outros lençóis que não os oficiais. Enfim, o guardião confesso do lar era , concomitantemente, o amante atento da perpendicular. Em que pese os momentos de humilhação, perder um marido era desabonador para qualquer mulher que se preze. E se esse relacionamento nem chegasse ao altar e acabasse no tempo do noivado com o enxoval já prontinho, a coisa ficava mais complicada. Ser rechaçada era mais do que uma decepção, era um ultraje. Pense no frisson causado entre o grupo de amigas onde uma delas, noiva juramentada, foi dispensada sem justa causa. A noiva/vítima não conseguia entender o que poderia ter feito para provocar desfecho tão desapontador. Mea culpa, viva a culpa!
- Eu fui como sempre sou, não fiz nada que desse motivo, dizia a ex-noiva ressabiada.
Em busca de razões, o seu lado ‘Eu, pecador’ foi acionado buscando pecado onde não tinha. Dissecava suas ações e comportamentos garimpando culpas em si mesma para justificar a decisão alheia. Não era tanto o abandono o que mais a incomodava. O que a fazia ainda mais infeliz era todo mundo saber do acontecido. Isso, sim, era o mais desmoralizante de todo o imbróglio.
Amiga é um ser investigador, sem nenhuma técnica porém com muito faro, e uma delas abriu-lhe os olhos.
- Isso tem cheiro de mulher. Pode procurar.
Cansada de fuçar seu universo interior das culpas, ela foi no conselho da amiga e não deu outra. Descobriu. Chifre. O cara se apaixonou. Por outra. Simples assim.
- O que ela tem que eu não tenho?, martelava sua cabeça.
Essa busca virou um martírio. O clima piorou. Além da dor, a revolta, o ultraje. Daí para a vingança foi um pulo.
- Ele vai ver o que eu vou fazer! Ah, se vai...
Silenciosamente, sem considerar o oráculo das amigas, decidiu sozinha o que ia fazer. Esqueceu que o amor próprio nem sempre é um bom conselheiro.
- Só vou dizer pras meninas depois que eu fizer tudo do jeito que eu tô pensando pra ninguém se meter.
Dito e feito. Ele estava tão apaixonado pela outra que sequer sentiu-se injuriado. Ela preferiu acreditar que seu desaforo o deixou perplexo. Sem ação.
De peito lavado, reuniu a turma da república onde morávamos e despachou sua revanche.
- Sabe o que eu fiz com aquele cachorro? Recolhi as fotos dele, inclusive as que eu estava junto, peguei uma tesoura, me tirei das fotos e depois com uma agulha de crochê furei os olhos dele em cada uma delas e mandei entrega-las ao ordinário.
As amigas vibraram. Inclusive sentiram-se vingadas por todos chifres que levaram e que ainda levariam ao longo da vida. Uma voz dissonante quebrou o coro.
- Fudeu, amiga. Fudeeeeu!
Ela toda orgulhosa respondeu sem titubear.
- Eu não disse que eu ia me vingar? Eu queria mesmo era ver a cara dele vendo as fotos com os olhos furados.
A amiga dissonante não se segurou:
- Tu não ‘entendeu’ nada. Fudeu pra você, mulher, não pra ele. Onde já se viu levar um chifre desses e passar o recibo do despeito justamente para o próprio? Onde tu ‘tava’ com a cabeça que fez isso sem combinar com a gente? Podendo fazer uma vingança mais burilada tu ‘vai’ e faz uma merda dessa?
Com a discussão acalorada, teve gente contra e a favor. A ex-noiva, desconcertada, perdeu o protagonismo e passou a figurante da sua própria história. Só não ficou ainda mais chateada porque no tribunal feminino sempre entra uma discussão paralela e a conversa perde o foco.
MLUIZA
Recife, 02.06.2022